Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
28/04/2014 14h30
AS MULHERES POETAS...(49ª postagem)

ADRIANA VERSIANI(1963) poeta mineira, nasceu em Ouro Preto, tem cinco livros publicados. Eis alguns: A física dos Beatles(2005), Contos dos dias(2007) e Livro de Papel(2009). É editora do jornal Dezfaces e integra o conselho editorial da revista de literatura Ato.

 

Um anjo sangra na sacada e ela,

ferida,

mergulha para dentro do sono.

 

Panos para sempre no varal da infância.

CÓDIGO

Perdoe-me por não saber amar em outra língua.

estes versos, que me atravessam como uma rua acidentada, não os explicito.

 

perdoe-me por não saber cantar em outra língua.

estes versos, que me iluminam como as pedras que flatam na rua

acidentada, não os traduzo.

 

perdoe-me por não saber beijar em outra língua.

 

estes versos que se soltam e me encharcam.

VÉU 3

Surpreendo-me, amiga, ao vê-la longeva e lúcida, porque sempre soube em você o sinal de nascença, a infância nos laranjais: marcas de batalha.

Mais perto da palavra, mais próxima da morte.

Sumo: palavraponte para atravessar.

Soco: palavraponte para explodir.

Amiga, ouça-me:

Poesia é a guerra.

BONS AMIGOS

                                                   Transalucinação de uma letra de Amy Winehouse

Eu não posso mais esperar por você

amo quem me odeia e canto

quando preciso voar

Ainda somos bons amigos,certo?

 

Você pressente o risco

Eu me desmancho no ar

Agora você quer um aero plano

enquanto viajo na noite

Continuaremos bons amigos, certo?

 

Você é Stephanie e eu Paulette

Você conhece todas as minhas caras

E é fácil fumar um, esquecer

Nada acontece entre mim e você

 

Nick estava lúcido quando disse:

eu não posso mais, eu não quero mais saber.

Não sei o que você tem por dentro

Como você se sente quando eu transbordo

Mas você é meu melhor amigo, certo?

 

 

Eu não gosto do modo como você diz meu nome

Você está sempre olhando para outro lugar

agora eu quero que você surfe em mim

que nasça das minhas asas

Pois sou sua melhor amiga, certo?

 

Você é Stephanie e eu Paulette

Você conhece todas as minhas caras

E é fácil fumar um, esquecer

Tudo acontece entre mim e você

 

Então nos amamos até as 4 da manhã

e não existe mais ninguém com quem eu queira estar

Agora à tarde sou a seringa e você a droga

Porque somos grandes amigos, certo?

ANA MARIA RAMIRO(1972) poeta paulistana, tradutora, ensaista, é graduada em direito ela USP. Participou de algumas antologias e tem poemas, traduções e ensaios publicados nas revistas Zunái, Germina, Critério e Grumo. Publicou os livros de poemas: Menina-Poesia(1999), Desejos de Gaia(2007) e Fronteiras da Pele (2009).

MEIAS VERDADES

Sândalos e róseos,

os aromas da

conquista,

mas sou dada

a zombarias e

pulo etapas

 

vou logo

aos tapas

 

Odores reais

me fascinam,

livres de máscaras

aromáticas,

águas de cheiro

que não lavam

 

frascos de hipocrisia

 

Abomino personalidades

escondidas sob cremes

anti-sinais.

Fujo de agulhas

que não tecem,

injetam,

e de vontades

que não sejam

minhas

 

Prefiro

o odor natural,

ir direto ao cerne,

sem pudícia

 

(pura malícia)

 

Cara limpa

jogo aberto

aventura

de viver

 

nua e crua

LIÇÃO DO VENTO

Experimentar o vento em nuances é faculdade das mais sábias. O vento tem sabor de palavras dispersas, microcosmos de frases, lâminas em movimento.

 

Entender o que ele diz em rajadas ou através do não-dizer, no silêncio, é tangenciar a linha do tempo, saborear a própria história em doses homeopáticas.

 

Tocar o vento é o mesmo que tocar a luz, sentir o arfar de asas percorrendo o sinuoso caminho alveolar ou compartilhar as reminiscências de um beijo.

 

Alimentar-se de vento não é sexo, nem sombra ou lamento.

 

Viver de vento é permanência.

 

Morrer é pensamento.

 

2. TAUROMAQUIA

                                           a Michel Leiris

 

No oco da boca

paira um segredo mal guardado,

embotado pela fêmea

que o habita.

 

Vórtice semi-cerrado de dentes e lábios,

magna fenda

de um universo a ser tragado,

deglutido

e novamente soerguido,

 

a boca regurgita.

 

Mas a quem caberá o jorro do abate?

Quem vai preparar a ceia do ocaso?

 

No oco da boca

crescem flores de fogo,

mas no fundo do olho

permanece a menina

 

alheia

e em chamas,

 

                   uma menina que grita.

ANDRÉA CATRÓPA (1974), poeta paulistana, é mestre em teoria literária  e uma das editoras do jornal O Casulo, de literatura contemporânea. Foi uma das organizadoras da Antologia Vacamarela 17 poetas brasileiros do XXI (edição dos autores : 2007) e publicou o livro de poemas Mergulho às avessas (2008).

POUR FAIRE LE PORTAIT D’UN POÈME IDEAL

era o alvorecer

e o sol mais intenso

uma paixão de descompasso

as penas as glórias e os sabotadores

da história

a pequenez dos homens altos e a

grandeza das mulheres baixas

o gozo e o riso dos sem dentes

era minha infância tataravós e escola

teus sapatos altos debaixo da cama

varridos junto com o medo

a poeira acumulada

e que sempre retorna

a mônada que nos cabe

certamente tudo que não

este deserto

 

MUSA

fantasma do texto boca da palavra sexo de mulher que fala

serpente que engole a própria cauda

e no branco espalha o gozo

lágrima da tara

 

O SEM-NOME

vermelho-laca com grandes brasas por detrás dos olhos,

os cães ouviram o assobio,

o homem ouviu – lhe disseram é o que anda sem os pés,

o que se esgueira por entre as copas de árvore e não

é cobra – e virá

 

encarnado é texto, oração, pensamento,

 

desencarnado é sangue, suor, frio na espinha, a ameaça

da terra, o chão.

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penumbra o sol

quebra vidraças

sem pedir

licença

 

pequenos cacos de luz

cegam (o cego

pode ver tudo

branco -

 

- essa visão

imaculada do paraíso

parece ser a que mais dói)

 

CARLA DIACOV (1975) de qualquer forma. não me importa tanto ser. e também vou e volto e babo durante. e moro em São Bernardo do Campo e brinquei na praça-dos-meninos. morei a Londrina e ela a mim. fiz teatro e me desfiz. então escrevo e sei que vou, mas volto. de qualquer forma. e

O LIVRO BOM

é lançado e é lido.
foi manuseado, inclusive, na gráfica.
folheado, pelo menos duas ou três vezes, contando com
família, melhor amigo e amante.

ou

de sorte, boa ou não,
também interpretado por pessoas que não compreendem, nem ao
livro e nem ao escritor.

ou melhor;

uns tantos vendidos
como presentes de fim de ano, aos amigos, exatamente,
secretos.

ou tudo e tanto, isso;

e existirá entre todos
um
na cabeceira duma menina estranha
com dedicatória estranha
de estranhas páginas marcadas a dentes
com a última, lastimável ou não, impressa
de ponta-cabeça.

o livro e a menina.
últimos estranhos.

NOSTALGIA PULMONAR

de quais legendas de vividas sestas tiro minha nostalgia?
de quais paisagens e passarinhos
se certos são a morte e a vida

sinto-me vencida 

apaguem as luzes 
quero um filme em modos clássicos, de interpretação dura.

um que eu possa desvalorizar dum tudo na película, exceto a flor.

um no qual o amor seja frio e onde o casal seja raposa e avezinha.

/breve-breve a mentira a me deter rude, porém viva/
apaguem as luzes, Greta Garbo irá morrer.

ACOIMADA ABNEGAÇÃO

abstenho-me

da fumaça nas pontas dos teus dedos

infinitos a mim

abstenho-me

da gentarada no local do crime

estou nua

sou uma esponja ao teu suor perito a mim

abstenho-me da senhora que passa por nós

suspeita em ser

senhora que é

abstenho-me

entretanto

mais ainda, abstenho-me a ser a que traga

algum sentido erótico

a isso que já se resvala a crime de alcunha grossa

fumegante, jantar aberto, sucoso e mudo

como os teus dedos

infinitos e a mim, culpada, execravelmente culpada em,

discretamente, abster-se tão.

PEQUENÍSSIMOS NÓS

não sei me defender das palavras
pequeníssima
não sei implorar pela minha vida
a língua áspera
as pernas moles
o sexo tenso
tomam-me pelos beiços
pela voz acinzentada
violam a tudo que, em mim, tiver razão de ser


Publicado por Rubens Jardim em 28/04/2014 às 14h30

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