21/11/2012 14h19
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA(28ª)
LUCIA FONSECA (1940) poeta carioca, formou-se em história natural e trabalhou como pesquisadora em genética. Começou a escrever regularmente no início da década de 70, publicando poemas em suplementos literários de alguns jornais. Invenções do Silêncio (1980) é seu primeiro livro de poemas. Rede Fluvial (1983) veio na sequência e recebeu o prêmio Emílio Moura da Sec. de Cultura do Estado de Minas Gerais. O Paraíso era Antes(2008) é seu último livro. Antes dele, publicou em 2007, Cantares.
Trânsito "Vim para morrer. Trago comigo
NOTURNO II Eu creio em noites RAINER MARIA RILKE Aqui é noite. Definitiva noite como dentro de um fruto. Um peixe que se percebesse só no oceano talvez sentisse medo. E no entanto é só que ele nada o mais das vezes. Aqui é noite. Apalpo sementes no ventre escuro do sono. Tudo é tão quieto, calado, enrodilhado em pelúcia. Que longas, as gestações! O mendigo, o palhaço, o príncipe, o bêbado, o triste se fazem assim, no escuro — só mais tarde, sob as luzes serão coroados. Nessa hora, entre todas, a mais silenciosa, imóveis dormem sonhos e poemas — sementes na bruma. Ouvir-lhes o silêncio, o sono, confiar — eis tudo.
VINHAS DE MAIO Vinhas de maio — de quando madrugam as rosas. Vinhas do fundo mar, de pensamentos de neblina e azul. De neblina e azul teus gestos, as pequenas mãos submarinas. Em vermelho abriste caminho para o mundo, em vermelho te cortaram o cordão. E chegastes do fundo da caverna com uns restos de treva colados à pele, expondo no ventre, por cicatrizar, o sinal selvagem da tua impureza.
Depois ainda te vi lavado, ungido de óleos e essências e vestido de branco, como para secretos ritos. E do berço agitavas os braços como de uma barca pedindo que te salvassem. Mas porque cheiravas a sono e cólica, como um dia cheiraram teu pai e tua mãe, isento ainda do leite, desligado mesmo do nome, porque eras coberto de penugem e tinhas uns restos de asas — eras tu — ah, eras tu salvavas.
ANA MARIA LOPES (1948) embora carioca, a poeta considera-se brasiliense. Jornalista, trabalhou nas TVs Nacional e Alvorada, sucursal de O Globo e TV Câmara. Foi premiada como poeta em 1967(concurso literário patrocinado pela Embaixada de Portugal) e 1981(concurso de poesia promovido pela Editora Abril). Publicou poemas na antologia Poetas Brasileiros Hoje(1995) e lançou o livro de poemas Conversas com Verso(2006).
.COM Eu estou aqui você está aí Se acaso eu vou para aí Você vem para cá Há entre nós, inconteste, um computador – barricada – que nos serve de atalho para a fuga do contato
é o desamor.com
LUA E CORPO Uma lua incerta batia quando em quando seu claro no meu corpo Queria me despir de sua luz procurando o breu. Mas com grande mestria a lua investia seus dedos luminados procurando meus pelos explorando minhas cavernas e sem nenhum barulho dava seu mergulho em águas mucosas. Seus punhais, seus raios jorravam o clarão e pouco a pouco a lua incerta e meu corpo nu se amalgamaram - assim como fazem os astros - e reinventamos a luz.
NÃO ME ACORDE Se eu estiver sonhando não me acorde porque basta uma noite para me manter rediviva uma noite para gerar meu espanto e espantar minha rotina.
Mas se por acaso estiver tecendo as tramas do matutar ou colchoeira enchendo de paina a retina não me chame porque basta um gemido para me acordar.
A PALAVRA Ninguém percebeu a palavra pendurada por um fio Ninguém atinou para seu sentido nem notou que pairava muda sob todas as cabeças. Carregava seus mistérios cheio de sílabas. Ninguém a queria nem (a) prendia E a palavra ficou balançando em postura de enforcado sem traço esclarecedor para perplexidade de todos.
DANIELA GALDINO ( ) poeta de Itabuna, mestre em literatura e diversidade cultural, é professora de literatura na UNEB. Organizou os livros Tessitura Azeviche: diálogo entre as literaturas africanas e a literatura afro-brasileira(2008) e Levando a Raça a Sério(2004), participou de várias antologias e publicou Vinte Poemas Caleidoscópicos (2005) e Inúmera(2012).
INÚMERA Eu tenho a síndrome de Tim Maia. Eu tenho as varizes de Clara Nunes. Eu tenho os vícios de Piaf. Eu tenho a orelha de Van Gogh. Eu tenho a perna que falta ao Saci.
Eu tenho o olfato de Freud. Eu tenho o cansaço de Amélia. Eu tenho o peso de Maria. Eu tenho as dermatoses de Macabéa. Eu tenho a cusparada de Sofará.
Eu sou a linha tênue que une os xipófagos. Eu sou uma interrogação vagando com pressa. Eu sou um insulto atirado à queima roupa.
Eu tenho atalhos ainda não percorridos. Eu tenho palavras desgastadas e nulas. Eu tenho uma voz penífera e cortante.
Eu confesso: sou intrusa, sou inúbil, sou inúmera.
MULHER ABJETA Não sei desenhar não sei fazer conta só entendo de assustar palavras.
Puxo o verbo pelo rabo finco dente no dorso.
Quero des-edificar lares provocar divórcio entre significante e significado.
Aí será o oco da linguagem varrido pelo avesso...
Encosto a boca na orelha dos vocábulos e sussurro: “Deus é a nossa criação necessária”. Eles habitam pântanos de pânicos. Estão prontos para representar meus terrores.
Eu não espero pelo dia em que o meu nome flutuará nas páginas de uma hagiografia.
Não sei qual evangelho rege as impurezas da minha arte.
Eu transbordo excrescências, dúvidas, luminosidades. E... só entendo de assustar palavras.
SAUDADE AMANHECIDA meus pés contêm mapas
ALVORECIDA Acordei com um sol enorme dentro de mim
abrasaram-se os órgãos vitais raios trafegaram minhas veias
borbulharam pensamentos de lama nos lençóis freáticos da memória
o sol tomou conta de tudo expandiu felonias esquecidas
ergueu-se um centenário baobá no terreiro inabitado de mim
o frêmito deste nascimento alimentou espetáculo frondoso:
sombra nas costas do dia vertigem na borboleta.
MARIZE DE CASTRO (1962) poeta potiguar, é formada em Comunicação Social e exerce a profissão de jornalista. Autora dos livros Esperado Ouro(2005), Poço, Festim, Mosaico (1996) e Marrons crepons marfins (1984). Tem textos publicados em revistas nacionais e internacionais e já publicou poemas no Jornal do Brasil, Estadão e revista Poesia Sempre. Foi elogiada por Haroldo de Campos. Néctar A verdade aproxima-se. Não sou a mulher Sou todas elas. – toda quimera. Erma Recolho-me tão profundamente Recostada ao rosto de Deus Ele me deu o mar no nome Solar Muralha Porque me abasteci, estou de volta. Retorno alimentada. Perigosa. Hoje descobri que quando estou dormindo Uma muralha que sempre desejou ser flor. Publicado por Rubens Jardim em 21/11/2012 às 14h19
|