30/12/2010 12h49
VOCÊS ME EDUCARAM NA IMENSA ALEGRIA DA EXPECTATIVA
CARTAS NATALINAS DE RILKE PARA SUA MÃE
Costuma-se dizer que o conjunto das cartas escritas por Rilke corresponde ao triplo de sua obra poética. E se Rilke não foi poeta prolífico, também não foi autor de poucos livros de poemas. Publicou Vida e Canções (1894), Histórias do Bom Deus(1900),O Livro das Imagens (1902), O Livro das Horas (1905), Novos Poemas (1907-1908), A Vida de Maria (1913), Elegias de Duino (1923) e Sonetos a Orfeu (1923). Em prosa, suas obras mais conhecidas são Os cadernos de Malte Laurids Brigge e as célebres e indispensáveis Cartas a um Jovem Poeta --livros imperdíveis. Mas ele foi prodigioso, também, em sua correspondência, espantosamente vasta -- e diversificada. Existem cartas para a grande amiga russa Lou Andreas- Salomé (amiga de Freud e Nietzsche), para a pintora Baladine Klossowska, para a pianista Magda de Hattingberg, para a princesa Maria von Thurn und Taxis (Castelo de Duino), para a condessa Aurélia Gallarati Scotti e para a jovem operária francesa Marthe Hennebert. Destacamos, desta vez, a correspondência natalina de Rilke com sua mãe, Sophie. Durante 26 anos –de 1900 a 1925 – ele escreveu, com constância e fidelidade, cartas que são uma verdadeira celebração da festa de Natal. Ele mesmo confessou que, através do ritual do nascimento do menino Jesus, reconquistou o acesso à felicidade da infância.Textualmente: “Todas as alegrias de minha vida me remetem irremediavelmente às recordações natalinas.” EIS AÍ TRECHOS DE ALGUMAS CARTAS Minha querida e bondosa Mama, (Berlim, 22 de dezembro de1900) Nunca conversamos muito sob a árvore de Natal. Hoje tampouco quero fazê-lo, sobretudo, pois as palavras no papel nem ao menos suscitam ilusão de proximidade. Aliás, desejo-lhe mais que a ilusão –a certeza, de que estou ao seu lado nessa noite que, desde quando a vivenciei pela primeira vez, você embelezou e enriqueceu através do seu testemunho de amor e bondade! E você deve me sentir próximo, porque lhe presentearei com meu novo livro e, dessa maneira, dirijo-me a você com o sumo do que até agora conquistei e me tornei, com muito mais que meu corpo e feição, com muito mais que minha alma: com a potência da minha energia e amor, com uma parcela da minha profunda devoção, com um fragmento do meu futuro. O livro “do Bom Deus”...é tudo isso. Acolha-o bem e deixe-o concretizar meus votos na Noite Sagrada. Reconheça-me nele, querida Mama. Querida Mama, (Westerwede, 21 de dezembro de1901) Natal! Eu gostaria muito de lhe escrever uma longa carta natalina, mas na minha nova e invejável qualidade de pai, tenho tantas obrigações, que somente posso lhe enviar algumas poucas palavras afetuosas...eu tenho uma casa própria, uma mulher querida e uma criancinha para quem naturalmente desejo enfeitar uma árvore de natal... Pela hora dos presentes, estarei em pensamento com você! Minha querida e bondosa Mama, (Paris, 21 de dezembro de1902) Estamos nos aproximando da Noite de Natal...fiquei mais uma vez longamente sem escrever, não é mesmo? Mas ultimamente estive traalhando num ritmo extraordinário e , assim, precisei deixar pendente de resposta tudo que entrasse (inclusive assuntos afetivos e importantes). Perdoe-me. Como sempre acontece na ocasião, também nessa Noite estarei a seu lado, com carinho e cheio de amor... Minha querida Mama, (Roma, 20 de dezembro de1903) Somente no dia 24, na hora preciosa de paz, você deve ler estas linhas, testemunhas da minha presença em sua noite de Natal. Só com uma dádiva posso me apresentar, mas ela realmente me aproxima de você e me permite acompanhá-la, onde quer que esteja...O Menino Jesus que você me destinou adquiriu um valor ainda mais especial do que tudo que eu pudesse ofertar-lhe, depois do modo como você me escreveu a respeito! A fé fortalece e a hora silenciosa do Natal é dessas, capazes de irradiar força, porque está impregnada pelo milagre e é plena de mistério....Tudo consiste em ater-se à grandeza, àquilo que nós vivenciamos no íntimo dos nossos corações e ninguém pode perturbar. Se nas horas de recolhimento e elevação, afirmamos ser vida o que em nós palpita vibrante e festivo e nosso olhar cintila com as lágrimas abundantes e sinceras, então o rebuliço que nos atordoa, o cotidiano e a tristeza não mais nos confundirão... Minha querida e bondosa Mama, (Oberneuland, 20 de dezembro de1904) Como sempre, no dia 24, às seis horas, pensarei em você e rogarei a Deus que prepare em seu íntimo uma hora de muita paz. Uma hora regida por uma infinda confiança, que soe como sinos natalinos. Tenha o espírito alegre, amada Mama. Pense em sua querida Roma e isso também será uma parcela de sua festa, se você endereçar uma breve carta a si mesma contendo uma única palavra: Roma. Minha querida e bondosa Mama, (Wospswede, 20 de dezembro de1905) ...Enfeitarei a árvore de Natal por volta das cinco horas; se você, mais ou menos a essa hora nos dirigir suas orações, então elas encontrarão no meio do caminho nossos pensamentos que estarão à sua procura, a fim de levar-lhe o perfume, o brilho e a paz natalinos: e como são dádivas de coração para coração, naturalmente não existe distância; na sua reclusão você será, sim, abraçada por nós, e perceberá como estamos impregnados do espírito de Natal que também nos envolve. Minha querida e bondosa Mama, (Capri, 19 de dezembro de 1906) Aconteceu o que eu temia: os novos livros não chegaram e, mesmo se vierem a chegar nos dias vindouros, não tenho a esperança de poder colocá-los a tempo na sua mesa de Natal. Portanto, estou de mãos abanando. Ainda dei umas voltas esperando poder lhe comprar uma lembrança de Capri como presente provisório, mas preciso sinceramente confessar nada ter encontrado, porque fora da estação as lojas maiores cumprem uma espécie de férias invernais. Logo, me perdoe se pareço ainda mais miserável que de hábito: na verdade estou sempre chegando com o mesmo coração com o qual chegava como criança e, você não perdeu a confiança nesse coração, devido às complicações acumuladas pela vida entre duas pessoas próximas que raramente se vêem. Não é verdade? Pois ele está novamente ao seu lado como sempre com os votos sinceros e calorosos, sem algum pedido especial desta vez, mas sim partilhando a paz das horas sagradas, quando todas as máquinas do mundo param e nada está em movimento, salvo os corações, que batem mais rápidas, festivas, misteriosas palpitações de esperança e bem-aventurança pura e silenciosa. Ambos solitários desta vez, nós estaremos especialmente próximos na noite de Cristo e você com certeza sentirá como meu desígnio a encontra quando você o busca no preâmbulo de suas orações. Minha querida e bondosa Mama, (Oberneuland, 21 de dezembro de1907) Todos os nossos mas efusivos votos para o momento sagrado de seu Natal. Você sabe, claro, como nós também nesse particular nos afinamos de maneira profunda em compreensão mútua, e o quanto sua solidão evoca uma série de relações misteriosas que talvez possam ser irradiadas com essa potência exclusivamente por quem está só. CARTA DA EUROPA AO MEUS PAIS
Tenho, sinto e vivo saudades maravilhosas de vocês. A cada momento --fácil ou difícil, belo ou feio, agradável ou desagradável-- volto à vocês. E esse voltar é muito parecido com este meu voltar às Igrejas antigas --e aos símbolos mais permanentes que permearam a minha vida de criança. Deixando marcas e ressoando preces pela vida afora. Publicado por Rubens Jardim em 30/12/2010 às 12h49
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