Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
06/03/2017 19h03
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (88ª POSTAGEM)

TERESA VIGNOLI(19  ) poeta carioca, já morou em Sampa, em Brasília, e agora está em Campinas. É psicoterapeuta desde 1980. Já foi professor  e coordena oficinas de escrita criativa em encontros de psicologia, educação e criatividade. Integrante da geração mimeógrafo, década de 70, participou de diversas antologias ,Pega Gente e Po rretas

a vida

espera,

silente.

 

a vida

pede        

semente.

 

novas flores,

novos tempos,

urgente

 

POÉTICO PÓRTICO

O silêncio

espreita.

 

Espera

o som

 

de nossa verdadeira voz.

 

ASAS

tanto quanto

a folha,

a terra sonha.

 

tanto quanto

o pássaro,

a formiga voa.

 

SEMEADURAS

Não querer

o brilho de fora,

 

colher o trigo de ouro

que nasce

em campos vindouros.

 

Pois seja o futuro

o agora,

no brilho que vem de dentro,

na luz que anuncia

o vento,

na voz que sussurra a aurora.

 

Seremos um dia

um só povo

a semear só alentos,

a respirar novos pólens,

a tocar em toda Terra.

 

Todo braço

um só abraço

a enfeitar-se com flores

pra colheita de ternuras.

NORMA DE SOUZA LOPES(1971) poeta mineira,  autora do livro de poemas Borda (Patuá, 2014) . É professora em Belo Horizonte, fez pós-graduação em educação comunitária e pós-graduação em mídias na educação. Para ela . “escrever é essa costura cotidiana quando posso tecer e juntar as pontas soltas da memória.” Escreve no blogue Norma Din:

SACODE

mantenha escondidos

os círculos marrons

(dos bicos dos mamilos)

a fenda funda

(das nádegas)

não queremos ofender a honra da família mineira

 

pura que pariu

ser livre

é mais uma besteira

que inventaram para te fazer sofrer

seja aceita minha nêga

seja a seita

fundada por machos

que acham que mulher descoberta

foi feita para se abusar

 

ou não

 

ou abra com os dedos

os lábios da buceta

da buceta

como homem que sacode o saco

quando quer xingar

 

OUTRA ESTAÇÃO

no guichê

em letras garrafais

lê-se

ESTAÇÃO DA POESIA PÓS-MODERNA

a moça atrás do vidro anuncia

está atrasada,

senhora

sem bilhete,

não pode embarcar

perco o trem

 

parada na plataforma

o corpo trepida

o som das rodas

atritadas nos trilhos

afasta-se

ecoa entre o olho

e o artelho

signos tremem

 

em casa

aves noturnas

palavras

não me deixam dormir

na sala

um tear

fios de insônia

bilros para bordar

nova condução

outra estação

para lugar nenhum

 

MAMÃE TRAZIA LIXO NA BOLSA

às quatro e meia ela chegava

era gari

se a casa não estivesse limpa

apanhávamos

 

trazia lixo na bolsa

comida revista livro

se achasse cigarros fumava

se achasse terço rezava

 

mamãe foi a primeira ambientalista que conheci

 

A OLHO NU

nem morta volto

atrás

sem óculos coloridos

 

aquele passado

do chão do banheiro

da área de serviço

era esquisito

 

a olho nu

não há beleza

em ler

ou comer lixo

POLLYANNA FURTADO (1981) poeta paranaense, vive no Amazonas, formou-se em letras e especializou-se em linguística pela UFAM. Fez mestrado e é professora. Publicou os livros de poemas: Fractais e à margem da luz(2007), ABC da Floresta Amazônica, em parceria com Thiago de Mello.

SUBLIME

A multiplicidade de imagens polissêmicas

e aliterações não preenchem o  vácuo

da insignificância retórica de toda falácia

que preenche os espaços dos jornais e

revistas

as inúmeras notícias contidas e

contaminadas

nas entranhas da opinião pública

toda signifícância impregnada

de sofisma deliberado

mastigados e impulsionados

pelas ondas dos satélites

e a fugacidade das informações

que não compete com as limitações

do cérebro biológico

e a seletividade da memória humana

das pessoas que vivem em zonas

urbanas e não sabem o que fazer

com a caótica concatenação de imagens

e sons dos meios de comunicação.

 

A PRAÇA

Distribuição de indigentes

ignorados pela intransigência.

Ignota discrepância

de uma singular civilização.

Desmedidos, censurados em larga instância,

de uma força dividida, em dissipação.

Expressão desenganada e corrompida,

de um povo desiludido pela ganância.

No ácido da ferida,

absorvidos pela ânsia.

Jaz um grito:

dissolvam-se os parâmetros,

recomponha-se o veredicto.

 

NA PELE

Escrevendo na pele

o gosto da paixão,

deixei derramar no meu ser

muitos dos teus anseios.

Mergulhaste fundo,

minha boca entreaberta,

um refluxo selvagem.

Olhos de fenda,

minha ardente ilusão.

Envolvido pela ternura,

desperta-me deste sonhoi

de estar longe de ti

iluminando as trevas

dentro e fora de mim.

 

É MEU

Do outro lado de mim,

eu estou olhando.

Num espelho cindido,

meu rosto é múltiplo e dividido.

Do meu lado, eu não vejo.

Quem me vê é o Outro

que eu escondo.

E no encontro com imagens difusas,

o Outro não pode enxergar,

os seus olhos são virtuais

e eu tenho a ilusão de ser observada.

Eu não me vejo de imediato.

Vejo o outro de mim que é cindido

e é fingido e desmorona

a cada dia.

Caiu um pedaço do eu

que é louco.

Peguei o inverso desta parte

e colei

e deixei que os outros pedaços

se juntassem sozinhos,

sem desprezo em remontar

as imagens do abismo.

 

ÁDYLA MACIEL (1994) - poeta brasiliense, é microcroempresaria, produtora cultural e autora de dois livros  Amin e os livros mágicos e Andar de passarinho. Também organizou a coletânea VOZ -poesia falada livro com a participação de 15 escritores de Brasília.

VENTO DE AGOSTO

A bruxa improvável que sou.

Voa na fé de mim mesma

Dirigindo numa vassoura

A 200 kilometros por hora

Se eu disser que vai chover

A chuva cai.

Se eu disse que vai nevar

Se prepare para congelar

Eu conheço bem o céu.

E as minhas turbulências

E antes de lutar com os inimigos

Me primavero inteira

Dou uma surra de pétalas

Em quem não tiver perfume.

Não sou anjo nem barata

E vou voar assim mesmo

Fora da asa.

 

REALIDADE

Já amanheceu, vejo o sol pelo buraco da fechadura

Mas não arrisco ver o dia de perto

Abro a janela, e amarro as cortinas

Meu quarto é o melhor lugar do mundo!

Lá fora pode não ser tão ruim

Mas o que eu vejo da janela do meu quarto

Não é um sol no horizonte

É um cenário ficcional

Um carro capotado no gramado do congresso nacional

Jovem e idoso assassinados  na Ceilandia

Crianças pedindo esmola por todas as bandas

O que eu vejo da janela do meu quarto?

óleos e poluentes vindo do Palácio do Planalto

carnaval, sujeira, futebol, samba

Bandidos fazendo famílias refém no Gama

Adolescentes dando rolezinhos

E mergulhando na falta de futuro

Sem foco, na estrada sem caminho

Os motivadores estão de greve

E ninguém quer lutar

Com medo de quebrar as pernas.

Cadê aqueles que acreditam nas pessoas da quebrada

Nas senhoras das favelas...

Sou uma criança de colo

O que pode me acontecer lá fora?

Em Sobradinho BR020 caminhão capota

Pessoas se afogam no viaduto da cidade

Já amanheceu e tenho medo de acordar

O que pode acontecer aqui dentro?

Abro a porta, amarro as cortinas

E com minhas luvas de boxe, entro na neblina.

 

ESP-HERANÇA

O que nos acende e o que nos apaga

São os nossos desejos e ideologias

Ninguém está preparado pra nascer

 

Ninguém conhece o real segredo

Do mistério indecifrável de nossa existência.

Existe uma lei natural e inatingível

 

Mas se nesse momento você tiver audição

Pare e ouça o assovio do vento

É o cosmo paquerando sua vibração

 

Pega aquela concha antiga

Pega aquela concha e põe perto do ouvido

E Escuta o barulho do mar

 

O barulho do mar não é um barulho

É um código, um dialeto.

Como as cordas vocais dos elefantes

 

Comunique-se com o sol, com o vento

Dance com as árvores

Seja o que você quiser !

 

E quando sua carne apodrecer e desaparecer

Feito um gambá atropelado na estrada

Entregue sua caixinha de segredos para a humanidade

 

Lições, um punhado de amor, um legado de poesia e paz

Quando morreres não se esqueça de ser eterno

Eternize suas ideias influencie gerações

 

Como Drummond e Dumont voe em sua própria criação

Comunique-se com as ondas,

porque até a morte tem algo a nos dizer.

 

CHUVA DE RATOS

Não sei se sobreviverei a essa chuva de ratos.

Hoje levantei um guarda roupa com as mãos.

Mudei meu sofá de lugar.

Ontem a noite caí do beliche.

Depois acordei na minha cama de casal vazia.

Não sei se sobreviverei a essa chuva de ratos!

Minha crise existencial é de uma delicadeza que dá nojo.

E ninguém quer saber de delicadezas.

E eu não gosto de palavras amontoados no lixo.

Gosto de selecioná-las dentro de mim.

Como quem cata os melhores feijões.

Seleciono as melhores maçãs no pomar.

E de tanto andar...

Meus pés estão cremosos e sinto que pisei na lama.

Não posso entrar no palácio com os pés sujos.

E no laboratório da vida, me deparei com ratos de todas as espécies.

Ratazanas e camundongos caindo do céu.

E no escuro eu procuro o veneno para jogar no ninho das pragas.

Como se fosse um pingo de água, senti o primeiro animal cair no meu rosto.

E não sei como reagir ao chuvisco que já vem.

Tenho mais que uma pedra no caminho.

Perdi a chave de casa e tenho que enfrentar a chuva de ratos.

Estou no relento.

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 06/03/2017 às 19h03

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