17/04/2015 18h32
AS MULHERES POETAS...(59ª post)Claudia Alencar, Natália Barros,Vássia Silveira e Bianca Veloso
CLAUDIA ALENCAR (1950) poeta paulistana, atriz de teatro, cinema e tv, já publicou dois livros de pesquisas teatrais e lecionou artes cênicas. Publicou 4 livros de poemas: Maga Neón (1988), Sutil Felicidade (2001), 50 Poemas escolhidos pelo autor (2004) e Refinamento e Loucura(2013) Foi militante da ALN e em 1972 foi presa e torturada. MERA INQUILINA Não sou meu corpo apenas entrei nele para meu conforto e confronto Hoje senti esse modus vivendi
Sou mera inquilina Vejo através da retina mas ela não sou eu é simples janela na qual me debruço e estou
Casa não é inquilino Obra de arte não é museu Som não é violino Corpo é só reflexo do Eu
FRONTEIRAS Uma só boca para falar pouco Dois ouvidos para ouvir mais Uma só Alma para viver entre a paixão e o caixão
EVA Não tentes ouvir o que digo tenta escutar o que sou fica comigo ouve meu silêncio Extenso Não te levarei ao paraíso te levarei mais perto de ti ao teu profundo sorriso
A FOTO Mamãe, vestido de seda preto, luxo batom rosa, salto alto Linda Meu irmão, calça curta azul-marinho camisa branca, cabelo à escovinha Eu, vestido curto de florzinha rabo de cavalo, primeira sapatilha Nós três, em casa, no topo da escada Meu pai, embaixo, atrás da máquina Sorria NATÁLIA BARROS - (1963) poeta santista, é cantora, atriz e jardineira. Foi contemplada pelo Proac 2011 de literatura. Fez parte do grupo Luni como cantora e integrou o XPTO como atriz. Já foi reporter da TV Cultura e publicou apenas um livro com seus poemas, mini contos e ilustrações: Caligrafias, em 2012. Cada vez mais : indignada Cada vez mais : romântica Cada vez mais : o êxtase perfura Cada vez mais : a realidade dura
HUMANO Tudo teima em se alterar O de dentro quer sair O de fora quer entrar
Mas se eu não me engano Não seria isso Ser humano ?
IN PETTO Não estou nem sã nem salva Sou alvo sou rubra sou negra Com você fico pendular Confundo os vícios Piso em falso no precipício Inverto a Terra e o Céu Verto águas límpidas e turvas Escapo do cadafalso Feliz-para-sempre no início Fundo uma nova religião Onde o altar é meu ventre Nas minhas orações digo: entre Nas minhas relíquias Guardo saudades E entoando um mantra sagrado Te aguardo
LEPIDÓPTERA Sirvo para nada alguns dias, mas , mesmo nesses dias , estou encarregada de salvar vidas. Especializei-me em ouvir o chamado dos insetos, preferencialmente de borboletas Erráticas na janela, imaginam na vidraça múltiplas possibilidades sem saídas Asa mole em vidro duro, tanto bate até que morre. Se não sou eu. Senão sou eu, senão eu, a iludida. VÁSSIA SILVEIRA (1971) poeta paraense, nasceu em Belém, cresceu em Rio Branco e vive atualmente em Florianópolis. É jornalista, escreve cronicas, e literatura infantil. Febre terçã é seu primeiro livro de poemas(2013). PERGUNTAS Tu me perguntas, e eu digo sim. Deixemos, portanto, que esse orvalho (não precisamos mais que isso). Tu me perguntas, e eu digo sim: O CADERNO No caderno da menina lia-se: Há nas lesmas qualquer coisa de gente e nas pedras uma vontade de sono no caracol um desejo solitário de lar nas plantas rasteiras uma fome de terra e nos fins-de-tarde um cheiro de coisa velha – como velhas são minhas tias, minha avó, minha mãe. E sem saber mais da (i)mobilidade das coisas, a menina fechou o caderno... (ela desconhecia, mas sob seus pés, repousavam asas) FIM DE CENA Quando as luzes apagarem-se E eu ficar a sós, Dividirei com a dor Do instante A silenciosa lágrima Que teimou Em não ser vista.
E rasgarei, até o último fio, As vestes que encobriram Meu fracasso – empilhando, como peças de dominó, Sonho após sonho.
Quando as luzes apagarem-se E eu ficar a sós, Acenderei o cigarro, quebrarei os copos E andarei nua, Sob a tempestade.
TEMPESTADE A tempestade varreu os quatro cantos da casa deixou-a nua, despida das lembranças e dos cheiros.
Dos destroços da ilusão salvou apenas o fino frasco – aquele onde guardou a saudade e o amor tranquilo que arrasta para fora a lama e faz com que os telhados pareçam novamente um lar.
BIANCA VELLOSO (1979) poeta gaúcha, cresceu e vive em Florianópolis. Optometrista por profissão, mãe por opção, escritora por paixão. É também programadora da Rádio Comunitária Campeche. Apresenta o “Sábado Arrastão”, um programa de entrevistas com foco em música e poesia. LEIS DE MERCADO não foi de uma vez só foi pouco a pouco
ela era tão viva tão bonita tão autêntica
espalhava por aí abraços, carícias sonhos, cores, beijos, fantasias e possibilidades
não suportavam vê-la tão leve, tão solta tão cheia de amor
no primeiro dia cortaram-lhe as asas
no segundo arrancaram-lhe as cordas vocais
no terceiro quebraram seus braços e pernas
no quarto perfuraram-lhe os tímpanos
no quinto furaram-lhe os olhos
no sexto invadiram seu território mais íntimo e mais sagrado : o sexo
no sétimo descansaram
agora é tarde a liberdade está morta
RESISTÊNCIA novembro de mil novecentos e setenta e nove primavera no hemisfério sul e era medo o que florescia no jardim lá de casa
diziam que o pior já havia passado mas a gente engolia ideais e vomitava escuridões a gente calava o que sentia
quando aqueles homens cinzas levaram meus pais deixaram no meu peito esta pústula acesa que carrego até hoje
criança exilada da infância : existo, resisto, insisto
O INDIZÍVEL linda feita de azuis
perto dela
o ar
é
r a r e f e i t o
deve ser mar o que ela carrega dentro
quando me abraça sinto o marulhar do mundo
o corpo inteiro vibra
e já não sei mais o que é meu e o que é dela
SOBRE O MEDO medo do escuro não tenho não de fantasma? também não! de corda bamba? precipício? não!
sei acender estrelas inventar sonhos alçar voos o que me mete medo - de verdade - é o mundo das certezas
Publicado por Rubens Jardim em 17/04/2015 às 18h32
|