21/07/2015 13h14
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (63ª POSTAGEM)
LÍGIA SÁVIO (1946) poeta gaúcha, possui doutorado em letras e é professora de literatura, em Porto Alegre. Participou de antologias independentes na década de 70 (Teia, Teia II e Paisagens). É uma das idealizadoras e apresentadoras do Sarau das Seis, evento realizado mensalmente. Publicou o livro de poemas No dorso da palavra, 2015. NUM VITRAL ANTIGO cacos de minha missão: mosaico coletânea antologia fotomontagem slides em todos eles passam pedaços de mim de ti ao vento MEL DE VERSO E LETRAS farto rio me escorria pela boca pelos poros: lambi dedos e lábios cavalguei no dorso das palavras AH, PLANOS: ENGANOS projetos retos enquanto a rua lá fora espia com seu olho torto de lua tudo que se move. Planos? Só ciganos. RE-MITOLÓGICA É só do sal de Urano que nasce a força erótica? Foi esta a história que contaram. Só os deuses-homens gestavam o amor. Mas Afrodite, na concha, expele jorros pelas pernas criando palavras de todos os sexos. BETTY VIDIGAL(1948) poeta paulistana, é jornalista e contista. Publicou seu primeiro livro, Eu e a Vela, quando tinha 17 anos. Nos anos 60 participou do movimento Catequese Poética, liderado por Lindolf Bell. É membro da diretoria da UBE, colabora com a revista Voz Lusíada e o jornal O Escritor. Outros livros de poemas publicados: Tempo de Mensagem e Os Súbitos Cristais. SEGREDO Retenho este segredo entre meus dedos, esfarelando-o aos poucos feito giz num movimento disfarçado e lento de quem quer revelá-lo mas não diz uma palavra sequer. E morde os lábios, para cortar o mal pela raiz. INCÊNDIO E CHARME Para enfrentar o mundo, que meu amor de mim se arme: incêndio e charme.
Para enfrentar-me, há que ir mais fundo: só charme e incêndio não vão bastar-lhe
(que sou imune).
Amor se mune de incenso e calma, de calma e incenso (amor acende-o).
Amor se arma: ciência e karma. Atiça o lume do olhar intenso e afia o gume do seu sorriso (alfanje, sabre).
É o que é preciso: amor me abre. PITANGAS Era uma febre, um delírio, Uma mandinga bem feita, cama com cheiro de lírio.
Era um delírio, uma febre, amor que não se endireita, quebranto que ninguém quebra, tremedeira de maleita, uma mulher e um ébrio de amor que não toma jeito. E ela, que não se emenda?
Meus dedos fazendo renda com os pêlos do seu peito; o coração que se escuta pelo quarteirão inteiro; pitangas no travesseiro, cama com cheiro de fruta. SUMIÇO Vou desaparecer da tua vida, e ela vai ficar tão aborrecida!
Vou deixar a tua vida lisa e plana, sem graça como um início de semana, uma semana dessas bem compridas, sem expectativa de alegrias. Uma sucessão de dias desbotados, tardes frias, noites descoloridas, madrugadas pálidas e mal dormidas.
Vou sumir até mesmo dos teus sonhos, não vou aparecer nem em delírios; tenho planos detalhados e perfeitos e quando os descobrires será tarde demais, não vai ter jeito: tudo vai parecer tão desenxabido, tão tristonho, tão desprovido de finalidade...
E quando não houver nada que te agrade, te interesse, todos dirão que é depressão, estresse, mas nós dois saberemos que é saudade. SILVIA JACINTHO (1952) poeta paulista, nasceu em Barretos, viveu em São Paulo e reside no Rio. É formada em jornalismo. Publicou: Lavoura de Infinito(1991), Helênica(1993- Prêmio Jorge de Lima-UBE), Brasiliana(1994- Prêmio APCA), Chama(2000), O livro da intuição(2001) e Dança do Fogo: estudos sobre o desejo(2004). LAVOURA DE TIJOLOS A agulha enfiada. A fragrância das flores na cambraia. As cores sólidas das linhas. O avô apenas uma fotografia na parede, me olhando. Dentro da casa. Lia bate os pés no pedal da máquina de costura. Aqui fora, nos canteiros do jardim Carlos e eu amassamos o barro. E o colocamos nas caixas de fósforos, vazias. Esses tijolos de barro sem cozer montam minha olaria. Vou deixar aqui meus sonhos ressecando ao sol. Quando crescer e voltar um dia e um dia não encontrar ninguém tocarei com minhas mãos sujas de sonho o barro dessa olaria. AS GARRAS Graciosa, rodando para o alto as mãos, apresenta-se na sala dançando, as ancas, alaúdes, requebram pernas abrem o godé da saia e guitarras enchem o ar de langor e músicas. Sobrancelhas agrestes olhar cálido e úmido unhas esmaltadas furam como garras assim, ela baila cravando-as em mim enterrando a fúria de sua paixão na fatalidade de ser apenas um indefeso homem. GITANERIA Nas vielas sinuosas e nos limites da gitanería, a céu aberto, baila Carmem seu tablado, a rua calçada de pedras de cada casa descem vizinhos que a rodeiam com palmas e cantorias ai, um grito de aflição sai das cordas da guitarra, apaixonada, a dançarina alteia os braços, girando-os, e possuída pelo tom da música lá fora ela sapateia, dançar é o abrigo de seu espírito — a verdadeira casa. A ESCALDANTE FEBRE XXX A caligrafia (puríssima expressão) é qual teia de aranha redondilha de hexágonos pendurada nas cavernas ocas nos recessos do ser, com ela escrevo a mais clara e primitiva poesia e emito um grito do passado — rugido de fêmea. JANET ZIMMERMANN(1960) poeta gaúcha, é calígrafa, colunista e publica em jornais e vários sites de poesia. Desde 1980 reside em Campo Grande. Participou do 1º Sarau Literário via Twitter no Brasil e fez parte dos 61 escritores convidados para a primeira Mostra #Tuiteratura (Sesc Santo Amaro- SP). Asas de Jiz (2013) é seu primeiro livro. nem sol nem céu no seu dia : apenas um vel cro na boca da poesia ENREDANDO LIBERDADE tiro a alma da janela tiro a roupa da alma dispo-me de tudo o que enrosque minha trama com ela arredo tudo das vistas pra dar atenção à real visita enxugo os olhos d’àgua deixo livre a pista só não tiro a cama do caminho que é pra poesia deitar, rolar e soltar toda a gana rouca do canto preso na gaiola pouca CALDO ORGÂNICO caiu sal em gota na sopa caiu um cílio na sopa caiu um olho na sopa que me olha de esguelha sem fome sem nome caolha SAUDADE COBRA chegança / vodca / chope / água d’alambique / cetins / cuícas / arlequins / explosões! / marchinhas / cordões / gandharvas / polichinelos / passistas de Carmen Miranda : jovens corações no ritmo do repique...
[ e eu lá sambando em alemão]
depois das quatro - no sul do mundo - o ato segundo : bobas mãos / confetes derretidos / beijos de língua / luas mais velhas segurando velas...
[e eu cá curtindo uma saudade serpentina]
Publicado por Rubens Jardim em 21/07/2015 às 13h14
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