27/01/2014 20h28
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (44ª POSTAGEM)
MARIA CARPI (1939) poeta gaúcha, é advogada, professora e defensora pública. Estreou madura com o livro de poemas Nos Gerais da Dor, 1990, premiado como revelação pela APCA. De lá para cá são 12 obras, entre elas Os Cantares da Semente (1996) A Migalha e a Fome (2000), A Força de Não Ter Força (2003), O Herói Desvalido (2006), A Chama Azul (2011) e O Senhor da Matemática (2012). A semente é uma fenda no tempo. A única fenda.
Viver não nos salva. Morrer não nos liberta. A porta é estreita e semente. A página branca e a migalha (poema 19) Só a página te dará a saber que estás despido. Tão penúria que começarás a revesti-la.
Só a página te fará perceber que estás distante. Tão lonjura que começarás a visitá-la.
E quanto mais te familiarizares com a página, mais ela te será um amor escuso, com cadeados
entre as vielas tortas e sua paz secreta. Com cancelas entre a querência e seu pampa aberto.
Ela recôndita e real; tu amador, viajante incerto, trôpego de propósitos, chegando a parte alguma.
O Avental No centro da casa, uma vertente. No centro do movimento, o avental de minha mãe. As toalhas jamais sabiam secar-me. Ali acalmava as mãos interrompidas de voar. Ali as lágrimas e toda a trégua.
A lavoura da fome (poema 10) Não sou eu que tem fome. É a fome que me tem. Ela me apura, hóstia, em
sua boca. Ela me salitra a temperança para devolver-me à fermentação, contra a cupidez.
A fome é o meu outro, escumoso. Não vim ao mundo para saciá-la, mas acendê-la, contra a cupidez.
E da fome me retiro, fatia, para que ela seja inteira. A fome, contra a cupidez,
também se retira em funduras, para que o alimento esplenda como um sol saído das vagas.
Não mais o impulso ao avesso, não mais a seta e o batimento nos ares. Apenas todo o Fruto. Lu Menezes (1948) poeta maranhense, é doutora em literatura comparada. Cresceu no Rio de Janeiro, onde voltou a morar após a adolescência em Brasília, cidade em que concluiu o bacharelado em Ciências Sociais. Trabalha nas áreas de pesquisa e tradução. Publicou os livros de poemas: O Amor é tão Esguio (1980) , Abre-te, Rosebud!(1996) e Onde o céu descasca (2011). Tsunami e vizinhança Então , a mulher e a criança Utensílios Para extrair do alumínio seu lúmen usaria o desusado, exaurido verbo “haurir” Arearia panelas, à beira de um rio, mergulhada no alumínio luzidio – “haurindo-o” – polindo-lhe a índole de água e o ímpeto de prata com grãos de ouro e de areia arearia “ourada” submersa em seu domínio
Fellini e a aura ruante O pavão abrindo o leque se chama “ruante”
É como toma a tela inteira de Amarcord transbordando em lento-imenso instante
Eu queria agora um poema assim
Semelhante àquele navio esplendoroso irrompendo como um sonho inebriante
um navio ruante
Um poema assim eu queria agora
(só com meia mea culpa se meio ruim)
Corpos simultâneos de cisne Branco ideal e branco real o mesmo cisne no espaço de um saco de sal
ocupam mas eis transmigrante
lei que em mantimentos transfez obsoleta ampulheta: um cisne de sal
segue o curso do tempo
e míngua
até ser somente
de plástico transparente Ledusha Spinardi (1953) poeta paulista, vive em São Paulo. É tradutora de língua espanhola, e também faz trabalhos jornalísticos. Já publicou quatro livros de poemas: Risco no Disco ( 1981), Finesse & Fissura(1984), 40Graus ( 1990) e Exercícios de Levitação (2003). Cristal na Neblina A mínima idéia da tua presença expõe minha alma às curvas,
Veleiros brancos Alheia confiro a curva bem feita dos meus pés minhas coxas que guardam o último sol onde se encontram
A lua acena veleiros brancos beijando a janela escancarada
Faz muito calor por aqui faz calor nas dunas do meu corpo que sei, pressentes como pressinto a delicada febre das tuas mãos
No umbigo da noite destilo vapores lavanda e mirra para que me queiras tanto e temas quase nada
No teu silêncio de homem sinto que vislumbras minhas veredas Assim permaneço recostada os travesseiros de pluma afagando o dorso e te quero dessa forma inescrutável entre o tesão e a perplexidade.
Finesse & Fissura
Há Os que só tragam com filtro. Os que conduzem a dança. Os de papo requentado. Os que espalham o conflito. Os grosseiros de foulard. Os que fazem as cutículas. Os que têm presas no olhar. Os prósperos despreparados. Os que vão lamber o limbo. Os belos atormentados. Os previsíveis sem sal. Os ternos de abraço manso. Os que usam o saber como arma de poder. Os que citam sem parar. Os que gostam de mulheres. Os que gostam das mulheres. Os mitos desamparados. Vampiros por trás de lentes. Os que só querem mamar. Os que portam falos bélicos. Os marinheiros sem mar. Os que nos devolvem o riso. Sensíveis sem onde morar. Os que decifram. Os que devoram. Casados infantilizados. Os que consertam cadeiras. Os indeléveis carnais. Os de coração falido. Raros sexys calados. Os gananciosos banais. Marxistas que espancam mulheres. Os que se desmancham no ar. Janice Caiafa (1958) poeta carioca, é doutora em antropologia pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, tradutora e professora da UFRJ. Publicou os livros poemas: Noite de Ela no Céu (1982), Neve Rubra (1996), Fôlego (1998), Cinco Ventos (2001), Ouro(2005) e Estúdio (2009). Filtro mágico ao meu pequeno puck din-dins de pires de leite, confusões dos potes da casa – gengibre-me o bolo que faço. gnomo que guardo no leito di-minuto gênio do quarto matéria e gema das tigelas jujuba mágica entre as muitas gomas de mascá-la. eu amo meu robin da cozinha que me ajuda a pensar os séculos secretamente sob a minha anágua.
Cheio d’água Mareja a água na forma do olho, o olho é um outro lado do corpo e lago convexo. Dois lençóis d’água depositados a turvar a mirada embaçada no espelho de 2 lados. Os espaços dos olhos marejados são a virada dos avessos pela lágrima.
Mergulho quando caio nada vinga além do nado caio entre e me salvo pelo meio
guelras ganhas, estou só absoluta no líquido
quase aquática nem amo de tão perfeita.
Por um fio O que me prende à vida é linha de hálito troca de ares, fios de ouro. Ora tenazes ora soltos colares: tênue sutura ata-me ao chão do mundo. A vida me prende em teia de vento acordo quebrável selado com o ar. Publicado por Rubens Jardim em 27/01/2014 às 20h28
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