Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
24/07/2016 01h05
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (78ª POSTAGEM)

ADRIANA BRUNSTEIN (1970 ) poeta paulistana, é PhD em física, escritora, dramaturga e roteirista, com trabalhos em várias vertentes e meios da comunicação. Ganhou o prêmio de melhor roteirista nacional pelo roteiro da Graphic Novel Prontuário 666 – Os Anos de Cárcere de Zé do Caixão e foi contemplada no 13º Cultura Inglesa Festival pelo roteiro do curta-metragem Olhos de Fuligem.  Publicou o romance Estado Fundamental.

A gente envelhece

dormindo às dez

acordando às seis

ameaçando pernilongos em voz alta

antes de errar o tapa

A gente envelhece

medindo a circunferência do braço

evitando usar regatas

se cadastrando em site de receitas

e consultando horóscopos

A gente envelhece

dormindo de meias

falando pra manicure

no pé um rosinha básico

A gente envelhece

cantarolando a música

de Ao mestre com carinho

descobrindo na wikipedia

que o sidney poitier

ainda tá vivo

A gente envelhece

recusando convites

lembrando que piqueniques

eram chamados de convescotes

nos clássicos que não lemos

A gente envelhece

gerundiando

esperando uma oferta incrível

da garota do telemarketing

***********************************

Os primeiros planos

para saídas de emergência

traçados ainda

nas barrigas de nossas mães

falharam

E completamos

diariamente

40 anos

ou mais

em meio à multidão

que corre

sabe-se lá para onde

nos labirintos arquitetados

da estação

sem luz

********************************************************

A primeira vez que te vi

não teve a Teresa

de Manuel Bandeira

Eram minhas as pernas estúpidas

Eu andava em L

feito cavalo de xadrez

Eu tava com o dedão do pé inflamado

por conta de um alicate não esterilizado

Eu tava descalça

por conta do dedão inflamado

e do alicate não esterilizado

Eu pensava num roteiro

prum filme de ação iraniano

Eu carregava o cartão de um marceneiro

pra que ele derrubasse as certezas

que eu ninava na parte de cima do beliche

Eu quis te fazer uma carícia pela metade

e te receitar suplementos vitamínicos

aqueles cheios de abecedário

Pra que entre nossas palavras

cruzadas

os espaços fossem grandes demais

para fim

**************************************

Tenho o nome de outro cara

tatuado no cóccix

caso você queira saber

antes de tirar a minha roupa

que as coisas pra mim

mesmo as que não se apagam

não duram muito tempo

EUNICE BOREAL(1984) poeta paraibana, é cineasta e exerce o ofício de artista multimídia. Estuda música na EMAN, com habilitação em violino, e filosofia na UFPB, onde pesquisa estética filosófica. Em 2014 participou da coletiva “Vídeopoéticas” no Centro Cultural São Paulo. Também estuda grego clássico.

POEMA

O verso deita o oito

e o infinito se levanta

DIA-GNÓSTICO

Dessas relações líquidas

Da sociedade liquidada

A única coisa que me vive

Transborda.

Sou toda

Sentido.

E no que me lanço

Sei laço.

Naquilo que

É calculo

Me

Meço

Mas não

Comprimo.

Multiplico torpores

Que beiram abismos

E me absinto de razão.

Vivo sem limiares

Na fusão do que soul

E do que sonho.

A cada passo

Revisito os gritos

Das aves

(Vanguardas)

E vejo:

A elucubração

Que reinventa

A vida

Também Transcende

A Moderna-idade.

 

A POESIA FUGIU DO PAPEL

Saltou aos olhos em câmeras e bits

Criou formas com sprays e mármores

A poesia trocou a métrica

Pela coreografia

E ganhou as teclas sorvendo jornais

A poesia agora só canta em teatro

É a maestrina titular

Que de olhos atentos

Rege outras formas.

 

A poesia que já reinventou o poema

Agora só reinventa a vida.

NÃO ADIANTA IR AO MERCADO

não adianta ir ao mercado

hoje não teremos pão

tome logo o seu café e leve

o jornal, o casaco e a chave

do carro

leve logo tudo

isso

que não tem mais

volta

ontem foi 21

22 é a data de hoje

amanhã será 23

 

e isso

basta.

KARINE KELLY PEREIRA(1994) poeta paulista, é artista e pesquisadora do corpo em artes circenses, dança e poesia. É terapeuta corporal formada em massagem ancestral tailandesa pela International Training Massage School. Publicou o livro de poemas Anotações sobre o azul (2106).

INSÔNIA

Meu corpo não tem cor, idade, sexo ou pátria

restaram os pés ansiando pela dança

a mão trêmula que não cessa de escrever enquanto a poesia me berra por todos os poros e não deixa dormir

: eu obedeço.

VERBO TRANSITIVO DIRETO

Como dançam os cavalos
estendo o corpo à direita feito colar rasgo o dia
reunindo trêmulos espaços

eu estendo em vertical o meu braço
o cotovelo,
o antebraço,
o pulso e os dedos no ar
como quem busca e atira uma flecha.

XII

Caminho pelas ruas pedindo licença por ser mulher

Caminho pela casa da mãe pedindo licença por ser triste

Caminho entre os amigos pedindo licença por ser criança

Caminho entre os amores pedindo desculpa por ser simples

E no arrebol, quando o coração em claroescuro desdobra e acelera em trottoir

Coloco meu casaco ocre, busco

na noite

pés pra caminhar.

 

POEMA XVI

Para transitar de um corpo ao outro,

Bebi Pedro

Comi Pedro

Dentro e fora

Fora e dentro

Dentre verbos

Dentre versos

Tão im-próprios.

 

Inda assim,

Todo dia

Toda a pele

Me ardia,

Feito bruxa na fogueira.

 

TEREZA DU’ZAI (19  )poeta catarinense, natural de Itajaí, é também contista, cronista e professora de Língua Portuguesa e Literatura. Atualmente, a autora tem se dedicado à produção e à divulgação de sua obra literária. Seus poemas têm sido publicados em  revistas, blogs e jornais brasileiros.

VOLÚPIA

Todas nós, mulheres do mundo,

somos Virgens Marias,

parimos virgens e continuamos virgens;

todas nós, mulheres do mundo,

temos um José ausente, insuficiente;

todas nós, mulheres do mundo,

queremos um anjo Gabriel

que nos visite ao anoitecer,

todas nós, mulheres do mundo,

temos um amante invisível,

que nos acende,

nos santifica e nos penetra com seu fogo sagrado;

todas nós, mulheres do mundo,

somos o nosso próprio milagre,

o nosso próprio deus,

o nosso próprio diabo.

Todas nós, mulheres do mundo,

somos mães, irmãs e filhas de nós mesmas.

A MORTE E À MORTE

Ao nada,

minhas ilusões,

ao nada!

Só, eu rio e morro.

Rio de mim e dos outros,

do que fui e dos que se foram.

Vou-me e é justo que me vá assim,

com o corpo envolto em pedras,

e o peito cheio de dores ignoradas.

Não digam que cometi suicídio.

Não se envaideçam.

Não haverá de ser por suas perversidades.

Será por mim.

Egoisticamente por mim.

As pedras hão de me conduzir,

e é justo que assim seja;

afinal, apenas elas me venceram na arte de rolar.

Morro do mal da pouca vida,

Desta sina insana,

deste destino certo.

Envolvida em pedras,

para evitar despesas,

e dispensar protocolos vãos.

Lanço-me ao mar

também por vaidade.

antevendo a primeira mordida,

a disputa por cada lasca de pele,

por cada porção de víscera.

Lanço-me ao mar

a fim de me tornar útil na morte.

Perdoem-me os vermes da terra;

perdoe-me o proprietário da funerária Hees;

perdoe-me, Liz. Cancele as rosas amarelas,

mas os braços do coveiro serão poupados,

uma árvore será poupada,

velas brancas serão poupadas.

Nem rituais, nem hipocrisias.

Esta será a vez das piranhas.

 

REDENÇÃO

Morrer sem perdão, sem arrependimentos;

sem ódios, paixões ou pretensões;

morrer em qualquer idade, em qualquer cidade;

adormecer à beira de qualquer estrada,

indiferente ao desconforto e à violência,

confundindo lobos com cães de guarda,

insensível ao egoísmo e ao preconceito;

abraçar a paz num pesadelo,

descer ao mais profundo abismo

a fim de se encontrar.

FATAL

Eis meus mortos, acuados sob o mármore frio,

ocultos em suas cavernas púrpuras.

Inúteis.

Sem esperanças, sem milagres;

fulminados, aniquilados;

vestidos para a eternidade.

Vencidos.

Não mais o sol os aquecerá, não mais a chuva os banhará;

nenhuma honra os envaidecerá, nenhuma glória os ressuscitará.

Suas sentenças foram cumpridas.

O amor não os salvou.


Publicado por Rubens Jardim em 24/07/2016 às 01h05

Site do Escritor criado por Recanto das Letras