15/04/2011 19h14
Willer também foi notório e todo mundo conhecia ele
NA CRIAÇÃO, NA LEITURA, NA CRÍTICA E NO ENSINO Conheço o poeta Claudio Willer desde os turbulentos anos 60. São Paulo ainda era bem provinciana e todo mundo conhecia todo mundo. Eu, por exemplo, ainda não fazia parte da Catequese Poética, mas já conhecia o poeta Lindolf Bell –mesmo sem conhecê-lo! A mesma coisa vale para o Willer, o Piva, o Mautner -- e tantas outras figuras que desfilavam pelas mesmas regiões e até pelos mesmos bares. Pois bem: Willer, Piva, Décio Bar, Biccelli e Fransceschi formavam, naquela década dos 60, o núcleo dos “poetas malditos” da paulicéia. E fizeram por merecer essa classificação, pois publicaram manifestos polêmicos, “enterraram vivos” alguns poetas e atacaram—com sarcasmo—figuras que pontificavam no panorama literário daquela época. Entre eles, concretistas e praxistas, chamados ironicamente de “vanguarda acadêmica” –apesar das piruetas e dos saltos verbais e conceituais. O grande mérito de Willer, Piva e seu grupo foi – além de todas as provocações, questionamentos e contestações – ter trazido à tona autores substancialmente importantes. Norman Brown, Reich, Marcuse, Lautrèamont e os poetas surrealistas, Ginsberg e os poetas da Beat Generation quase não eram conhecidos, discutidos e divulgados.por essas bandas. Trazê-los à baila, através de artigos, traduções,etc, oxigenou repertórios e ampliou o leque das discussões.. O fato, extremamente positivo, é que Willer e seu grupo procuraram mostrar a todos que a poesia deve ser encarada como caminho para a libertação. Seja dos corpos, seja das mentes. Ou seja: poesia não é brincadeira, nem bordão, nem bordado—e nem caretice. E a atividade poética é uma atividade revolucionária. Nós, da Catequese Poética, comungávamos dessa mesma crença. Por isso, jamais fomos adversários. Aliás, todos dessa geração-- incluindo Álvaro Alves de Faria, Carlos Felipe Moisés, Eunice Arruda, Péricles Prade, Eduardo Alves da Costa e outros—mantiveram relações sempre cordiais e fraternas. Talvez porque o nosso único inimigo—e não só nosso— eram os militares que se aboletaram no poder, suspendendo as garantias constitucionais, prendendo, torturando e matando. Isso sem falar da censura que amordaçou artistas e silenciou a imprensa. Vivemos períodos de arbitrariedades, de terror e medo. Mas, mesmo assim, nunca deixamos de perseguir o sonho de mudar o mundo. Talvez seja correto dizer que Willer e Piva foram mais atrevidos e se vincularam também ao “mudar a vida” de Rimbaud. O certo mesmo é que Willer e seu grupo foram fiéis aos princípios transgressivos que acabaram norteando revoluções comportamentais. Praticaram várias estrepolias pela cidade, publicaram livros e artigos, fizeram leituras de poesia, louvaram os apóstolos da desordem, metralharam a geração de 45--e questionaram duramente o panorama convencional e o coro dos contentes. Para que o leitor possa sentir o clima dessa atitude inconformista, transcrevo as palavras de Piva no prefácio de Anotações Para um Apocalipse (1964), primeiro livro do Willer: “Toda poesia oficial brasileira, todo este acêrvo pernicioso-fútil de neo-parnasianos, concretistas, marxistas de salão, rilkeanos-lacrimosos, representa um desejo insaciável de autoridade, de impotência mística, de resignação artificial & patológica diante de uma sociedade patriarcal & opressiva”. O próprio Willer confessa, após citar Ginsberg –“a ordem é ampliar a área da consciência”—que se sente inserido na tradição histórica que vem do romantismo profético de Blake, dos fragmentos de Novalis, de Holderlin, de Jean Paul Richter, de Ginsberg e do Surrealismo. E, para concluir esta tentativa de situar o poeta Cláudio Willer, nada melhor do que buscar as palavras que parecem ter norteado seu excelente trabalho como poeta, ensaísta, crítico, tradutor e agitador cultural. Refiro-me a Blake, quando diz que “o caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria”. E a Rimbaud quando afirma que”o poeta torna-se vidente por um longo, imenso e sistemático desregramento de todos os sentidos”. Com a palavra, o poeta Claudio Willer:
praia na ilha
é assim que eu gosto: ninguém por perto
só o acolchoado de areia macia
estendido entre as dunas
onde o esforço de andar
transforma os passos em gestos voltados para baixo
na direção do caldeirão
onde se debate a fumegante cordoalha
labirinto de convulsões
vazio atravessado por espasmos
novelo de tentáculos de espuma, de correnteza polar
e as mãos de gelo
que apertam a garganta e deslizam pelo ventre
labaredas de mar, ganchos fincados nas costas
para nos arrastar ao fundo
— penetrar nesse abismo
é navegar o dorso da morte, transformar a consciência
em pátio de ventanias —
mas, no entanto
não somos daqui
viemos de muito longe
para descobrir a derradeira praia deserta
no costão oceânico da ilha
cercada de muralhas de vento e claridade
onde cobertores de maresia
são estendidos sobre nossos corpos
mansamente reclinados
sobre a pele dourada do Tempo
Praia Mole, Florianópolis, 1981 Após uma manifestação em defesa da reserva florestal de Caucáia do Alto por mim teria ficado por lá mesmo no altiplano onde tudo começou bem acima destes bolsões de pânico bem longe deste mundo coagulado na devida distância desta fantasia sulfurosa na qual moramos teria ficado por lá mesmo mergulhado na lagoa de reencontro escavada na superfície do planeta em sua primitiva forma ficar por lá mesmo encontrar o mais puro rastro vegetal entre samambaias sem memória cipós de sabedoria e círculos de névoa ficar lá mesmo buscar o segredo do arenito a linguagem da pedra percorrer o avesso da consciência ficar por lá mesmo nunca mais sair deste planeta frio e luminoso e sempre celebrar a redescoberta do corpo pela planta dos pés
POEMAS PARA LER EM VOZ ALTA 1
EROS 2
quando o calor da noite de verão 3
a colcha era verde 4
nossos hábitos delicados e perversos 5
é hora de dizer claramente como são as coisas: 6
seus olhos têm muitas cores 7
ah, mas você não viu nada MAIS UMA VEZ mergulho no amor com a cega convicção dos suicidas penetro passo a passo nesta região misteriosa
turva aberta pelo encontro dos corpos e sinto outra familiaridade nas coisas esta calma permanência dos objetos agora formas de lembrar-se o mundo que se reduz a traços da presença a realidade que fala ao transformar-se em memória tudo é conivência e signo o espaço uma extensão do gesto as coisas matéria de evocação qualquer coisa treme dentro da noite como se fosse um som de flauta e a cidade se contorce e se retrai
MAIS UMA VEZ
de olhar frente ao olhar pele contra pele sexo contra sexo Publicado por Rubens Jardim em 15/04/2011 às 19h14
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