Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
20/06/2011 17h06
AS MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA

Não faz muito tempo que elas deixaram a cozinha, os crochês e as costuras. Hoje elas são executivas, médicas, empresárias,  políticas , professoras --e até presidentes. Mas já faz tempo que elas ingressaram na literatura, onde fizeram e fazem um excelente trabalho. Vamos dedicar este espaço a divulgar o trabalho das nossas poetas. Antes, porém, leiam este histórico.

Quando fez, em 1928, a famosa palestra sobre a presença da mulher na literatura inglesa, na Universidade de Cambridge, Virginia Woolf jamais poderia imaginar que a famosíssima Britannica iria ignorar sua posição feminista e omitir de sua bibliografia o livro A Room of One’s Own, onde foi publicada a conferência e outros escritos.

Como se vê, não é privilégio tupiniquim o esquecimento proposital da contribuição cultural da mulher em vários campos do saber e das artes. No caso específico da literatura, a questão é mais séria ainda. Afinal, tanto Silvio Romero como José Veríssimo –famosos historiadores da nossa literatura no século 19-- registraram pouquíssimos nomes femininos.

E na História Concisa da Literatura Brasileira –a mais usada no ensino atual— o prof. Alfredo Bosi só menciona quatro nomes de poetisas: Francisca Júlia, Gilka Machado, Auta de Sousa e Narcisa Amália. Mesmo assim, somente a primeira mereceu biografia e algum destaque.

Mas essa ausência, que passa uma idéia equivocada da influência feminina na cultura do país, vem sendo corrigida através de pesquisas, teses, livros, artigos e ensaios. Escritoras Brasileiras do Século XIX, organizado por Zaidhé Muzart, foi o pontapé inicial  em direção a uma reavaliação desse nosso patrimônio literário e cultural.

Publicado em 2000, o livro, com cerca de 1000 páginas, revela nada menos que 52 autoras e mostra nomes que nunca ouvimos falar —resultado desse trabalho paciente de “revolver escombros e garimpar entulhos” conforme texto introdutório da própria autora, Zaidhé Muzart

É inquestionável o mérito desse trabalho --e de um sem número de outros que foram surgindo sobre as questões relativas à mulher. É crescente, sem duvida,  a  presença delas em todas as áreas das atividades humanas. Hoje, temos até uma presidente mulher. Quanto à literatura mais recente, não podemos nos queixar. Existem muitas escritoras mulheres e elas também se apresentam em dissertações, teses de doutorado, pesquisas apresentadas em congressos e outras publicações.

Sem a pretensão de desenvolver uma avaliação desse panorama, utilizo este espaço para prestar uma homenagem às mulheres. Mais especificamente: às mulheres escritoras. Ou mais especificamente ainda: às mulheres escritoras de poemas. Afinal, por incrível que pareça, existe uma nítida predominância em nossa literatura de escritoras que se dedicaram à prosa, notadamente ao romance.

Caso de Rachel de Queiroz, por exemplo, a primeira mulher a ingressar, em 1977, no clube do bolinha que era a Academia Brasileira de Letras. Pouco depois, a ABL acolheu duas outras prosadoras consagradas: Dinah Silveira de Queiroz e Lygia Fagundes Telles. O incrédulo leitor poderá perguntar: e as nossas poetas, onde estão?

É curioso observar, mas mesmo em épocas mais recentes, as escritoras continuavam sendo preteridas. Um exemplo é a inexistência de qualquer nome feminino vinculado à literatura na Semana de 22. Cecília Meirelles, que  já havia publicado Espectros, em 1919 , Nunca Mais e Poema dos Poemas, em 1923, e Baladas para El Rei, em 1925, não é exceção. 

É justo, porém, lembrar que Cecília Meirelles escreveu um ensaio “Expressão feminina da poesia na América”, em 1956, onde apresenta um panorama da expressão lírica feminina na América hispânica. São comentados aspectos significativos da poesia de grandes representantes, desde a barroca Sóror Juana Inés de la Cruz até a chilena Gabriela Mistral.

Só para não ficar sem registro, relaciono aqui alguns nomes femininos. Alguns são desconhecidos até de especialistas, outros conquistaram alguma visibilidade. Mas todas essas escritoras desempenharam um papel que não se restringia às funções de esposa, mãe e dona-de-casa. Elas foram à luta e deixaram  seu recado --para além do recato.

São elas: Auta de Souza, Maria Firmina dos Reis, Narcisa Amália, Francisca Júlia, Cecília Meireles, Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Gilka Machado, Lúcia Miguel Pereira, Tatiana Belinky, Cora Coralina, Hilda Hilst, Dora Ferreira da Silva, Nísia Floresta, Adélia Prado, Barbara Lia, Renata Pallotini, Neide Arcanjo, Carolina Nabuco, Maria Rita Kehl, Adalgisa Nery, Lupe Cotrim, Astrid Cabral, Eunice Arruda, Helena Armond,Mirian de Carvalho,Raquel Naveira,Thereza Cristina Rocque de La Motta, Angélica Torres, Beatriz Bajo, Nydia Bonetti, Jacineide Travassos,etc.

 

 Vamos começar com elas

AUTA DE SOUZA ( 1876-1901) Nasceu em Macaiba, RN e publicou apenas um livro: Horto (1900) que foi prefaciado por Olavo Bilac.

 TUDO PASSA
 I         

Aquela moça graciosa e bela
Que passa sempre de vestido escuro
E traz nos lábios um sorriso puro,
Triste e formoso como os olhos dela...
 

Diz que su’alma tímida e singela
Já não tem coração: que o mundo impuro
Para sempre o matou... e o seu futuro
Foi-se n’um sonho, desmaiada estrela.
 

Ela não sabe que o desgosto passa
Nem que do orvalho a abençoada graça
Faz reviver a planta que emurchece.
 

Flávia! nas almas juvenis, formosas,
Berço sagrado de jasmins e rosas,
O coração não morre: ele adormece...

 

NARCISA AMÁLIA (1852-1924) Nasceu em São João da Barra, Rio, foi poeta e a primeira jornalista profissional do Brasil. Combateu a opressão da mulher, a escravidão e possuía fina sensibilidade social. Publicou apenas um livro de poemas: Nebulosas (1872)

POR QUE SOU FORTE

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço

Ao fundo d’alma toda vez que hesito...

Cada vez que uma lágrima ou que um grito

Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...

E toda assombro, toda amor, confesso,

O limiar desse país bendito

Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!

O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,

Que o olhar do mundo não macula, a terna

Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,

A sinfonia da paixão eterna!...

- E eis-me de novo forte para a luta.

 

FRANCISCA JÚLIA(1871-1920) Paulista, a poeta fez sucesso com versos de conteúdo  parnasiano. Seus últimos trabalhos já mostram a influência do simbolismo. Publicou vários livros de poemas. Sobre seu túmulo está a estátua da “Musa Impassível”, de Victor Brecheret, em homenagem a um de seus poemas mais famosos.

A FLORISTA

Suspensa ao braço a grávida corbelha,

Segue a passo, tranqüila... O sol faísca...

Os seus carmíneos lábios de mourisca

Se abrem, sorrindo, numa flor vermelha.

 

Deita à sombra de uma árvore. Uma abelha

Zumbe em torno ao cabaz... Uma ave, arisca,

O pó do chão, pertinho dela, cisca,

Olhando-a, às vezes, trêmula, de esguelha...

 

Aos ouvidos lhe soa um rumor brando

De folhas... Pouco a pouco, um leve sono

Lhe vai as grandes pálpebras cerrando...

 

Cai-lhe de um pé o rústico tamanco...

E assim descalça, mostra, em abandono,

O vultinho de um pé macio e branco.

 

 

GILKA MACHADO (1893-1980) Carioca, publicou seu primeiro livro, Cristais Partidos, em 1915. Poeta simbolista, foi eleita a “melhor poetisa do Brasil” em 1933.

 

SER MULHER...

          Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada

para os gozos da vida; a liberdade e o amor;

tentar da glória a etérea e altívola escalada,

na eterna aspiração de um sonho superior...

 

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada

para poder, com ela, o infinito transpor;

sentir a vida triste, insípida, isolada,

buscar um companheiro e encontrar um senhor...

 

Ser mulher, calcular todo o infinito curto

para a larga expansão do desejado surto,

no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...

 

Ser mulher, e, oh! atroz, tentálica tristeza!

ficar na vida qual uma águia inerte, presa

nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

 

Aguarde nova postagem com mais poemas de poetas mulheres.

 


Publicado por Rubens Jardim em 20/06/2011 às 17h06

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