Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
06/05/2008 13h25
PAIXÃO PURA: ACASO OU DESTINO?

 Embora seja muito difícil para mim sentir, manter e manifestar certezas e convicções a respeito de uma série infindável de coisas, símbolos, pessoas e situações que nos envolvem, tenho vivido e convivido razoavelmente bem com esse meu jeito “meio estúpido de ser”. Não sei porque razão brotou esse introito, mas ele não vai impedir e nem atrapalhar este mergulho direcionado ao meu envolvimento e desenvolvimento junto da Ana. Em primeiro lugar me proponho a rastrear, em área de plena liberdade, esse fenômeno Ana em minha vida. Como tudo começou? E por que? A única resposta até hoje tem sido esta: acidentalidade, pura acidentalidade. Mas será possível depositar no acaso tamanha força? Ou no seu avesso: o destino? Há muito tempo estou convencido de uma questão estrutural: 50% do que nos acontece-- no plano visível --deve estar vinculado ao processo histórico de nossa formação. Os outros 50%, com certeza, pertencem ao plano invisível, ao caminho da alma e às pulsações do inconsciente. Portanto, em cada instante das chamadas “escolhas ou opções” o que está ocorrendo de fato é uma intervenção mesclada --e nem sempre equilibrada-- dessas duas forças. E o que aconteceu comigo em relação a Ana não foge a esse princípio.Já nos conhecíamos de longa data e, em nenhum momento sequer me passou pela cabeça algum pensamento ou sensação mais ousada. Gostava de conversar com ela --mas de modo absolutamente fraterno e cordial. Jamais ela despertou minha libido e jamais trocamos sequer algum olhar mais ambíguo e descontextualizado. E era assim mesmo, fato concreto e real: nada apontava para nada. E por que será que de repente, em um encontro casual, quando eu estava sozinho em São Paulo e havia saído para jantar com dois amigos, tudo se transforma tão radicalmente? Será que o fato de ficar ciente de sua separação rompeu os diques e as amarras do meu inconsciente? Será que a sua condição de liberdade repercutiu dentro de mim, criando imediatamente desejos e fantasias que estavam em algum obscuro e inacessível canto do inconsciente? Por que deixei meus amigos e o jantar e me arrisquei a convidá-la a ir ao Gigeto comigo? E por que depois de muito oba-oba a respeito de casamento e separação, convidei-a para ouvir um disco lá em casa? E por que depois daquele disco --o lendário TheodorakisxNeruda--fomos impelidos a nos beijar? E por que depois do beijo ela permitiu que eu lhe tirasse a blusa verde e depois a saia preta? E por que depois eu fiquei tão assustado e tão encantado com as formas re-veladas daquele corpo? Lembro de ter sentido-- e confessado-- nunca haver visto nada igual ou parecido. E isso era a mais pura verdade. Eu estava comovido e exaltado diante de tamanha beleza ao alcance da minha mão, dos meus olhos--e não sabia o que fazer. Só duas vezes na vida havia sentido algo parecido a esse encantamento diante da beleza corporal, mas a diferença de intensidade era tão notável que esta era efetivamente uma vivência nova.
E eu me pergunto sempre: como é possível ficar imune ou insensível aos apelos da beleza e da graça que habitam essa rica e surpreendente inquietação de um corpo vivo, belo e pulsátil? Só mesmo se eu fosse feito de pedra --e de pedra morta-- pois se fosse feito de pedra viva, dessas que esperam --grávidas de espanto--a ação de um escultor, certamente eu surgiria modelado e inclinado para o mesmo abraço e para o mesmo beijo que iria transformar radicalmente o meu destino. Era impossível ao poeta que eu fui e sou, acovardar-se diante do nascedouro da própria criação. Era absolutamente necessário mergulhar de corpo e alma naquelas sensações grandiosas que me impeliam cada vez mais em todas as direções inéditas e inusitadas do absolutamente desconhecido. Havia algo na superfície e nas funduras daquele corpo que me apontava diretamente o caminho do paraíso. Eram volumes, linhas, formas e movimentos que viviam uma luminosidade plena de segredos confessáveis. E ali estava eu --diante da encosta do vale, defronte do monte que esconde sinas e sinais, adiante ou ao lado ou atrás de mim mesmo-- carregando o mais terrível enigma que é sentir, de algum modo, que não há escolha e os caminhos são sempre paralelos e é preciso seguir, é preciso seguir...

Publicado por Rubens Jardim em 06/05/2008 às 13h25

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