Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
21/08/2011 20h44
A MULHER NA LITERATURA BRASILEIRA (7)

 Apresentando as mais variadas tendências de estilo, processos ou temas,  um traço comum pode ser destacado: é a participação na consciência experimentalista, no reajustamento da linguagem e na integração do ser humano e da poesia no processo histórico .

STELLA LEONARDOS (1923) poeta carioca,tradutora e teatróloga, é considerada integrante da terceira geração do movimento modernista. Já ganhou vários prêmios, inclusive o Nacional de Poesia, em 1964, por Geolírica. Publicou romances, literatura infantil em prosa e verso, além de peças teatrais infantis. Sua obra inclui mais de 70 títulos, entre eles os premiados Cantabile,(1967) Amanhecência(1974) e Romanceiro da Abolição(1986).

DO APRENDIZ DE ESCULTOR

Existe uma voz na pedra?
Lá no alto daquela pedra
mora um colomi de pedra
chamado Itacolomi.
O colomi, lá da pedra
me fala: — Não queiras ouro.
Menino, teu ouro é outro.
Escuta, Antônio Francisco,
tuas mãos querem lavrar.
Procura tornar mais que ouro
a pedra que te encontrar.

Existe voz na madeira?

Lá do alto daquela igreja
vive uma cruz de madeira,
a mais alta que já vi.
A cruz, lá do alto, me fala:
— Escuta, Antônio Francisco,
não te coube em Vila-Rica
muita lenha. Coube lenho
e mãos que querem talhar.
Procura tornar madeiro
a madeira que te achar.

ESPELHOS

         ... "Sigamos, primeiro, as próprias indicações de Bretas: o Aleijadinho, diz-nos ele, sofreu complicações d'humor gallico com escorbuto". Germain Bazin

É mancha de tinta

         ou pele manchada?

É poeira em camada

         ou pele que escama?

É pingo de roxo

         ou sangue pisado?

É raiva de um rosto

         ou rictus de máscara?

É imagem disforme

         ou espelho infamante?

É mais que grotesco:

         é face de drama.

É o trágico doendo:

         um monstro se olhando.

 

Abaixo o que espelha!

         Cristal, água, lâmina.  

 

QUASE MITO

— Quem veste esse poncho

e encobre a cabeça?

Que vivo? Que morto?

Que réu de sentença?

 

         —Nenhum pobre diabo.

 

— Debaixo das abas

do imenso chapéu

há o rosto de um diabo

oculto dos céus?

 

         De um monstro sagrado.

 

O QUE SE É VEM À FLOR?

“Não, não digas nada”    Fernando Pessoa

Melhor seria não dizer-te nada
já que as palavras se frustram, Pessoa
- ai! onde as pás sutis e as virgens lavras
do ver de terna fala entre as criaturas?
Já que as palavras nos frustram, pessoas
perdidas no universo das palavras
- ai tempos de durames sem ternuras! -
melhor seria não dizer-te nada.
Calo. Do teu silêncio aflora a fala
desse verde essencial – cerne, mensagem,
viva raiz-mistério da linguagem.
Na força de não ter dito o que mais cala.

 

LILIA A.PEREIRA DA SILVA, (1926  ) poeta paulista, escritora, pintora, desenhista. Conquistou excelente fortuna crítica, tanto aqui quanto no exterior, onde vários de seus títulos foram traduzidos. Publicou noventa e dois livros nas áreas de poesia, romance, literatura infantil e artes plásticas. Estreou com o livro Lenço Materno(1958). Alguns títulos de seus livros de poemas: Estrela Descalça(1960), Relógio de Raízes(1964),Menino de Orvalho(1973) No Cristal do Abismo(1989), Europeanas(1997).

O ANJO

Que Anjo és que só me faltas?
Se ainda te sonho,
tens as asas
pétalas de cimento?

Que Anjo és, sem luz, sem nada,
se até a silhueta que tiveste,
a noite, surpreendendo, encolheu?

Celebro-te memória, no meu tempo,
Anjo,
agora que é cinzento o arco-íris
e a estrela reclinada indesejei.

Amadurece em mim o provisório
de teres sido nunca
o que sonhei.

VISÃO

Duas asas no chão:
de um anjo?
De lúcifer?
De um cão?

Se a chuva pisasse nelas,
não sangrariam, como meus sapatos.

Onde buscar remorso, se forem de um anjo?
Onde encontrar mais forças, sendo de um Lúcifer?
Onde mais espanto, se forem de um cão?

RETRATO PLURAL

Em todas cidades do mundo,
sofrimento é maior quando não se perdeu
coração em ninguém.

Em todas cidades do mundo,
há roupas estendidas nas paredes
e nudez dentro
das vidraças.

Em toda cidade do mundo,
em algum tempo,
manhãs já não estão cansadas
da procissão de gestos inacabados.

Em todas cidades do mundo há espaços, muros
e sapatos abandonados nas ruas,
tirando retratos do passado
e futuro,
e pombas que exibem asas
e não voam
- como outras – acima dos telhados.

Em todas cidades do mundo
há janelas sujas de trens
anuviando paisagem,
olhos azuis aleijados
lendo nome da estrela
e do lixo.

Em todas cidades do mundo há ciganos
que revivem esta saudade,
estalando
no meu céu da boca
o grito da vida.

 

ILKA BRUNHILDE LAURITO, (1925) poeta paulistana, estreou cedo  com o livro Caminhos ( 1948). No ano seguinte formou-se em letras e dirigiu a Cinemateca Brasileira (1962). Entre 1969 e 1975 participou de movimentos de divulgação, como Poesia na Praça e Poetas na Praça. Recebeu o Jabuti de poesia, pelo livro Canteiro de Obras,(1987) e o Jabuti de literatura juvenil, pelo livro A Menina que Fez a América.(1990)

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Proibido colocar cartazes:
em chão
parede
poste.

(Em homem:
pode.)

 

VIII (Olhos que tacteais este poema)

Olhos que tacteais este poema
como instruídos dedos
sobre as nervuras do espalmar
do texto,
olhos, lúcidos parceiros
da voz alinhavada em letras,
a luz que vos guia o íntimo
passeio,
cegos videntes,
é a que decifra os gestos desta
mão
que fala e canta
imprimindo as rugas do seu
críptico desenho
na lisa pele do papel em branco.

Leitor,
meu quiroamante.

V (Canto ao arrumar a cama)

Canto ao arrumar a cama,
canto
diligente verônica
oficiando os passos
da paixão cotidiana.

Exibo ao meu espelho atônito
os lençóis que estampam o corpo
do senhor que nunca me salvou
da crucificação no pranto.

E canto porque canto,
sem esperanças de glória
ou de ressurreição.

PERDAS E DANOS

Arrotaram uma arrogância de água mineral gasosa.

Sacudiram qualidades de plástico

num chocalho sem guizos.

Aplausos primeiro.

Depois, risos.

A menina que catava conchas na praia suja cresceu.

Hoje conta histórias para boi mugir.

A ilha que eu sonhava, bem ao norte deste empate,

afundou no oceano de porquês.

Eu poderia fazer uma corda com retalhos

a fim de atravessar os sete mares e as cinco pontes.

Ou escrever uma peça para marionetes sem fios.

Recusei a oferta e o altar.

Com os olhos procurei ao redor,

mas o redor era fora do alcance da vista.

O tiro de despedida é mais doce

do que o beijo de misericórdia.

Surpresas a varejo empresariam nossa mentira.

Um chiclete gruda na memória

retardando a detonação daquela bomba.

Publicarei minhas memórias num edital do tribunal de contas.

 

YEDA PRATES BERNIS, (1926)poeta mineira, diplomada em letras, com passagem por canto e piano em conservatório. É membro da Academia de Letras de Minas Gerais, já ganhou vários prêmios, teve poemas musicados por Carmargo Guarnieri e já foi traduzida para o francês, espanhol, inglês, italiano e húngaro. Estreou em 1967 com livro Entre o Rosa e o Azul. Já foi premiada e elogiada por poetas do porte de Drummond e Henriqueta Lisboa. Seus últimos livros: Cantata (2004) e Viandante (2006).

QUANDO O AMOR SE ACHEGA

Quando o amor se achega

e, no outro, não encontra

espaço aberto,

ele, humilde, se aconchega

a si mesmo. E descoberto

se agasalha com pesado manto

do temor, dúvida e espanto.

 

E a tempo pede

que o acalente,

à desventura

que o sustente

não mais que o prazo certo,

e a um vento

inexistente que o leve

em momento brando e breve.

 

SABEDORIA

Aborrecem-me as mulheres de lantejoulas

e as coroadas com tiaras de diamantes.

Nem mesmo invejo as que muito leram

e extraíram dos livros o sumo

da desesperança

ou as que misturaram palavras,

pincéis e pautas

às linhas de suas vidas.

 

Fascinam-me as mulheres do campo

que acordam de madrugada,

coam café com rapadura

para os maridos e lavram a terra

com enxada, suor e amor,

ou as lavadeiras de beira-rio

quarando suas roupas com canções

e coração:

sábias, não meditam sobre a fugacidade

das horas, fazem de cada instante

a doação perfeita, a morte é sua

verdade sem temência

e suas vidas são plenas

como árvore absorvendo o sol das manhãs.

 

MARITMO 
 

Barco é a noite

onde a alma navega.

O sonho é marinheiro.

 

No oceano do momento

o amor é timoneiro.

O mais é entrega.
 

FOGUEIRA 

Espio à beira

do que chamam de minha alma.

Fingindo calma,

vejo no poço uma fogueira

queimando o já tão pouco

do muito edificado.

Não como um louco

mas como quem não presta

atenção, despejo gasolina.

 

Tudo o que resta

é um choro de menina.

DESENHO

O menino desenha
coloridos pássaros
e os aprisiona, na gaveta.
Ao ouvir trinados
no papel
vê, saindo pela fresta,
asas em festa
buscando o céu.

 

NASCER

Desenrolar
o eterno
no solar
diminuto

Minuto
materno


Publicado por Rubens Jardim em 21/08/2011 às 20h44
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