Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
02/10/2017 20h14
AS MULHERES POETAS...99ª POSTAGEM

MALU VERDI (  ) poeta gaúcha, é formada em letras, mestre em literatura brasileira e doutora em teoria literária pela Universidade de Brasília. Possui muitos textos musicados por autores italianos, seja de música experimental, seja erudita. Publicou Personagem possível (1984), Matéria sem nome (1987), Falas (1988) e Este fruto outro/Questo frutto altro (ltália, 1994). “O caractere do sono – entre Oriente e Ocidente” e “Coito com o real”.

 

MISTÉRIOS

                         (para Marcus, seu sorriso eventual)

Arrumar malas mais uma vez

arrumar, sentir o canto, o arrulhar

o novo rumo de objetos sós

precários, movidos de um lado para outro

repartidos, classificados, ensacados

coisas que buscam seu lugar

buscam como se seres fossem

pensantes:

- caber num espaço exíguo, a repartição dos pães

ao contrário

(todo o vivido em algum tempo, lugar

 na verdade, tempos multiplicados

 lugares exponenciais)

tudo

que se retorce, aperta, ensaca

para caber

numa mala

 

GOTA

Folha de forma perfeita

cai

De um verde verde

não se retrai

(é puro abandono)

vem ao chão

sem ser este o tempo

da queda

(a estação não é o outono)

Uma  gota verde bordada

geometricamente

com amarelos veios

( teia )

A folha se abre em linhas

letras finas  desenham

o território da folha

escasso e aberto

(veredas esboçadas)

Aranha-folha

Artista

traça bifurcações repetidas

(destinos)

Tudo cabe no espaço da folha

 caída

 

pousada na perna

 

MAS HÁ O SOL, HÁ A LUA

Aqui escuta aqui observa

aqui aguarda

Erma desarmada

escuta os  cantos

os incontáveis pássaros

Nem sei o que observa

ela, serva do nada,

olhar frouxo a anotar o dia

as águas que correm

e  as que em minhas costas

escorrem, morrem

Corro do que me arma

do que não me ama,

diz,

desarmada de tudo

o flanco ensangüentado

a anca de égua parada

inobservada

galopando na noite

Observa o ser

o seu, o de cada um

e  cala

Mas há o sol, há a lua,

digo,

e essa certeza pode bastar

Aguarda, escuta, observa

percebe a  cada dia uma diferença

 

na luz

 

REVISITANDO

a mesma luz o mesmo ângulo

a igualdade

da desigualdade

 

TATIANA PEQUENO (1979 ) poeta carioca, é doutora em Letras Vernáculas (Literaturas Portuguesa e Africanas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com tese sobre Maria Gabriela Llansol. Professora Adjunta de Literaturas Portuguesa e Africanas da Universidade Federal Fluminense (UFF). Publicou os livros de poemas:, Réplica das Urtigas(2009) e Aceno(2014).

1)

A urna avermelhada que trago

por dentro da costura deixa

aberta a poça que me sai do

baixo e o ventre é de onde

partem os naufrágios quando

mudas as viagens trazem o mar

e finados são os filhos as luas

todas as mulheres são cruzes

punhos vapor e sentinelas

acordam várias lâminas de

passagem sobre o chão e a

pedra – fêmeas criam estirpes

de fria couraça e também

preparam a dura e lenta sorte

dos que perdem o medo e a

parte sedada de si. nas urnas

não adoecem mais as aves

lançam elas o corpo trançado

das labaredas. queimam os

obituários e as lapelas tidas

como cimento para o amor

e para os nomes.

2)

zona norte

não era adeus era

uma forma mais bruta

de se cansar da vida

não era perder porque

perdido muito já se sentia

tampouco era verão no

que seguia o curso de uma

avenida

éramos só nós duas selando

um arremesso como se eu só

pedisse clemência e abrisse

o sinal para outra curva.

não foi distância. foi um

corpo abaixo da sombra,

entre o suor temperado de

carne e a direção que não

pude indicar ao motorista

quando tomei aquele táxi

e te deixei ali para que

voasses para o retorno em que

exatamente te perdi.

3)

tantas vezes fui à igreja matriz

para pedir dinheiro, vagas e depois

a tua ida. na escadaria da penha

os degraus são calçados pelo peso

de quem carrega velas, dores e fitas

e nessa sorte sempre te levei comigo.

foram anos de longo subir. não sei

como se volta ao cimo duma pedra

depois que se sai da espera. lembro

apenas do nascimento de uma montanha

dessa imagem de paciência e calor no

seu núcleo.

os pés dos peregrinos são um retrato

exato do que pedem: sobre ti nunca

ultrapassei a nave dos mortos. e o

que inventei mesmo foi uma passagem

sem guia. algo como o que o orixás

e os santos levam nas mãos: um espelho

uma adaga uma rosa

por vezes uma chave sem rituais

ou aquilo que atravessa o corpo

depois da lança.

 

as fotografias de meses atrás acovardam

uma lápide sobre nós.

e na volta estavam lá

os calçados azuis

ao lado da cama

como se você estivesse sempre

para chegar.

4)

quem me tomou a casa sabia da

lamparina de fogo no seu centro

e desconfiava que dos utensílios

fossem traçadas quimeras de sabre.

quem me tomou a casa deixou apenas

a desconfiança das magas antes da

partida das ovelhas outra vez

em guarda para quebrar o sinal

dos cofres que ornei com folhas.

quem me tomou a casa encontrou

os dentes entre a carne e forjou

na hematose a janela sem vista

a jaula com fera descolorida.

quem me tomou a casa violou o

amor sobre as mesas porque me

trouxe um veneno para as orquídeas.

que me tomou a casa levou o seu

tamanho dividido entre caixas e

rasgou o meu membro pelos dias.

e como há tanto de pele nestas paredes

onde minha casa não está que não deixo

mais móveis, resguardos ou queixas.

quem me tomou a casa foi ao encontro

dos muros. lá condicionou-se ao

concreto.

CRIS DE SOUZA (19  ) poeta capixaba, estudou na Universidade Federal do Espírito Santo e vive em Vila Velha. Lançou este ano, em março, seu primeiro livro de poemas: Na Frente da Loucomotiva.

ELÉTRICA

Estou meio

Louca

 

Estou meio

Emotiva

 

Estou toda

Loucomotiva

 

PRETEXTO

Basta uma lua

E vira uivo

O verso

 

Basta um vinho

E vira verso

A uva

 

Basta um verso

E vira vasto

O resto

 

PRESCRIÇÃO

Não consegui

Livrar-me

Dos internos

Sintomas

 

Segui

Inflamando

Os devidos

Idiomas

 

De noite

Entre bulas

E bocas

 

Salvou-me

Um poema

Em coma

 

EM ÓRBITA

O poeta

Gira

 

Em torno

Da pauta

 

Feito

Espaçonauta

 

SIMBÓLICO

bilhete

para um sonho:

a sombra

só pode ser

sonâmbula

YASMIN NIGRI(1990) poeta carioca, crítica de arte, bacharel em filosofia pela UFF, onde atualmente cursa o mestrado na linha de estética e filosofia da arte. Trabalha com mediação educativa, artes visuais, oficinas de criação poética e performance. Escreve muito, lê mais ainda e é obcecada por documentários de arte. Além disso, é colaboradora da revista caliban e co-fundadora e integrante da disk musa.

CID 10 - S91.3

Em delírio fui copo

À espera do teu juízo

Fui esquecida

Largada no quarto

Durante sua festa

Virei cinzeiro

Estive imóvel e atenta

À espera do seu chute

Cortei seu pé

Fiz sangrar

Causei toda sorte de infortúnios

Da dor

Ao tétano

Nem cruzes ou credos puderam dar cabo

Até seu pé ser amputado

 

MANUAIS

A gente sabe que está vencendo no capitalismo

Quando nos procuram pra falar só de trabalho

 

Você me diria ah,

mas qual a necessidade disso

tudo que fazemos vira poesia, tem eco

 

Ao passo que eu ué,

você fez uma panela enorme de lentilhas essa semana

qual a necessidade de toda essa lentilha?

 

Essa desistência é provisória

Tudo será superado

Domingos transgênicos tabagismo danças húngaras

 

Talvez seja mesmo de aceitar

Que a toda hora há alguém traduzindo

— mal traduzido

Uma obra do Nietzsche

 

UM POEMA PARA OS ROLLING STONES

Quatro anos de graduação

Dois anos de mestrado

Seis anos de alemão

E quando vejo essa porta vermelha

Ainda quero pintá-la de preto

 

Não tenho mais paciência para amar

Talvez devesse praticar o zen budismo em Copacabana

Custa vinte reais a sessão de zen budismo em Copacabana

Eu não poderia praticar o zen budismo em Copacabana sendo mesquinha

Deixa pra lá começa sete da manhã o zen budismo em Copacabana

Não é que eu seja mesquinha é que eu não tenho pra dar mesmo

Tudo é uma questão de logística

 

Ando refletindo sobre estreitar relações com minha espiritualidade e

Fora da faixa de pedestres um carro em alta velocidade quase me atropela

—Tá maluca, quer morrer?

—Talvez eu queira sim, seu idiota!

 

Às vezes perguntas tolas me vêm à cabeça

Como assim você é fã dos Beatles

E atravessa fora da faixa

 

Às vezes pensamentos malignos me vêm à cabeça

Sabe o que cairia bem agora

Você de um prédio

 

MWAUHAUHAU

Eu queria evitar a fadiga e não pensar em você

Respeitar seu desejo de não poetizar mais você

Porque aqui você sai efetivamente diferente de quem você intenciona ser

A minha vingança é que todos os poemas de amor que te escrevi são ruins

Inclusive esse

E minha vontade é reunir todos eles e publicar com o título

Minha vingança será nunca te escrever um poema bom

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 02/10/2017 às 20h14

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