Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
18/07/2017 23h38
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (95ª POSTAGEM)

FERNANDA CRUZ FILHA (1967) poeta goiana, é psicóloga, mestranda em Performances Culturais pela Universidade Federal de Goiås. Publicou os livros de poesia: Regatos do Instante (2007 )e O ar mais próximo, (2012). Antes de enveredar pelos caminhos da poesia, atuou em artes cênicas e também como cantora de mpb e música edudita.

ELO

                     (a Carlos Rodrigues Brandão)

abraço o que passa e perpassa os teus ais
enquanto o que anda lentamente, solta
e desce em linhas rubras e horizontais

de uma terra amada a que sempre volta

o que nos olhos sempre espera o claro
o azul, o transparente, o amarelo
irreversível em largos gestos declaro
o tempo inverossímil, silencioso, elo

poderia antever da madrugada, a aurora
e o que nasce com o feito da tua mão

na hora egressa, caminhos afora

lugar que se transmuda tão de leve
"de dentro das pedras, do fundo do chão"*
e quase salva a existência de ser breve

A SE DAR

o silêncio aberto e minhas mãos percorrem
a aparente distância que há nos lugares
a água nesses rios que sempre correm
é a mesma, é a chuva a se dar nos ares

no tempo tudo vai e vem a unir
aproximam-me terra e céu, noite e dia
os enredos lá se vão ao que há de vir
que a memória há de ver-se no que via

a aparência nas coisas não revela
o fulgor do instante que não se acaba
a luz de uma página que amarela

entre a flor e a raiz há um leve traço
de silêncio, na seiva que há tanto se dava
e de tanto se dar há de ser o espaço

ESTÁTUA

sublime linguagem da estátua muda
vê tantos olhos e é tão único alvo
segue a tarde a sua mão imóvel
de todos os olhares se viu a salvo

a noite encoberta, as chuvas, o vento
e nada é desfeito em seu rosto branco
as eras, o gesto, o contentamento
perdura e dissolve o riso, o pranto

teu corpo, meu corpo sem movimento
meu passo, só em um dos lugares
teus olhos, meus olhos fitando vento

em um gesto único e definitivo
me grito aos rumos e aos ares
de súbito, saberei se estou vivo

ALGUNS SILÊNCIOS

Alguns silêncios
alargam o olhar

com que nos acostumamos
a pensar
o que vemos

O território
não se demarca
na frequência
das fronteiras

Um cenário
de coisas
humanas 
no horizonte
alargadas
acordei

Uma confissão minha
quase assustada
reconheço
dita em um tempo
outono
da vida

Sigo vivendo
o que antes era pouco
e agora creio
o sem-fim 

Um momento surge
sugere entre fluxos
a diferença inerente
dos tempos
no mesmo verbo

A construção contínua
a reticência no olhar
no ar das folhas
nas areias
na eira dos rumos


reinventar
e estender
entardecer nos olhos
espaços no abraço
o diálogo nas minhas
perguntas
a resposta das mãos
tão cheias de vazios
sãos...

pássaros
meus colegas de ofício
cantam na noite os limos

dos livros
a palavra dos mortos, dos vivos
muito antes, impregnadas ao ar
vivem pelos cantos
a altura
o inaugurar

 

Uma imagem fecunda
dá seus ventos de paisagem
à tudo o que passa
ao centro
à margem
reitera 
o movimento da fala
o impensado do gesto
o inesperado
em um ponto ou lado
sentido

linhas, palavras, lavras
das perguntas
convido
calo e entoo
no espaço
inteiro

inteira
estendo
entendo
o que murmura
a era 
demora
a dizer
alguma coisa
emudecida 

simples
ser

uma vida

e quem dera

no que a tempos

se diz

primavera

ADRIANA GODOY(19   ) poeta mineira, é formada em letras pela UFMG e trabalha como professora e revisora. Desde pequena escreve, mas foi a era dos blogs que tornou seus textos mais conhecidos. Colabora com alguns blogs e revistas literárias e alguns de seus poemas foram publicados no livro ‘Maria Clara: universos femininos’. Em 2015 publicou o seu primeiro livro solo: Mil noites e um abismo

não te amei logo de cara

levou exatamente quarenta e sete dias e uma noite

foi quando vi que seus olhos choraram

quando te contei sobre as noites de chuva

em uma casa velha que eu morava

foi quando te falei de um poema

sobre a solidão das pessoas nas noites de um bar

e você mordeu levemente os lábios

e me pediu mais uma dose de uísque

levou exatamente quarenta sete dias e uma noite

para eu ver que você era a pessoa que eu queria ao meu lado

quando chovesse ou quando o dia fosse claro

e te vejo agora como te vi aquela noite

e no rádio toca uma música

e você me chama pra ouvir

e talvez vamos dançar juntos mais uma vez

VOU TE DAR MEU ÚLTIMO VERÃO

vou te dar meu último verão

todo o outono amarelo

e quando me alcançar

vai ver que sou o mais puro inverno

não dos trópicos

mas dos lugares mais frios da terra

terras da sibéria

não adianta me dizer para abrir as janelas

o sol me é estrangeiro

tenho em mim geleiras ancestrais

meu coração não bate

vacila descompassado

selvas do universo me rondam

e mesmo assim você vai me recriar

e  me amar com tudo que sou

porque você

precisa de uma criatura só sua

mesmo inventada

mesmo com essas sombras geladas

CONSTATAÇÕES

tá bom, você me disse que eu precisava sair de casa, respirar outros ares, ficar com outras pessoas.

mas não tô conseguindo, entende?

gosto de ficar aqui com meus gatos, minha música, meus filmes.

ontem até vi pânico na floresta 5.

porra, todo mundo morre de maneira mais cruel e no final  só os bandidos escapam e felizes.

aí você me pergunta: por que eu vejo filmes como esse tipo c? eu que gosto de filmes de arte e afins?

talvez algum tipo de superação ou punição subliminar, será? de noite até sonhei com algumas cenas.

gosto de fumar sem ter ninguém me enchendo o saco.

gosto de pendurar a roupa no varal e depois ficar olhando as cores perfumadas ventando na área.

gosto de poder ouvir as músicas que me fazem viajar pra qualquer lugar de mim ou do mundo.

gosto de não atender o telefone.

gosto de não ter horário pra comer.

gosto de não ir ao médico.

gosto de ler poemas fodas e textos fodas e descobrir uma porrada de coisas que mexem com a alma.

e passear pelo facebook mas nem sempre.

gosto de andar com roupa velha e rasgada.

gosto de voltar pra casa sempre.

gosto de tomar café olhando a tarde.

aí você me disse que era depressão mas não tô triste.

até danço e canto e brinco no sol com os gatos.

vejo amigos e gosto de ficar com eles e saber que estão por perto.

gosto de me desesperar pelo meu time e gritar quando ele ganha.

gosto de tomar uns porres e só falar merda.

gosto de beijar na boca e namorar de vez em quando.

e cozinhar quando tenho vontade.

gosto do frio e de dias cinzentos.

gosto de ficar com o pessoal lá de casa e muito.

gosto de saber que meus filhos estão bem.

mas não consigo lidar com a desumanidade nunca.

 

gosto de saber que ainda posso fazer o que gosto.

FERIDAS CUSTAM A SECAR

tenho em mim o resto de meus dias

e não sei de que são feitos

sei que horas são quando me chamam pra almoçar

ou qualquer outra besteira cotidiana

a não ser quando incendeia a lua

me importo menos com as coisas que me atormentavam tanto

e desisto de pular a janela

vou acumulando sorrisos e caretas

feridas custam a secar

lobos passam silenciosos e com medo

percebo só as suas sombras

e isso me basta

um drink, amor?

para celebrar o vazio

o que importa

se os degraus são altos e não posso alcançá-los?

enojam-me as tragédias humanas

e sou uma delas

PÂMELA FILIPINI(1994) poeta nascida na cidade de Rolim de Moura , em Rondônia, começou a escrever na infância. Tem formação universitária em Pedagogia, e atualmente dedica-se exclusivamente à escrita. Cultiva solidão e se planta ao silêncio para sobreviver. Escreve. E nas horas vagas, existe.,O lançamento de seu primeiro livro, Folhas dos Ossos ou o tratado das coisas insignificantes será dia 26 de Agosto, no Patuscada.

Haverá um dia que

serei apenas letra

 

e no meu epitáfio

será gravado

[…]

“ela, de tanto ser nada,

tornou-se palavra.”

..........................................................................................................

Nalgum momento da

vida é preciso

 

desmoronar

 

[todo início já foi um entulho]

[…]

Recriar-se é uma

contínua

 

desconstrução

de escombros.

SOLIDÃO RASA

Solidão rasa, aquela que tece

vazios incuráveis

 

[na artéria do tempo]

 

Que não perfura o átomo do mundo

e não pode plantar o afeto

 

no cerne do escombro

 

Que não corrompe os moldes, que

não peca amando o amor como o

 

amor que ama o ferido

 

Que coagula as coisas de dentro

com a mesma rapidez que esconde

 

o olho na pálpebra

 

[que não é semente]

[…]

A semente só aponta à vida quando

afogada pela terra.

...................................................................................................

Sou uma metáfora no mundo.

 

[quero ser real]

 

Uma canção cantada pelas

 

folhas que caem das árvores.

 

A celebração da fruta que

 

amadurece.

POEMA PARA QUEM NÃO CONSEGUE CESSAR DE SI MESMO

Não é conhecer alguém,

principiá-lo em seus silêncios

se apaixonar por alguém,

aprender a amar alguém

 

Não é viver com alguém,

chorar nos ombros de alguém

ter a mão de alguém esquentando a sua

 

Não é sorrir para alguém

dar uma flor para alguém

ou plantar um jardim inteiro para alguém

 

Não é sangrar sua alma para alguém

dar a alguém todos os seus poemas

ou em alguém abraçar todos os abraços

 

Não é brigar com alguém

sair da vida de alguém

e iniciar um novo amanhecer com alguém

[…]

É nunca ter alguém

nunca conseguir esquentar a mão de alguém

por ter o passo costurado ao chão

por não suportar estancar o sangramanto da própria alma

 

É nunca conseguir sorrir

porque a boca tem medo do desabrochar

porque tudo o que floresce recebe novos

olhares

 

É querer ler todos os poemas que escreveu

para alguém

mas não conseguir abrir a porta do quarto.

 

É nunca conseguir cessar de si mesmo.

NATASHA FELIX(1996) poeta santista, está vivendo em São Paulo e cursa letras na USP. Publicou o zine anemonímia (2016) e tem poemas por algumas revistas digitais e físicas. Os textos podem ser encontrados na Mallarmargens, Medium, Nó de 8, Garupa, Raimundo e soltos em sua página pessoal do Facebook.

 

com a cabeça pousada

nas pernas da avó

 a saia de brocado

pinica a orelha

esquerda.

 

cantarola salmos e vai à caça

distraída.

 

o pente-fino é azul.

as varizes na panturrilha dela também.

os dias e a toalha de mesa.

o pente-fino

 atravessa meus cabelos de diaba

as crianças dizem diaba

eu nunca digo.

um pouco amansados

(não o suficiente)

com álcool e cravos

nada

enquanto a avó ajeita os óculos,

procura bichos em mim.

 

a mesma que estoura as lêndeas

as unhas imensas.

como se vingasse

suspeito

o que não caberia na casa.

CARTA ABERTA AOS HOMENS DE PASSAGEM

você com certeza vai

você com certeza vai lembrar de mim

quando topar com a salamandra azul

no orquidário vai com certeza

você vai com certeza

lembrar de mim.

do anel que foi parar no ralo

cheio de cabelo e porra,

você vai lembrar

dos filhos que não fez em mim

eu te disse

era sério quando

o elevador quebrou no oitavo andar eu te disse

aquele era o nosso momento de glória

eu te disse

pra botar no formol e você não entendeu

na hora mas acho que agora olhando a

salamandra azul vai sacar

eu chego sabendo que vou embora.

você vai lembrar

a gente

com vinte anos sem vergonha na cara

nem pra comprar um cortador de unha

imediatista

eu arrancava os excessos com os dentes.

tinha dez reais pra catuaba e um baseado no bolso

eu arrancava os excessos com os dentes.

você vai lembrar disso

de hoje pra trinta anos isso vai ser uma lenda

você vai lembrar de mim

com certeza vai

encostar a testa no box no segundo banho

do dia

enquanto tua mulher tira os

pentelhos da virilha e lê sobre o golpe na turquia

e eu vou estar

em qualquer lugar longe da casa

que nunca tivemos.

CRAQUELADA

tenho habitado muitos riscos.

o baiacu inchado na garganta insiste em

me competir o ar. como trepar em montevidéu

e acordar no jaguaré: genealogia do deslocamento -

me abstenho de maiores explicações. 

li piva como quem toma chá de camomila com canela

assim descobri que o erro é um bacanal lotado de ex

marido. não dá pra ler piva antes do dejejum de uma

segunda-feira do mesmo jeito que não dá pra esperar

o baiacu sair da garganta por vontade divina. tenho

ficado muito quieta &

no silêncio a evidência me expõe:

a memória das sereias do tejo, essa eu invejo; das

prostitutas da Mongólia tenho os mesmos dentes

vermelhos. não sei onde guardei as fotos da

ultima ida ao mercadão de são paulo. onde deixei

o molho de chave, onde foi parar aquele gozo na páscoa de 98,

o jornal pra embalar os cacos de vidro, não sei onde. o

baiacu espinha minha glote, me impede a distância.

mesmo assim eu e o que restou das minhas

lembranças tombadas – nebulosas e uruguaias

como você –

no ringue,

lutando contra o peixe, eu.

FACTUAL

foi certeiro o tiro foi rigidamente correto

bem no meio do olho do fuzuê

no metrô da sé seis e meia

peritos rearranjam a cena

toda a peripécia dá pinta

de que foi marido corno

atrás do próprio espelho,

velha leonora diz isso mas

tem aqueles casos

de objeto não identificado na pista sabe

não basta adiantar a vontade

de deus ainda atrapalha a vida

dozoutro não sei não sei pode

ser bala perdida mas foi tão certo

o tiro foi tão dentro da expectativa

não sei não sei pode ser só

impressão minha ou esse

giz de marcação lupa autópsia

esse cálculo todo com fita métrica e tudo

do espaço entre o ato e o desfecho essas

suposições o desconforto tudo muito

contraído não sei não sei pode ser

que esse tiro certeiro seja

como o nosso encontro:

nem aconteceu ainda.

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 18/07/2017 às 23h38

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