Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
12/03/2014 18h19
AS MULHERES POETAS...(46ª postagem)

LAÍS CHAFFE - (1966) poeta gaúcha, é cineasta, jornalista e produtora cultural. Participou de várias antologias de contos e de poesia. Publicou os livros Medusa, poemas infantis (2011) e Carne e Trigo (2012).Já foi premiada algumas vezes e está à frente do projeto Cidade Poema, que vem levando poesia às ruas e espaços públicos de Porto Alegre.

CACTUS

Seguem regando cactus

com seus versos consumados,

seus desejos de fatiota,

seus gestos de pince-nez.

 

No ar,  punhais se aposentam,

restam punhos descerrados,

pulsões de terno e gravata

e impulsos protocolares.

 

Seguem regando cactus,

aram desertos, cimento.

Há vigilância nos atos

e assepsia nos leitos.

 

SINA

Persigo

um monstro arredio -

alternativa

ao anjo vazio.

 

Cultivo

num vaso medonho

o antídoto

de um verde sonho.

 

Escondo

sob um roto capacho

a chave

da vida que não acho.

 

Aterrisso

antes do vôo

e mesmo sem engravidar

enjôo.

 

DEPOIS

Aí veio aquela dorzinha

que não é dor de morte,

muito menos de amor perdido.

 

Veio aquela coisa inefável

que se sente ao retirar

o último enfeite da árvore de Natal,

ao recolher os copos

no final de festa,

ao arrumar a cama

na manhã seguinte.

 

PRESSA

Era um tipo de angústia

que ansiava

por engolir o mundo.

E em seu desespero

errava as garfadas

e mordia a própria língua.

E morria à míngua.

 

LOU ALBERGARIA (1969) poeta mineira, é economista. Tem mantido publicação contínua nas redes sociais, blogs e revistas literárias como Germina e site Vidráguas. Publicou, em 2011, o livro O Cogumelo que nasce na bosta da vaca profana. Carne da Tarde é o próximo livro a caminho.

A PAGADORA DE PROMESSAS

Há 30 minutos quero fazer um poema
(ou é há 30 anos?)

O vazio criativo
de uma tarde fria de maio:
Longe o tempo
da escrita espontânea – cabelos 
revoltos, o riso frouxo
as ideias livres
sobre o palco do Grande Teatro
do Instituto de Educação de Minas Gerais:
a peça era O PAGADOR DE PROMESSAS – 

Rosa: a esposa adúltera
Marli: a prostituta explorada pelo cafetão
: Que papel escolher?

Hoje, eu escolheria o papel
do burro – o único salvo por Iansã. 

 

COSTURO O POEMA NA PELE

Minha poesia tem cheiro, som

Excreta e expele.

Ouço e aparo as arestas

Entrego o verbo

Feito carne

Para ser devorado

Pelos abutres e estetas.

Devora-me!

E te lapido, edifico

Desmorono, retifico

Só não te deixo ficar aí parado

No vácuo

Com cara de palerma.

Mudo!

 

BAGAGEM

A vida não é justa

é estreita quente

& úmida

onde você penetra

o seu medo de falhar

 

Não, amor, eu não posso carregar os seus medos

 

Estou retida na alfândega

- há séculos

por excesso de bagagem

 

DO AMOR & OUTROS (MIS)TAKES

Aos 10 entrei numa sala de Cinema 
pela primeira vez – e acordei! no
ombro do sonho
para sempre.
Eu sou do tempo em que horário
de filmes em salas de exibição – com 
raríssimas exceções – era diariamente
de par em par:
2 horas eram mais do que suficientes
para aprender a amar!

Sou de uma geração que aprendeu
a amar no escuro.

Por isso, 
somos tão idealistas
somos tão românticos
somos tão solitários! ainda
que acompanhados, estamos
quase sempre sozinhos:

porque nosso elo mais estreito é com o sonho
e não com as pessoas.

Sonhamos acordados, e
Amamos dormindo: 

– a idealização extrema 
dos personagens! 

No inconsciente, estamos de 
mãos dadas a Marlon Brando &
Maria Schneider; 
a Burt Lancaster & Deborah Kerr

e cantamos na chuva
por absoluta busca pelo sublime,
embora ‘sofrer’ por amor aumente as filas
diante das bilheterias.

Final Feliz só interessa nos álbuns
de família! – assim mesmo 
depois de participarmos
de todos os filmes
que a vida tiver nos permitido.

Claro que há exceções: Alguns não se encaixam
a tudo que foi dito; 

E há também os que não gostam de Cinema
e os que desaprenderam a amar assistindo à TV.

 

ALINE YASMIN (1969) poeta capixaba, estudou propaganda e marketing  no Rio de Janeiro e depois filosofia em sua cidade natal. Consultora de projetos culturais e integrados,  trabalha também com caligramas, estilo empregado na mostra Atos Reflexos, em 2004.

 

CANTOS DE MIM

 

Percorro os cantos, atabalhoada
venho de nada pra lugar nenhum
os muros da cidade não me impressionam

Tateio no horizonte um rumo
meio sem prumo, o passeio
a liberdade tem seu preço - 15 reais de taxi
no mais, relaxo na passarela
canto, pio, insinuo uma dança
(e lá vai ela)

O carro define seu trajeto,
serviço objeto da minha autonomia
e o que era longe ficou perto
e que o que agora é perto,
ficou pra trás
nada de menos
nem de mais

A cidade é assim
Cantos apenas em mim
que sem euforia,
nada seriam
senão curvas, retas, setas e afins.

ALTERO MEU RITMO

entre rimas alternadas

ora acelero

e peço pressa

ora - contemplo a madrugada

 

ora - sorrio flutuante

ora - entorno ríspida               alvejante

 

ora - sabia

ora - falante

 

ora eu

ora tu

ora bolas

 

VAZIO

é um nó

é um só bem fundo

 

tem cheiro de festa desfeita

cara amarela

buraco sem rumo

doença sem cura

ferida

loucura

pão velho

sopa estragada

chá com açúcar

roupa jogada

 

esse vazio tão só

tem cara de sol na cabeça

de jardim sem cuidar

e uma dor no peito

rasgando bem devagar

 

tem jeito de gato miando

num velho filme noir

 

QUERO SER FIEL

ao meu pão francês

ao meu português

e minha calça jeans

 

inimamente  lutar contra o efêmero

contra o género de qualquer um

contra o best seller

e a série- banal

contra o rótulo

e a massificação

 

acordar sempre às 7

com o humor habitual

e no mesmo trajeto

retribuir sorrisos e afetos

sem assumir riscos

que mudem meu destino

 

quero ser previsível

como um velho xaxim

 

ROSY FEROS (1971) poeta paulista , é formada em comunicação social. Participou de várias antologias e foi pioneira ao divulgar poemas na rede videotexto brasileira. Publicou o livro Tecendo Diários(2000) premiado no II Concurso Nacional Blocos de Poesia, em 1999.

NÃO SEI DEITAR NADA FORA

não sei deitar nada fora.

guardo tudo deitado,

dentro.

 

afora isto,

durmo encolhida sobre a gaze

de quando nasci.

ou quase.

 

ETERNO GERÚNDIO

meu ser começou a evoluir

muito antes de eu começar a andar.

 

minha história não inicia

no momento em que a começo pensar.

 

meu começo é agora,

embora eu o esteja iniciando há tempos,

pela vida afora.

 

SUJEIRA

meu corpo eu lavo

e assim me dispo

de tudo o que me é afeito

e tudo o que é feito de mim

eu lavo de mim

 

meu corpo eu lavo

e assim me descaso

com a realidade

me descasco em várias metades

sem utilidade

 

meu corpo eu lavo

como me é de hábito

e assim varro de mim

toda a sujeira e toda a escória

toda a história enfim

 

é na sujeira que estão as histórias

e pelo ralo se vão sem demora

tudo aquilo que fiz

tudo o que me fez sentir:

na sujeira está minha memória

 

MEMÓRIAS

memórias não são feitas de plástico,

memórias são feitas de elástico.

 

elas vão e vêm,

ao sabor do vento das lembranças,

como se fossem hoje.

 

perecer é quebrar o elástico.

                              

 


Publicado por Rubens Jardim em 12/03/2014 às 18h19

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