Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
15/11/2017 18h48
AS MULHERES POETAS...(101ª postagem)

ROSÁLIA MILSZJATN poeta carioca, é  médica e psicanalista. Publicou cinco livros de poesias. O último, Esse Recorte(Patuá, 2014), conquistou o Prêmio Literário Nacional do Pen Clube do Brasil de 2016. Em 1999 venceu o Prêmio SESC de Poesia do Estado do Rio de Janeiro. Além de Antologias, seus poemas foram publicados em jornais e revistas como Poesia Sempre, Revista Agulha, Jalons (Nantes, França),  revista CULT e outras.

COMO DIZER

Como dizer que é noite

se dentro de mim é dia

como dizer do frio

se dentro de mim é fogo

como dizer não sei

se dentro de mim eu sei

como dizer de ti

 

se dentro de mim sou eu

 

A PROVA

Não fale tanto
Com o tempo
O eco reverbera
E fica insuportável

Cale-se enquanto
É tempo e por dentro
Teça um instrumento
Para a composição da melodia

A melodia quando pronta
Alcança os justos e inocentes
E saberás quem anda ao teu lado

 

QUANDO A NATUREZA FAZ AMOR

A flor estremece
De gozo
Com o beijo
Do beija-flor

O vento levanta
Eufórico as águas
Que arrepiam
Em finas vagas

O mar molha
Salga
A encosta
Com sua língua

A lua cintila
Com a faixa de sêmen
Que o mar
Ejacula

O sol se excita
Em rijos raios
Que penetram
Úmidas matas

A floresta
Cheira a sexo
Do orvalho
Da manhã

No orgasmo das nuvens
A chuva chora
E o silêncio dorme
A terra

Quando a natureza faz amor

 

MYRIAN ASFORA (19  ) poeta pernambucana, é advogada com mestrado em direito e  professora universitária. Atualmente exerce funções como assessora da presidência do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira. Tem dois livros de poemas publicados : O Tempo das Canções de Amor e Canções do Amor sem tempo.

DO PÁSSARO E DA ROSA

Nem o pássaro

testemunhou

o sonho da rosa

despedaçado em cor,

pelo crepúsculo

******************************

A porta velha

da casa antiga,

dentro da noite

perscruta o tempo.

Impassível ao vento,

desafia tudo

menos a tristeza

de não ser mais

caminho.

 

**********************

Pense um pouco em ti mesmo

Um pouco, apenas,

Verás, então

Que lembras um vôo

Na fragilidade do equilíbrio.

**********************

Nem o vento

trilhando o seu

caminho

deteve o vôo

do pássaro

sedento de infinito.

 

TATIANA ALVES (19  ) poeta carioca, contista e ensaísta. Participou de diversos concursos literários, tendo obtido vários prêmios. É colaboradora da Revista Samizdat e do site Escritoras Suicidas, já tendo escrito para os sites Anjos de Prata, Cronópios e Germina Literatura. É filiada à APPERJ, à Academia Cachoeirense de Letras e à AEILIJ. Possui quinze livros publicados. É Doutora em Letras e leciona Língua Portuguesa e Literatura no CEFET / RJ.

ERA UMA VEZ

E no final descobriu-se que o príncipe era um sapo

Coacha e resmunga durante o dia

Ronca feito porco à noite

E a princesa, coitada,

Rola na cama pensando na sua vida de conto de fadas

Pobre princesa!

Tivesse sabido antes,

E teria ficado com o dragão...

 

HARPOESIA

Minha língua viva e sedenta

Saliva

Maldita

E roça em profanas palavras

 

Minhas mãos suadas e errantes

Tateiam

Malditas

E tocam profanas palavras

 

Por entre línguas e mãos

Toma forma a poesia

Sádica

Lúdica

Lúbrica

 

No prazer do trava-língua

No ardor de uma mão-boba

A poesia se toca

Harpoesia

 

MARIA GIULIA PINHEIRO (19  ) é autora do livro Da Poeta ao Inevitável (Ed. Patuá/13) e dramaturga dos espetáculos “Mais um Hamlet”, “Alteridade” e “Bruta Flor do Querer”, em que também assina a direção. É membro-fundadora do grupo teatral Companhia e Fúria, em que atua, dirige e escreve.

TRILHA

A calma dele

versus

a minha obsessão.

 

A cama dele,

versos

da minha sala.

 

A mania dele de consumir o amor

como comida do natal que ainda passeia na geladeira em março

contra

consumado

o meu desejo de chupar paixão feito miojo,

sem nem louça pro dia seguinte.

 

Ele é noir,

eu sou Klimt.

 

Um dia a gente se encontra

num meio fio da vida, na Vila.

Ele de havaianas,

eu de alto coque.

 

Ele diz qualquer coisa sobre escolhas,

eu faço um roque,

e, devagarinho, o crédito sobe.

 

FIM DE NOITE

Doze discos,
um jantar,
a lua
e uma carona pra casa.

Doze discos são aquilo que não vivemos:
aposta perdida antes do fim:
faixas de experiências nunca compartilhadas.

O jantar,
a prova de que o acaso
é que faz golpes baixos:
me deixa
apresentar a você um universo,
me convida a
frequentar o seu
e nos força a pagar a conta
sem que saboreássemos
o ritual completo.

A lua, o que
contemplamos sem tocar:
a beleza
deste encontro.

A carona, sua parte nesta noite:
me deixar em casa
e nunca mais me buscar.

PASSAGEM

Tão bonito o ressuscitar.

É que a morte,
como vejo,
não é objetivo,
fim,
nada.


A morte é a virada de vida,
paixão,
começo preenchido,
novo zero.


A morte é um nascer de outro lado.


Tão bonito o ressuscitar:
nascer do mesmo lado,
depois de ter morrido,
é entender que não é o lado
que define a vida,
mas o modo de ser
vivo.


Tão bonito ressuscitar quando é preciso morrer.

THAÍS BRAVO(19   ) poeta carioca, é escritora e tradutora. Autora do livro digital Todos os meus (ex) heróis são machistas, é uma das criadoras e editoras da Mulheres que Escrevem. Co-fundadora da revista Capitolina, desde 2014, escreve para veículos como a revista Ovelha e a Alpaca Press.

 

o motorista me responde que sim

é direto

é uma satisfação

poupar alguns minutos

em trânsito

tenho um pé na escada e outro no chão

na hora que pego o impulso

reparo

a Central molhada

sem proteção

nesse instante desejo:

ser amada aqui

nesse lugar

nessa língua

pela vibração em que respondo

obrigada

e saco meu Bilhete Único

uma sério de gestos

que domino

sem hesitar

tento te ver

nesse contexto

desarmado

o amor talvez seja

sempre quebrar

os hábitos

no entanto sustentam

um rumo disponível

às vezes a repetição

não é

monotonia

não é

falta

pode ser

um guia

pode ser

desenhar um mapa

com a carne

dos dedos

toco as teclas

sem enxergar

suas letras formo

palavra

passos

de dança

memória

física

a história

é um sopro encarnado

entre as paredes e línguas e peles

ser amada aqui

em uma cidade que exige

que sua

que avacalha

que muda

as linhas

a cada 3 meses

e sufoca a rotina

e gargalha da estabilidade

quando subo no 315 Central – Recreio é uma vitória

porque sabe-se lá até quando

sabe-se lá quantas novas linhas

a extinguir narrativas

então quando subo no 315 Central – Recreio

enxergo que grande parte do meu ser não é

feito de sublimações e essencias

grande parte do meu ser se faz

entre essas linhas

que traço e apago diariamente

pela cidade

Alvorada – Del Castilho – Cinelândia

Rua da lapa – Cinelândia – Central – Recreio

grande parte do meu ser é

deslocamento

automático

como meus dedos

a dançar palavras

sobre as teclas

quase porque às vezes faísca

espera trânsito barracos

e desencontros

hoje no 614 Alvorada – Del Castilho

vi um rapaz confuso e o motorista indisposto

vi uma garota se aproximar talvez oferecendo ajuda

eles conversam claramente ele não é daqui

ela parece mais certa

do que faz imagino se

pela ajuda vão iniciar um contato trocar contato marcar uma cerveja começar algo

então entendo que na verdade já existe são algo

um casal nesses tempos nunca se sabe o termo certo mas são

algo ela só foi ajudar depois de um tempo porque está magoada

com algo depois dos minutos em que se explicam

passam o resto da viagem em silêncio

um ao lado do outro

pelo silêncio compartilhado vejo que são

algo

na hora de descer a fila se forma com antecedência

ele se aproxima muito com indiferença

ela permite

ela desce em passos rápidos ela sabe

pra onde ir

ele segue afobado

caso a perca não sabe

para onde seguir em Del Castilho

eles ficam na fila para comprar um bilhete

eu sigo em passos de quem sabe o caminho mais do que gostaria

 

então quando subi com certeza no 315 –EXPRESSO

a repetição do impulso

sem hesitar

o amor é sempre

quebrar hábitos

se fazer estrangeira

em terras sem raiz

é atalho

no mais íntimo

dos movimentos

guardados de cor

entre a língua a pele e as paredes

desejo

laço que faz

dos pontos

de passagem

escolha

.............................................................................................................

eu lembro de esbarrar com você

quando brigava com outro garoto

que acabou se tornando meu amigo

próximo ou não tanto

(por que quem tem amigos próximos aos 25 anos?)

ali era um ponto de ônibus

desses que desapareceu

de um dia para o outro

a linha do ônibus também mudou

de 2016 para 318

e o ponto mudou

outras três vezes

até se tornar Central

 

eu pareço ser a única

que carrega

esses rearranjos

em cada trajeto

um novo garoto

passeia

pelas minhas coxas

se encontra as rasuras

em alto relevo

 

quando atravesso

temendo facadas

a Rio Branco

ainda adormecida

talvez já

desponte

a próxima linha

 

por enquanto

faço sinal

à casca

que arranco

só para deixar

sua marca

 

CHANTAL CASTELLI (19  ) poeta paulistana, é fotógrafa, professora de literatura e ensaísta. Participou do livro Drummond Revisitado (2002), que reúne análises de vários autores sobre a obra do poeta itabirano. Publicou os livros de poemas Memória Prévia (2000) e Os cães de que desistimos(2016)

 

CONSTELAÇÃO

                      Para Carlos Drummond de Andrade

 

saltavam, dois olhos

de vidro opaco.

 

Contemplo-os agora

na janela da memória

— ou serão também espelho,

reflexo de mim mesmo?

 

A tarde parecia eterna

nos pés do menino junto à horta,

na caixa d’água que era berço e túmulo,

na coleção de cacos e suas flores mínimas,

resumo de conversas na cozinha,

tinidos, subentendidos...

 

Tento recompor

a memória prévia,

o tempo duplo,

a casa em chiaroscuro,

no papel que

(mesmo querendo)

não posso rasgar.

 

SEM TÍTULO

Não um poema

que descrevesse o desenho

de tua mão

procurando-me esta manhã;

sendo que é

de impalpável fibra

esse aceno.

 

Mas um poema

que soubesse dizer

ao menos da perfeita mudez

dessa hora, do primeiro

esboço de luz

saudando o entendimento

de nossos corpos.

 

REVELAÇÃO

Tento decifrar

uma foto que não há:

ao lado da janela meu pai

e eu

e nosso reflexo no vidro

de uma tarde morta.

 

O retrato impossível me fita,

imagem-lembrança de desejo,

provando mudo

que o que resta

não é jamais o uso

dos melhores sonhos,

mas apenas a idéia

viajando na carne:

os pés sobre os quais não dancei,

a mão que não retive,

os lábios que não marcaram minha face.

 

Somente o olhar

espiritual-imperfeito

alcança-me agora

dessa tarde morta

e sem registro.

 

RITA ISADORA PESSOA(1984) poeta carioca, é graduada em psicologia. Estudou a poeta Sylvia Plath no mestrado em Teoria Psicanalítica e é atualmente doutoranda em Literatura Comparada (UFF), Trabalha como tradutora, revisora, astróloga, taróloga, figurinista. Seu primeiro livro de poesia A VIDA NOS VULCÕES foi publicado em 2016.

 

ESCREVO TEU NOME NO GRÃO

por tudo o que tomba

sem se reerguer sem

sequer lembrar da queda

        pela sombra

que nunca é proporcional

   à luz        

                 pela sombra

que não é proporcional

de maneira alguma

                      à luz

te escrevo o nome

onde se escondem

as montanhas

onde o sinal do celular

    n ã o           pega

nãopega nãopega n-ã-o pe-ga

escrevo ainda

com a tinta

que extraio dos moluscos

que aparecem mortos

pela praia

no inicinho da manhã

 

pelo esquecimento compulsório

    da

     q

     u

     e

     d

     a

 

“escrevo o teu nome

   no grão de arroz”

 

porque saturno retorna

        fora de hora

e a sombra não é proporcional

               ao facho de luz

             que te acompanha

[e é um absurdo que a luz

produza tantos monstros

com tamanha facilidade]

porque há sim pulsação nos vasos

         altamente periculosos

           das minhas pernas

e por tudo aquilo que tomba

                 sem levantar-se:

toma este grão luminoso

onde te escrevo o nome

   devidamente instalada

 

             na virada invisível

                                 do rio

 

DOS RUMORES QUE SE INSTALAM

     não posso dizer que

  ignoro com seriedade

a consciência do medo

                nas gengivas

e a eletricidade que alimenta

o corpo venoso brutal

da vergonha porcamente

equilibrada nos joelhos.

          como é possível

que a despeito de tudo

         as gentes sejam?

que sejam com pavor,

e dentes caninos a mostra,

                 mas que sejam.

a mim, é impossível

deslizar com graça

por essa existência

de pequenos naufrágios

de impossibilidades rotundas

de quebra-mares.

ouço um fino assovio

              que assegura

o cativeiro de muitas feras

nos porões deste navio

        e sei dos rumores

instalados, pesando sobre

grossas cordas e velas içadas:

o coração batendo vivo

no fundo desta caixa.

 

LILIAN SAIS (19  ) poeta paulistana, é doutora em letras, pesquisadora e tradutora da área de grego antigo e coeditora da Revista Libertinagem. Participa da organização de diferentes Saraus espalhados pela Pauliceia.

CREMAÇÃO

tenho dois cinzeiros

e um quarto de cinzas:

sobre o casaco, o chão,

a escrivaninha, a cadeira,

os remédios, o batente

da janela,

 

- tragada útil porque vírgula, pausa,

hiato, fenda, precipício,

xingamento calado,

suspiro disfarçado,

locomotiva descarrilhada da necessidade de ainda ser gente –

 

o que o vento leva

a chuva fixa,

cinzas simplesmente cinzas,

feitas de erupção portátil

e dispersas pelo hálito, sopro,

pelo vento,

feito eu.

 

TRITONO

(Para Teofilo Tostes Daniel)

porque grávida

de ausência

 

urge o sorriso grávido

de alguma falta,

 

ruído grave, gestando

o impronunciável,

 

urgem lábios, margens

obscenas da inundação

 

possível, sorriso

discreto, palavras impressas,

 

parto, farol de ruas

sem esquinas, ruas-rio,

 

(quero morar numa cidade sem esquinas,

meus olhos ardem,

tenho uma pasta de artigos urgentes dentro de uma pasta de artigos urgentes dentro de uma pasta de artigos urgentes,

o corinthians foi campeão,

o preço dos tomates & a crise política & a meteorologia)

 

há meses

 

(são apenas dois olhos

duas pernas e dez dedos para tantas

urgências no mundo que,)

 

transbordo.

 

- porque grávida

de alguma ausência

 

que o CID

não gera

 

entre as margens

absurdas da normalidade

 

o abismo

 

fere e confunde,

meu bem

 

PRAZOS

digo sexta porque

soa longe, digo sexta

como quem diz

 

outra vida,

porque essa semana

já é bastante,

 

como a anterior,

a outra, a próxima,

a existência percorrida,

 

esse correr inexorável

de existir, ser gente

e não criado-mudo,

 

cômoda de três gavetas,

capa de chuva,

porta-níquel,

 

- desenho na parede -,

 

digo sexta porque

não é hoje, e isso,

se não me basta,

 

já me serve

um bom tanto:

apenas hoje,

 

não.

 


Publicado por Rubens Jardim em 15/11/2017 às 18h48

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