Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
25/03/2014 17h06
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA(47ª postagem)

ADRIANE GARCIA (1973) poeta mineira, é historiadora, funcionária pública, arte-educadora e atriz. Não publicou ainda nenhum livro, embora tenha 6 prontos na gaveta. Ganhou o Prêmio Paraná de Literatura 2013 com o livro inédito Fábulas para Adulto Perder o Sono. Divulga seus escritos no blog adrianegarcialiteratura.blogspot.com.br.

O LOBO MAU

Tinha orelhas grandes

Mas não eram para me ouvir

Melhor

Tinha nariz grande

Mas não era para me cheirar

Melhor

Tinha mãos grandes

Mas não eram para me acariciar

Melhor

Tinha boca grande

Mas não era para me comer

Melhor

Sentei-me na soleira da porta

E devorei a cesta.

 

NA HORA

Nem a tarde é tarde

Seus raios avermelhados

Dizendo-nos vida

Nem os meus

Nem os seus

Cabelos são tarde

A mão que os toca

Tão presente

Nem a tarde sente

Que a gente chegou

Bem

No exato

Da hora.

 

INÚTIL UNÇÃO DOS ENFERMOS
O poeta não vai para o Céu
Já cometeu todos os pecados capitais
E mais uns
Que ele inventou
Não espere a correção do poeta
O poeta é torto, empenado
E, de verdade
Nunca obedece a ninguém
Jogue água benta no poeta
E verá
Onde há fumaça
E fogo.

 

DEPOIS QUE VOCÊ SE FOI
Enfeitamos com flores
Muitas flores
A morte no cemitério
Cravinas rosas margaridas
Profusão de cores para
Deixar a lápide limpa
Da mancha sombra
Essa que larga as flores
E nos acompanha.

 

ANGÉLICA LÚCIO( 1974) poeta paraibana, é jornalista profissional. Recebeu menção honrosa no concurso de Poesia do Sesc João Pessoa. Participou da Antologia Contemporânea da Poesia Paraibana (1995) e publicou, junto com os poetas André Ricardo Aguiar, Fausto Costa e Karina Grace Quadrifólio. Organiza a publicação de seu primeiro livro de poemas.

FILHOS

Meu pai

pensava filhos

como se quisesse açude

pomar curral e galinhas

fazia filhos

como se pensasse

em sítio:

de sua carne.

 

PÉTREA

Por vezes,

me sinto pedra

pele salgada

sob a língua vermelha

em esgares de náufrago

estátua translúcida

sumindo em saliva:

a eterna mulher de Lot.

 

TESSITURAS

Se me esqueço

em novelo de dedos

não me fio em roca e fuso

de tessituras alheias.

Ainda que fique sem pão

colher de pau e jasmim

tapete de tez vermelha

ventilador e dentifrício,

Ainda que perca o elo,

não me fio

e me fecho em minotauro.

 

PÉROLA

Minha dor é molusco

e se faz de ostra:

sempre me enclausura.

Brinca com hipocampos,

faz cócegas em Netuno

e me quer sua filha.

Talvez uma pérola.

 

ISIS MORAES RAMOS (1978) poeta baiana, atua como jornalista e professora de literatura brasileira. É mestranda em literatura e diversidade cultural pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Editou, por cinco anos, o Tribuna Cultural, suplemento de cultura do jornal Tribuna Feirense. Já foi laureada com o Prêmio Bahia de Todas as Letras (2007), de poesia.

 

DESERÇÃO

Cravado no não,

o nome dela convoca as Fúrias

para dançar.

 

Em vigília, um olho insano

crucifica o silêncio.

 

SOLIDÃO

Um olho devora

o silêncio;

 

o Outro

o condena.

 

Cavalos lendários

margeiam meu sono.

ULISSES

Não sou a Outra.

Tenho uma Circe costurada

em cada olho.

MÔNICA DE AQUINO(1979) poeta mineira, colabora em suplementos literários. Participou da antologia portuguesa O Achamento de Portugal (2005). Já teve poemas publicados em vários sites do Brasil e do exterior. Publicou seu primeiro livro, Sístole, em 2005. Com Fundo Falso, segundo livro, ganhou o prêmio cidade de BH, em 2013.

PENÉLOPE SECRETA

Um homem chegou no dia
em que não havia espera.

Na porta, somente o cão
guardava o tempo.

E o tempo era correr
atrás do rabo.

O homem tomou o castelo,
a cama, o arco.

Agora, dorme ao meu lado
descansa da travessia.

Não sabe seu gosto de mar

não sabe que traz, na pele, a alma
do mar.

Preciso partir para esse lugar
de onde o homem voltou

(o amor, agora, é o mar).

Comecei a tecer uma rede
de pesca.

Comecei a tramar
certo corpo de barco.

Agora, tranço os cabelos
e olho pela janela.

É quando ele desperta
desfaz a cama, desfia os planos

desata a trança, pisa na rede

e sinto, de novo, o mar.

De repente, partir é igual
a ficar.

 

PENÉLOPE MENTIROSA

De noite desfaz, obediente
a fera que a carne abriga
e regressa à partida: a espera indefinida.

De dia, é outro o desejo
tece a mortalha com o silêncio
de ter de casar-se outra vez

(presa entre duas promessas)

mas Penélope mente: o que quer é a solidão.

A fidelidade é um cão.

 

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A um átimo

do amo-te

temo-te.

A um istmo

do íntimo

mente.

De cor, somente

o silêncio

(continente).

E a linguagem,

cortejo

(périplo).

Mas o amor:

arquipélago.

 

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Não por acaso

o verso fácil

de quem já sabe em si a pedra

do caminho a pedra

do cabralino verso

o concreto da síntese

 

e mistura tudo num pulo do gato

escaldado, o mesmo

 

que comeu o lirismo

que estava aqui.

 

Mas nenhum lirismo é um verso

que não é do seu poema -

 

e rima romântico e perverso.

 

Não por acaso a alquimia

de corpo e texto

na metafísica dos beijos

 

na queda de quem sabe a nuvem.

 

Nem por acaso remar rio acima

com o verbo ágil

de quem desce

a correnteza

 

no desejo de (re)conhecer

todas as formas de delicadeza.

 

Por acaso, talvez, a vertigem

da margem

 

no poema que nos contempla.


Publicado por Rubens Jardim em 25/03/2014 às 17h06

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