Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
10/07/2010 19h35
ROBERTO PIVA: O POETA QUE JOGOU TODAS AS FICHAS NA POESIA !
Não me lembro quem falou isso, mas cada poeta, vivo ou morto, é inigualável. E Roberto Piva, um dos mais radicais e rebeldes poetas da minha geração, foi o mais flagrante exemplo disso. Exilado em sua própria pátria, sua poesia sempre foi vulcânica, magmática –percorrendo o inframundo, as florestas, os mares, as montanhas e os céus. Mas foi em São Paulo, nessa paulicéia desvairada, que ele nasceu, cresceu, viveu  e publicou seus poemas.
“Em todos os meus escritos procurei, de uma forma blasfematória, ou numa contemplação além do bem & do mal a La Nietzsche, explicitar minha revolta & ajudar muitos a superar esta Tristeza Bíblica de todos nós, absortos num Paraíso Desumanizado, reprimido aqui & agora.”
Piva dizia que “qualquer metrópole não passa de uma necrópole”  e que “é impossível ter inspiração nesta merda de cidade”. No entanto, seu livro primeiro livro, Paranóia,(1963) além de uma estréia explosiva que quebrou uma porção de paradigmas, é uma celebração da cidade de São Paulo dos anos sessenta: os bares da av. São Luís, o Parque Shanghai, o Jardim da Luz, av. Rio Branco, a Praça da República.
De São Paulo, tudo o que eu quero é que a onça pintada volte a andar pela avenida São João” É com essa visão original que encharca seus versos que ele restabelece o signo de liberdade e de transgressão. Para Piva, muito mais que um instrumento, a linguagem era uma paixão. Muito mais que um propósito de comunicação, a poesia era uma fonte inesgotável de conhecimento, de revelação, de jogo e tragédia.
Nenhum dos poetas da chamada geração de 60 assumiu com tanta coragem as contradições e os conflitos da nossa época. Piva era monarquista e reacionário e se achava um bárbaro, uma força arcaica. Não admitia sininhos no pescoço e transitava na contramão de tudo: família, igreja, estado, sociedade, moral, etc.
Segundo suas próprias palavras, “não sou um homem normal, isto é, um racista, um colonialista.” E advertia com seu ar de autêntico poeta maldito: ” os poetas brasileiros têm de deixar de ser broxas para serem bruxos”.
Acreditava na inspiração e um dos motes de sua atitude transgressiva era este:" só acredito em poeta experimental que tenha vida experimental”. Piva repudiava a pilatização, essa constante cerimônia de lavar as mãos. Ele tinha um compromisso radical com a vida. E sempre esteve empenhado em destruir tudo aquilo que impede o homem de viver plenamente a condição humana.
Ele queria “a destruição de tudo que é frágil: cristãos fábricas palácios juízes patrões e operários.”
E manteve a postura de rebelde mesmo dentro do hospital. Segundo um amigo, “há dez dias, ele tentou fugir do hospital. Arrancou as sondas, estava bravo e queria sair fora. Ele detestava hospital, achava que era tudo magia negra.”
 
Piva morreu na tarde de sábado, dia 3 de julho, de falência múltipla dos órgãos. Estava internado no InCor (Instituto do Coração), em São Paulo, desde o dia 13 de maio. O poeta sofria de mal de Parkinson há cerca de dez anos e descobriu um câncer na próstata, em metástase, durante a internação.

Selecionei alguns versos para que os  leitores possam avaliar as imagens delirantes, a irreverência e a virulência crítica de sua poesia. E não se esqueçam que boa parte destes versos foram escritos e publicados nos anos 60. 
 
“a epopéia do amor começa na cama com os lençóis desarrumados feito um campo de batalha”
“este é o banquete do poeta sempre querendo penetrar no caroço da verdade”
“mestre Murilo Mendes tua poesia são os sapatos de abóboras que eu calço nestes dias de verão”
“vou incinerar teu coração de carne & de tuas cinzas vou fabricar a substância enlouquecida das cartas de amor”
“abandonar tudo. Conhecer praias, amores novos. Poesia em cascatas floridas”
“todo trabalhador é escravo. Toda autoridade é cômica.”
“sou um navio lançado ao alto-mar das futuras combinações”
O arco-íris é o colar do feiticeiro”
“poesia é desatino abrindo a noite ao excesso do dia”
‘amo os garotos que cospem o sangue das amoras”
“que você conheça esse relógio sem nuvens chamado morte”
“anjos de Rilke dando o cu nos mictórios”
"Praça da república dos meus sonhos onde tudo se fez febre e pombas crucificadas
“os telefones anunciam a dissolução de todas as coisas”
 “as senhoras católicas são piedosas,os comunistas são piedosos, os comerciantes são piedosos, so eu não sou piedoso”
“como teus olhos crescem na paisagem Jorge de Lima e como tua boca palpita nos boulevares oxidados pela névoa”
“teu nome deve estar como um talismã nos lábios de todos os meninos”
“eu queria ser um anjo de Piero della Francesca
Beatriz esfaqueada num beco escuro
Dante tocando piano ao crepúsculo”

 
“basta de poesia ou religião que não conduza ao êxtase”

“eu sou a pomba-gira do absoluto”

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Publicado por Rubens Jardim em 10/07/2010 às 19h35

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