Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
28/01/2013 21h22
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (29ª postagem)

 

GRAÇA VILHENA poeta piauiense, de Terezina, é professora de língua portuguesa pela UFPI e leciona literatura clássica. Integrou a chamada “geração do mimeógrafo” (anos 70), participou da Antologia de poetas piauienses e cearenses e publicou Em todo canto(1997) e Baião de Todos (1996).

GUARDADOS

Do tio que não conheci
tenho um pião de madeira
uma gravata de festa
e um retrato magro

coisas que me olham
quando me procuro
na inteireza das sobras

RECADO

Não velarei teu sono
e nem serei o aguador
de tuas palavras vidrosas.
creio nos galos
cantando até à grimpa
e nos cachorros
viralatindo as madrugadas.

A noite não é silenciosa

FIM DE MUNDO

Dentro das casas
humildemente
o dia se dissolve
no bico das chaleiras

cadeiras obedientes
ensaiam danças
nas calçadas
e a moça espalha
sobre um bordado
uma possível felicidade.

MONARK

aquele menino

e sua monark

um craque

 

andava soltando as mãos

só com a roda traseira

um pé na sela

e os olhos em mim

 

foram as primeiras lições

sobre os perigos do amor

O SINO DOS SINOS

Foi o cafuné
das andorinhas
que adormeceu
os sinos da
cidade.

VITÓRIA LIMA (1946) poeta recifense, mora em João Pessoa e leciona na UEPB, em Campina Grande. É especialista em literatura de língua inglesa, grande estudiosa de Shakespeare. Seus primeiros poemas apareceram tarde, em 1995, na Antologia Contemporânea da Poesia Paraibana. Dois anos depois publicou o volume-solo Anos Bissextos e, em 2007, o livro Fúcsia.

CIGANO DESEJO

Meu desejo
anda de bonde,
patins e avião.

A pé, descalço,
de tênis
e camisão.

Meu desejo
anda tímido,
coitado.

Pega carona no vento,
no tempo,
anda na contramão.

Meu desejo
só não anda
satisfeito.

 

FANTASIA PARA UMA VISITA AO SUPERMERCADO

...tendo ginsberg como guia

fantasio
que um dia
o encontrarei
por entre as gôndolas
(de um supermercado)
fantasio que
ao levantar os olhos
das cebolas
lá estará ele —

seus olhos me
buscando
insistentemente
por entre os tomates
& as beterrabas

me atrapalho
nas compras:
preciso de chuchu —
levo rabanetes

ao nos cruzarmos de novo
por entre peixes e siris
trocamos risinhos cúmplices —
já íntimos
& coniventes.

no caixa
(meio tímidos)
trocamos e-mails,
telefones

& marcamos encontro
para o próximo réveillon —
eu vou de rosa
ele vai de marrom...

OPUS 42

São 42
agostos.

uns passados
em branco.

outros
a limpo.

outros
a seco.

os melhores:
bissextos.

A PÁTINA DO TEMPO


a pátina do tempo
pinta/ cava/ marca

impondo
máscara impiedosa

que

plástica nenhuma
elimina.

QUE NEM JAMES DEAN

Veio
deu um rolé
com seus olhos verdes
e
foi-se
rápido
que nem James Dean

VERA LÚCIA DE OLIVEIRA (1958) poeta paulista, formou-se em letras pela UNESP, ganhou bolsa de estudo para especializar-se na Itália e hoje é professora de literatura na Università degli Studi di Lecce. Publicou os livros  A porta range no fim do corredor, (1983). Geografie d’Ombra, (1989). Pedaços/Pezzi, (1992). Tempo de doer/Tempo di soffrire,(1998), La guarigione (2000), Uccelli convulsi (2001)e No coração da boca/Nel cuore della parola(2003).

O DIREITO AO ESQUERDO

Até prova em contrário

Não amassem o corpo de pegadas

Não agucem a espera da morte

Não contaminem a propensão à luz

Naão passem rolo compressor

Nas palavras da alma

Não decretem que não existe

Até prova em contrário

O direito ao esquerdo.

RUA DE COMÉRCIO

Sou poeta da cidade magra
da cidade que não
caminha
sou dessa planicidade
sou da violência das vidas
poeta da cidade que afunda casas
e pessoas
sou da puta da cidade que só tem
superfície

amanheço todo dia nua e estreita
como uma rua de comércio

TEM PALAVRAS

tem palavras que têm cicatrizes
a palavra apego, a palavra parto
a palavra tempo
dentro elas são de madeira
dentro elas se impregnam
quando a chuva bate na janela
penetra os poros

GÊNESE DE MIRÓ

para Miró

o mundo voltou a ser
menino
com suas linhas e formas
primordiais
menino-pássaro
menino-lua
e o olho absorto de Deus
se distrai da nova gênese

no húmus da tela
o sopro
dos primeiros traços
separa as cores
do caos

INFÂNCIA

perdi-me em funduras de juntas

perdi bichos nas moitas, rastros no escuro

perdi mormaços, brisas

fui gerando meu pisado vagaroso

nas fraturas das coisas

A POESIA DÓI DENTRO DE MIM

A poesia dói dentro de mim

como quando meu pai podava a parreira

eu ia vendo caírem
as folhas
e ia vendo caírem
as folhas

e ninguém sabia
como os ramos derramavam sons
dolorosos

 

GRETA BENITEZ (1971) poeta curitibana, é pós-graduada em marketing e trabalha como redatora publicitária. Tem poemas publicados nas revistas literárias eletrônicas Zunái, Oroboro e Et Cetera. Participou de várias antologias, entre elas Todo começo é involuntário. Publicou os livros de poemas Rosas Embutidas(1999) e Café Expresso Blackbird (2006).

BRECHÓ

Como me sentia

muito entediada, vazia e só

fui comprar um coração usado

num brechó.

Encontrei de vários tipos:

lantejoulas, renda, pelúcia,

corações de vó (ao lado do pinguim de geladeira)

cristal, vidro e madeira

corações de freira

e um em especial

que já havia sido apertado por espartilhos.

E foi bem esse que me disse:

"Vá em frente, moça. Tudo que você precisa é de um pouco de fé"

 

CÃES DOS JARDINS

Lindos cães dos Jardins

Deitados sob as mesas

Onde seus donos estão sentados

Olhando a cidade que se move

Línguas ondulam em caimento perfeito

Olhar feito de puro ensinamento

Dignidade

Honestidade

Tudo isso mora

Dentro dos cães dos Jardins

E sobre a mesa

Um café preto, água mineral

E um jornal

Que contém todo horror do mundo.

 

MEU HERÓI

Pinto as unhas
os olhos e o coração de preto
encho os pulmões de fumaça e ar
esperando o dia
em que o Batman vem me salvar

HELSINKI

Tudo o que nos une

Não é nada óbvio

Porém bastante sério

O livro sobre o crime

A foto tirada em Helsinki

Folhas de louro

Um sofá de couro (que eu detesto)

Lembra do resto?

Analgésicos

A sorte lida pelo anão

Laços de gorgorão

E a consumação do incesto.


Publicado por Rubens Jardim em 28/01/2013 às 21h22

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