27/11/2015 14h51
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (68ª POSTAGEM)
CLAIRE FELIZ REGINA (1928) poeta matogrossense, nasceu em Campo Grande e é funcionária pública aposentada. Aos 17 anos mudou-se para Bauru-SP, cidade onde se casou e teve os seus filhos. Posteriormente veio para São Paulo , onde reside atualmente. Quase aos oitenta anos passou a escrever poesia. Publicou 3 livros de poemas: Meu jeito de falar(2014), Poemas eróticos (2014) e Caquinhos de poemas(2014).
O MARIDO Antes ele fazia sexo demorado. Cheio de preliminares. Reclamou-me a vizinha, virou poeta de hai-kai, agora, só quer dar “uma rapidinha”
POEMA PARA UM AMOR MAIS JOVEM Você nãofez. Você é um poema, que pena... Por que só agora? Por que tanta demora? O que você escreveu é lindo, mas pra mim, fora de hora.
Eu nasci bem antes, eu tinha pressa, eu queria ver a vida, eu queria encontrar um poeta. Mas terminei desencontrando, pois na estrada da vida, você está na entrada, eu, na saída.
NOSSO AMOR Por que o nosso amor tem que ser assim? Te amo porque não posso viver sem você, mas te odeio porque você pode viver sem mim.
A ESTRADA DA VIDA A cidade onde eu nasci, as ruas por onde andei, os lugares que eu conheci e as paredes onde eu amei.
Deles eu nunca me esqueci.
São os lugares da minha vida, espaço da minha memória, se um dia eu for poeta, vou cantar em sua glória.
Ela pensa que se lembra de todos, mas há uma estrada que anda muito esquecida, justamente aquela, que foi a primeira por todos nós percorrida.
Nenhum poeta fez versos pra ela, nem você se lembra do nome dela.
Perereca, xoxota e até periquita, são nomes que dão para ela, mas você sabe, na verdade, o que ela é, ela é a porta de entrada da vida.
E se você não nasceu de cesariana, tenha mais carinho ainda com a
perseguida
Pois ela já foi, um dia, a sua única saída.
ROSANA CHRISPIM (19 ) poeta mineira de Carandaí, morou em Juiz de Fora até mudar-se para São Paulo em 1967 e, depois, em 1970 para São Bernardo do Campo. Formou-se em jornalismo e exerce a atividade de produtora gráfica até hoje. Publicou 2 livros de poemas: Semelhanças(1986) e Entretempo(2003) e teve trabalhos divulgados em revistas e suplementos literários. TRANSE A despeito do céu intoxicado de fumaças e resíduos do desvario arqueando o ombro da espada sobre a cabeça a alma está acintosamente clara espantosamente lirica
Os olhos aprisionados delatam sentidos esmiuçados desejos alvoroçados
A lua explode meu fim adiando-o
CONTRACULTURA às vezes me desajeito a palavra é minha arma e com ela me firo momento em que gesto/ voz/ verbo não são meus me desapropriam
Com quanta poesia se alinhava um verso
alma armadilha algaravia
o poema me desacata penetra/ fala fundo/ alto ve quando quer imperativo estio
Com quanta poesia se cala um verso
NAU confia ainda que há portos nas cartas dessa ímpar navegação
céu mar embarcação desfavoráveis mas há portos
prontos a receber as passageiras amarras pra restauro do casco cuidado da máquina retomada do leme
ao navegador (in)certeza e travessia
aos portos o quinhão da espera
ALENTO Bem devagar vem o desejo e cochila
Vem bem devagar um quase desejo em meu ombro e cochila
Vem bem devagar aquele quase desejo do seu ombro e cochilo
MARILIA KUBOTA (1964) poeta paranaense, é escritora e jornalista. Publicou poemas nos livros Pindorama (2000), Passagens (2002), 8 Femmes (2007), Antologia da Poesia Brasileira do Início do Terceiro Milénio (2008), Selva de Sentidos (2008), Blablablogue (2009) e Todo Começo é Involuntário - Poesia Brasileira no Início do Século 21 (2011). Seu livro, Esperando as Bárbaras, foi publicado em 2012.
LIKE A ROLLING STONE como ser pedra que rola no abismo ser desvario muitos gostariam não podem seguem programas temem desabe o céu
ser inocente — uma outra forma de fazer arte — pintar a parede
quase tudo morre de velhice ou mesmice
se houver um buraco para cavar avise
talvez haja fórmula para escrever rimas, x e y, se você quiser, mas o que irrompe é a onda elétrica além do blablablá
a eloquência arranca aplauso cobre o rap soluçado
jogar paciência com cadáver obedecer ordens não escritas o raio atinge em vez de rosa, cacto.
nem santo nem ator:
o poeta é perdedor.
ESTE SILÊNCIO este silêncio é pra ser ouvido como quem ouve um velho amigo
como quem põe sentido
e repercute o menor ruído
este silêncio é pra ser ouvido contra o motor do avião e placas de Proibido
pra ser ouvido como quem anda pra trás e acha divertido viver por um triz
este silêncio é pra ser cortado por um pé de vento e súbito cair abatido.
CINZA estamos distantes do que éramos, estrelas, abelhas.
os pensamentos giram, monótonos, como zumbido entre orelhas.
rápido dizer. rápido chorar. por favor encante rapidamente para embarcar no trem sem volta.
métod, sísifo, me entrego ao erro cada vez mais.
enquanto homens se embriagam mulheres despencam nos lençóis o desespero é abafado com suavidade: amamos a voz dos pássaros sem ouvir seu canto.
GASTE TEMPO ghaste tempo correndo atrás do vento como um cego que emprega mal os dedos perseguindo
amar pra você é agradar pra mim soltar quando menos se espera encontrar a melhor forma pro desespero lutar contra a luminosidade do sol e fugir de qualquer altar.
bravo você tem jeito pra escrever versos eu só finjo minha ikebana tem flor de banana
FRANCESCA CRICELLI (1982) poeta paulista, nasceu em Ribeirao Preto, é tradutora e pesquisadora. Seu livro de poemas Repátria foi lançado recentemente, em agosto deste ano. Morou na Itália, na Espanha, na Malásia e, por alguns meses, na Índia e no México.
REMOVER DO CORPO AS CROSTAS DO SILÊNCIO No se puede contemplar sin pasión. (Borges)
Remover do corpo as crostas do silêncio tudo que é vivo e exposto grita e gira, pela avenida a dor se junta ao rumor.
Para chegar à clarividência procura-se um ritmo, qualquer um, que descompasse as artérias —
a vida enverga sobre a avenida no peito só a voragem do eterno, a fração do abalo sísmico, desenha na mão cataclismos.
RUA ABÍLIO SOARES A casa caiu e o vazio fisga fundo a ferida.
A rua muda, a sombra nua espraia o sol, meus passos passam
CATEDRAIS Força sutil e estrondosa a nossa catedral erguida no peito vazio –
no silêncio dos olhos, sós e incessantes construímos um penhasco, ponte de uma dor a outra.
Como todo ser vivo, hoje estamos cada um com seu vício.
É O NASCER DO DIA QUE RASGA O PEITO DOS AMANTES É o nascer do dia que rasga o peito dos amantes, como o verde que colore ois olhos, na mesma diagonal, o desenho de um milagre.
Plantar na terra pés com o coração e não ir mais embora agora que colocaste o mar no céu.
Enquanto na gargante brota-se a línguia dos antepassados navegadores meu olhar permanece no horizonte.
Publicado por Rubens Jardim em 27/11/2015 às 14h51
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