09/04/2014 15h20
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (48ª postagem)
NERCY LUIZA BARBOSA(1960) poeta mattogrossense, formou-se em letras em São Paulo e vive em Rio Branco, no Acre. É professora de língua portuguesa, língua Inglesa e literatura e arte, pela Secretaria de Estado de Educação do Acre e Universidade Federal do Acre. DESDE QUE ME SEI respostas me foram perguntas quando juntas se confundem quero mais do mundo que em mim se fixa como invólucro
quando me vem do centro sou o objeto de pesquisa aquele que enlouquece um pouco o resto do que sou
numa cegueira que não vem dos olhos e sim do não entender visões outras vem de um pisar torto como quem rompe um ligamento e fica manco dos olhos que o pés não têm
EVOLUÇÃO DA FERA Um túnel escuro... Não vejo, rastejo A mão chorando e só Toca a caverna Inventa a vela Do animal que hiberna
Mas nenhuma dor é eterna Nenhuma lágrima é cega Quando chega a luz e revela Que a minha não é tão diferente Ao se choca com ela Ao produzir a sutil penumbra Que somada, iguala Clareia – fica bela
Nenhum escuro é eterno Unido à luz vira fera Luta, agoniza, considera Vence, veste-se de aquarela Brilhante – reluz amarela Se a dor sangra Hoje sei lidar com ela
Abuso do vermelho Pinto nova tela Pois nada supera o dia Invadindo a janela
MARCO 0 eu sabia em algum momento se esvairia de mim a poesia nesse tempo uma aridez profunda me queimaria a alma então eu não mais seria dentro ao avesso
todo sol me queima as vísceras à flor da vida - todos os extremos - ferida agonizo enquanto não me traduzo escrita
O QUE INVENTO Às vezes, a tarde nem corre por aqui
ANGELA CAMPOS (1960) poeta carioca, estudou letras na UFRJ. Já viveu na cidade do México e em Madri. Atualmente morta no Rio de Janeiro. Foi casada com diplomata e publicou Feixe de Lontras, em 1996. O olho da rua entra pela janela embaralha feixes e pestaneja na parede. Meu menino dos olhos brilha.
A pestana que cai é o desejo que voa
ICTO traço a poeira das palavras que me pensam compasso do ócio o osso que rôo até o tutano no aconchego de ninharias chocadeiras
ELO flamboyants no verão da lagoa flambam a primavera de chão pintado consangüínea cadencio montanhas sinto o ar que toca o corpo o tempo todo guincho rubro inflama cor e cheiro nos flancos desfeitos em placas sinto o ar que toca o corpo o tempo todo escorre em vão garras meladas de sobrevivente vexame de abelha o tempo todo
.......................................................................... A letra líquida o húmus da palavra. . palavras são dentes e cabelos . poemas têm pés e mão . à margem a mão coça os pés da página
MARTHA MEDEIROS (1961) poeta gaúcha, cronista e publicitária. Em 1993, após ter publicado 3 livros, Strip-tease(1985),Meia-noite em quadro(1987) e Persona non grata(1991), abandonou a carreira e foi morar no Chile. Ficou por lá oito meses só escrevendo poesia. Alguns livros posteriores: De cara lavada (1995), Poesia Reunida (1998), Geração Bivolt (1995), Topless (1997). nem velas nem molho branco hoje nosso jantar acontece por baixo da mesa
desfias minhas pernas de seda teu beijo promete mais tarde
jogo a toalha de renda no chão me rendo
DE CARA LAVADA 177 hoje me desfiz dos meus bens vendi o sofá cujo tecido desenhei e a mesa de jantar onde fizemos planos
o quadro que fica atrás do bar rifei junto com algumas quinquilharias da época em que nos juntamos
a tevê e o aparelho de som foram adquiridos pela vizinha testemunha do quanto erramos
a cama doei para um asilo sem olhar pra trás e lembrar do que ali inventamos
aquele cinzeiro de cobre foi de brinde com os cristais e as plantas que não regamos
coube tudo num caminhão de mudança até a dor que não soubemos curar mas que um dia vamos
A TODOS... A todos trato muito bem sou cordial, educada, quase sensata, mas nada me dá mais prazer do que ser persona non grata expulsa do paraiso uma mulher sem juízo, que não se comove com nada cruel e refinada que não merece ir pro céu, uma vilã de novela mas bela, e até mesmo culta estranha, com tantos amigos e amada, bem vestida e respeitada aqui entre nós melhor que ser boazinha é não poder ser imitada.
QUEM MORRE? Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca Não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece. Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru. Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos. Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos. Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo. Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar. Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante. Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.
NEUZAMARIA KERNER (19 ) poeta baiana, é professora e membro da Academia de Letras de Ilhéus. Publicou: Fragmentos de cristal, Eu bebi a lua e mantém dois blogs na internet: www.neuzamariakerner.blogspot.com e www.jornadaexistencial.blogspot.com CONSUMAÇÃO Toda vez que sopra o vento Eu e meu pensamento Cavalgamos num momento Ao encontro do amor. Vou arder a noite inteira Nos clarões de uma fogueira E depois de virar brasa, Voltar sozinha pra casa Esfriar e virar pó.
SONHO Quando pistolas virarem braços E balas virarem flores Os pecados serão purgados. Os braços serão como laços, Enfeites de balas-flores E as cores diversas dos braços Esmagarão forte as balas Plantarão firme as flores Repartirão o mel Para deleite dos que teimarem Em fazer poesia.
O QUE ESPERAM DO POETA? para Laura Gomes A partir deste momento está determinado o banimento da palavra pecado.
Proscrita também será a palavra culpa por ser ela causadora de infindável angústia.
O poeta livre da abstinência do que chamam pecado dirá que sonhar não é sua invenção. E então terá a certeza de que o que dele esperam é apenas a sinceridade até na mentira.
POEMA DA FERA A fera não caça a presa que atravessa-lhe inocente o caminho.
Simplesmente ataca a presa que passa e devora os nacos que interessam.
Jibóia num tempo depois sai vagando indiferente até a próxima fome.
Publicado por Rubens Jardim em 09/04/2014 às 15h20
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