14/05/2012 20h31
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (20)
LAURA ESTEVES ( ) poeta carioca, faz parte do grupo Poesia Simplemente. Seu primeiro livro de poemas, Transgressão, foi publicado em 1997. O segundo, Como água que brota na fonte, em 2000 . O terceiro, Rastros - poemas escolhidos, em 2006, Finalmente, em 2008, Cinquenta poemas escolhidos. Curadora do Forum Poesia ( UFRJ, em 2005, 2006 e 2007), foi uma das premiadas do “Concurso Contos do Rio”/2004, do jornal “O Globo”. COMUNHÃO
Lobisowoman
Rastros
Queres me conhecer inteira. Impossível! Impossível! Existem apenas vestígios. Em meus andares, vou deixando rastros. Pegadas que sinalizam quem sou. É só ficares atento ao vestido sobre a cadeira, às dobras do meu casaco, às sobras do meu sorriso, ao meu olhar triste e opaco. É só prestares atenção ao meu resto de bebida, intacto, no fundo do copo; ao que desenho no papel quando estou bem distraída; ao jeito como fecho a porta e como toco a campainha. Repara aquela natureza morta junto ao degrau da escada, meu belo bule de barro, a colcha de barra bordada e a flor que murcha no jarro. Poemas também deixam vestígios. Metáforas, alegorias. Por eles, se chega a atalhos, retalhos de toda uma vida. Se queres um pouco de mim, procura em minha poesia. SUSANNA BUSATO (1961), poeta paulistana, doutora em Letras (UNESP/São José do Rio Preto) e mestre em Comunicação e Semiótica (PUC/SP). Professora de Poesia Brasileira na UNESP de SJRP. Prêmio Mapa Cultural Paulista, categoria Poesia, em junho de 2010. Tem poemas publicados na Revista Cult, Revista Brasileiros e nas revistas eletrônicas Zunái e Aliás e ensaios na Cronópios e Gérmina e outras revistas acadêmicas. CURTO-CIRCUITO curto circuito raio trombeta na tua corrente elétrica me viro capoto estopim de baioneta
LUA NOVA a lua está cheia de ti a lua quer a mim nova mente nua de ti
UM CASO DE AMOR Para esta São Paulo de 458 anos,a cidade das minhas eternas paixões.
Asfalto fuga e fumaça Suas trilhas nefastas Perseguem as minhas Na prega da saia No beijo do vento Na flor descoberta Vermelha no centro.
Cidade de azuis clandestinos Couraça de pó e cimento Me abraça como um noivo E me lança viadutos adentro.
Me entontece nas curvas Me sussurra nos trilhos Encruzilhadas de amor eterno.
É assim que te quero Na volúpia pneumática das esquinas Inteira como as avenidas Da minha Paulista humana loucura.
VALÉRIA TARELHO (1962) poeta santista, formou-se em direito, mas optou pelos caminhos da poesia. Tem participado de leituras públicas (Casa das Rosas e Itaú Cultural), integra o quadro de colaboradoras fixas da revista escritoras suicidas e publica trabalhos nos sites Blocos, Germina e Usina de Letras. Publicou o livro Sol a Cio(2010) e participou do Livro da Tribo.
mil mulheres
tântricos até não se sabe quando o nosso caso de instantes o manso toque até distantes o fácil truque de aprendizes a nossa troca às no trânsito
[ e todos os trâmites que passamos somando pânico somatizando [d]anos posterizando a matiz do inconstante ]
até quando não se sabe estamos em transe ............................................................................ meu sonho alado
VIVIANE MOSÉ (1964 ) poeta capixaba, psicanalista e filósofa, ganhou extrema notoriedade ao trazer temas da filosofia para a linguagem cotidiana em programas de televisão. É nietzschiana –sua tese de doutorado é sobre o grande solitário --e estreou em livro com Escritos(1990). Outros títulos: Receita Para Lavar Palavra Suja(2004), Pensamento Chão (2007) Toda Palavra(2008).
Toda Palavra Procuro uma palavra que me salve Pode ser uma palavra verbo Uma palavra vespa, uma palavra casta. Pode ser uma palavra dura. Sem carinho. Ou palavra muda, molhada de suor no esforço da terra não lavrada. Não ligo se ela vem suja, mal lavada. Procuro uma coisa qualquer que saia soada do nada. Eu imploro pelos verbos que tanto humilhei e reconsidero minha posição em relação aos adjetivos. Penso em quanta fadiga me dava o excesso de frases desalinhadas em meu ouvido. Hoje imploro uma fala escrita, não pode ser cantada. Preciso de uma palavra letra grifada grafia no papel. Uma palavra como um porto um mar um prado um campo minado um contorno carrossel cavalo pente quebrado véu mariscos muralhas manivelas navalhas. Eu preciso do escarcéu soletrado Preciso daquilo que havia negado E mesmo tendo medo de algumas palavras preciso da palavra medo como preciso da palavra morte que é uma palavra triste. Toda palavra deve ser anunciada e ouvida. Nunca mais o desprezo por coisas mal ditas. Toda palavra é bem dita e bem vinda.
PRA LAVAR PALAVRA SUJA Mergulhar a palavra suja em água sanitária, Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia. Algumas palavras quando alvejadas ao sol adquirem consistência de certeza, por exemplo a palavra vida. Existem outras e a palavra amor é uma delas que são muito encardidas e desgastadas pelo uso, o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente. São poucas as que ainda permanecem sujas depois de submetidas a esses cuidados mas existem aquelas. Dizem que limão e sal tiram as manchas mais difíceis e nada. Todas as tentativas de lavar a piedade foram sempre em vão. Mas nunca vi palavra tão suja como a palavra perda. Perda e morte na medida em que são alvejadas, soltam um líquido corrosivo —que atende pelo nome de amargura— capaz de esvaziar o vigor da língua. Nesse caso o aconselhado é mantê-las sempre de molho em um amaciante de boa qualidade. Agora se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar. O perigo aqui é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras. A culpa, por exemplo, mancha tudo que encontra e deve ser sempre clareada sozinha. Uma mistura pouco aconselhada é amizade e desejo, já que desejo sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode, o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade. Já a palavra força cai bem em qualquer mistura. Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido. A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva produz uma oleosidade que conserva a cor e a intensidade dos sons. Muito valioso na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa. Para isso conviva com a palavra durante alguns dias. Deixe que se misture em seus gestos que passeie pelas expressões dos seus sentidos. Á noite, permita que se deite, não a seu lado, mas sobre seu corpo. Enquanto você dorme a palavra plantada em sua carne prolifera em toda sua possibilidade. Se puder suportar a convivência até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa. Uma palavra limpa é uma palavra possível.
Tudo o que vejo Era tarde nas janelas da sala, Um gosto de tarde que eu queria lamber. Tenho vontade de lamber as coisas que gosto, Mesmo as que não gosto costumo lamber sem querer. Às vezes com a língua mesmo. Molhada e escorrida. Outras vezes uso a língua da palavra, Quando tem cheiros ruins Ou asperezas estranhas ao paladar de minha pessoa, Ou por nada mesmo por gosto Passo a língua nas coisas que vejo E passo as coisas que vejo pra língua. Publicado por Rubens Jardim em 14/05/2012 às 20h31
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