Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
31/05/2006 15h54
HOMENAGEM AO TEATRO LIBERTÁRIO DE AUGUSTO BOAL
Numa das últimas entrevistas que deu - à Carta Capital -, Augusto Boal defendia que, "hoje, todas as formas de expressão e comunicação estão nas mãos dos opressores". Na sua opinião, "o que a televisão oferece é um crime estético". Afirmava: "E ainda acham estranho que alguém saia matando quinze pessoas de uma só vez. O cérebro das pessoas está impregnado dessas imagens. As rádios também repetem o mesmo som o tempo todo. Sem falar no tecno, que desregula até marca-passo, e é pior que ouvir gente quebrando tijolo em construção. O que a gente quer, no Teatro do Oprimido, é lutar nestes três campos: palavra, imagem e som."
A obra de Boal está traduzida em mais de 20 línguas e o The Guardian considerou-o tão importante como Brecht. Nomeado Embaixador da UNESCO para o teatro e indicado em 2008 para o Prêmio Nobel da Paz, Boal tinha leucemia e morreu de insuficiência respiratória dia 2 de maio, no Hospital Samaritano, Rio de Janeiro.
Segundo o presidente Lula, Augusto Boal deixa uma marca que jamais será esquecida. “Era o exemplo de um companheiro que dedicou a sua vida à transformação social por meio da arte".
 “Esta é a essência do teatro: o ser humano que se auto-observa. O teatro nasce quando o ser humano descobre que pode observar-se a si mesmo: ver-se em ação. Ao ver-se, percebe o que é, descobre o que não é, e imagina o que pode vir a ser. Percebe onde está, descobre onde não está e imagina onde pode ir. Cria-se uma tríade: EU observador, EU em situação, e o Não-EU, isto é, o OUTRO”. E continua: “O teatro é uma ferramenta extraordinária para transformar o monólogo em diálogo”. Missão do Verdadeiro Ator. Agradeço a Deus-em-mim permitir-me ouvir voz do meu coração e ter feito um dia a inscrição em um curso de Iniciação Teatral. Todas essas experiências me ensinaram a utilizar minha “memória emotiva” (Stanislavski) de modo técnico, sabendo respeitar o necessário “distanciamento” (Brecht) entre ator e personagem a fim de me tornar um “agente transformador de mim mesmo” (Boal) e até mesmo do ambiente onde estiver inserido.

Infelizmente, em nosso país, a notícia de seu falecimento não teve grande repercussão.
Em maio de 2006 coloquei o texto abaixo em meu blogue:
31/05/2006 15h54

Reli, dias atrás, uma revista que traz a única entrevista concedida pelo Guimarães Rosa ao seu tradutor e amigo Gunther Lorenz --nomeado por ele como “vaqueiro das Gerais na Alemanha”. Além dessa preciosidade, a revista, inteiramente dedicada a uma retrospectiva dos anos 60, publica raridades como um depoimento do Augusto Boal, mentor e dirigente do Teatro de Arena. E é aí que a coisa pega.Seu discurso, absolutamente politizado, vai situando as vertentes do teatro daquela época e, sem eufemismos e papas na língua, passa a cobrar a participação de todos na empreitada de um teatro mais revolucionário e participante. E denuncia, com ferocidade, o SNT, o INC, a Censura, os critérios de subvenção e proibição e acusa de reacionários todos os artistas de teatro, cinema ou TV que se esquecem de que a principal tarefa de todo cidadão, através da arte ou de qualquer outra ferramenta, é a de libertar o Brasil e derrotar o invasor.
E coloca frases lapidares como essas: o dinheiro, este sim, é o verdadeiro demiurgo do gosto artístico posto em prática; é necessário fazer com que o teatro frequente os circos, as praças públicas, os estádios e os descampados em cima de caminhões; não é possível agredir o predicado e não o sujeito.
É claro que depois de reviver essa manifestação verbal de consciência, de consequência e de responsabilidade do artista enquanto cidadão, fica difícil dizer qualquer coisa. Até porque esse tipo de consciência --indispensável para a transformação orgânica da sociedade-- e que estava tão disseminada naquela época, hoje não passa de utopia jurássica para velhos e remanescentes dinossauros. E eu ainda sou --graças a Deus-- um velho dinossauro muito mais vinculado a uma ordem e a uma organização inexistentes do que a essa globalização excludente e discriminatória. Mais ainda: como sempre fui avesso aos modismos, nunca estive na ordem-do-dia. Sou o anti up-to-date. Eu já nasci ultrapassado.

DEPOIMENTO DE QUEM ESTEVE COM O BOAL NO PRESÍDIO TIRADENTES
Numa quinta-feira de 1971 o carcereiro com aquelas chaves de motorneiro abria a porta de ferro da Cela 3 do Presídio Tiradentes para "depositar" mais um preso político que fazia a Ditadura tremer de ódio. Desta vez entrava na nossa cela, Augusto Boal. Camisa xadrez, cabelo esvoaçante, simples e simpático. Foi logo recebendo as boas vindas dos companheiros e a injeção de moral alta. Eram sete beliches.  Cedi a minha cama e subi para o beliche de cima para ele não ter que escalar aquela escadinha estreita. Demos tempo para ele descançar e chamamos para o jantar em volta da nossa mesa redonda. Construçãodo companheiro Flávio. Ali fazíamos as nossas refeições,todos juntos. Ali era, também o lugar onde todos se reunião para a leitura resumida dos jornais, as palestras do companheiros da nossa cela ou de outras, inclusive para as críticas e auto-críticas necessárias. Eram sete celas no Pavilhão um do Presídio Tiradentes. Boal logo se enturmou ao coletivo e propós falar às sextas-feiras sobre o teatro, sobretudo do Opinião. Ganhou , no curto espaço que lá permaneceu, a simpatia de todos. Alípio Freire, Mosca, Flávio, Gorender, Silvio, Vicente, Buda e outros. Quando saiu deixou um monte de revista e livros para a biblioteca coletiva. Era o que todos faziam.
Meses depois é entregue clandestinamente para os companheiros da cela o seu livro relatando aquela experiência fora e no convívio conosco. (com pseudônimo de cada um) parecia que era um esboço de uma futura peça.
Vim vê-lo muitos anos depois, aqui em Ribeirão Preto-SP, numa encenação-ensaio do Teatro do Oprimido. Foi uma alegria inimaginável e com direito a autógrafo no "Cela 3". E depois um chopp gelado no Pingüim.
A nossa homenagem ao companheiro Augusto Boal. Leitor e incentivador da Carta O Berro, até o fim.
Agradecemos a sua luta e a tudo que nos deixou.
Vanderley Caixe


Publicado por Rubens Jardim em 31/05/2006 às 15h54

Site do Escritor criado por Recanto das Letras