07/07/2014 20h06
AS MULHERES POETAS na literatura brasileira (51ª postagem)
BEATRIZ BAJO (1980) poeta paulistana, revisora, tradutora e professora de língua portuguesa e literatura. Publicou A face do fogo (2010), e a A palavra é (2010). Possui um blog na rede (http://lindagraal.blogspot.com/) e divide com Marcelo Ariel a manutenção de Esquina Literária. Morou 17 anos no Rio e vive há 5 em Londrina. POR UM TRIZ quando ele me pega fora de cena escorrego no sol raiado rosa-dos-ventos hasteada leque tremeluzindo tod´água vida é segurar por um triz transversando enfiando e fiando a tração sobre os nós LUX um homem constrói sua mulher pela beira de si, pilares altares de singelezas arquitetados de aleluias
por milênios dentro dos momentos acende colunas e tonifica músculos no peito aberto para o sempre
inventa hélices alianças amálgamas
assim eternamente apalavrados - no franco caminho de seus corpos – despertam a linguagem intraverbal que os ultrapassa:
“nós nos vivemos” O PÃO DA VIDA dias de trigo são mastigados com os dentes insanos das tardes quentes como o despetalar dos ossos, quase roídos, quando, há mais esconderijos do que óculos escuros o olhar é um grão a ser colhido no seio do solo, no sol do futuro
cada mordida no dia transfigura-se em amarelo maduro ………………………………………………………………………………………… dentro de 15h há uma criança que grita dentro de 15h há uma criança que grita, engatinha até a beira da minha saia e arranca-a com seus dentes de leite... precipício de mordiscar anseios encarnados em cada novelo de linha de lã em cada fio de cabelo segredado bebê atrevido de lamber meus seios e cuidar de eu derreter-me por ele permanecer íntegro e carente do que posso oferecer-lhe. Não faço outra coisa senão cuidá-lo para que não se machuque, não vá até a janela sozinho...tenho medo de imaginar suas quedas. seus ruídos e sussurros são inconfundíveis...ele comunica-se naquela língua dos anjos e sou toda trepidação quando o ouço. Ele olha-me com as bilhas do saber anterior...e sacode com os lábios um oráculo de cristal. Ele aperta minhas coxas querendo colo e eu cedo incessantemente. Acho que ele nasceu para morar no que eu sou, toda derramamento...quero alimentá-lo da minha umidade a fim de que ele viva de esquentar os vãos com seus dedos audazes e delicados. E o bebê vem beijando-me com essa maciez, seguindo os passos do que vem chegando... existe falta na imensidão ROBERTA FERRAZ ( 1980 ) poeta paulistana, estudou letras na PUC e história na USP. Publicou em 2003 seu primeiro livro, de contos, Desfiladeiro. É mestre em literatura portuguesa e ganhou em 2008, o prêmio do Programa Nascente da USP, com seu livro de poemas Lacrimatório, Enócoas (2009). Publicou Fio, Fenda e Falésia(2010) em parceria com Érica Zíngano e Renata Huber. RONDÓ DE ABERTURA um molar de saturno, várzea melódica entupindo as tripas, frágua morna da antemanhã – sucessivo lento
molar enfreado, música de tirar casacos das feridas, germes tenros dos defeitos o casto caimento sobre o timo
molar que sulca tua lúcida sorte para contas dizíveis: as cores do chumbo – molar estivador, forja de gatunos atraentes à pedra (do bolso esquerdo) enfiada ao fundo
um molar de saturno – criança te prometem os teus vinte e nove danos SAPHO O meu amor, quando é amor é excesso E morre
Um pé sobre o penhasco abaixo todo o mar centrípeto
sua sombra, volume de pender o fundo vermelhidão e escolha
Expande o delírio feminino ininterrupto o mar de suas mulheres seus ramos do escuro
Entre o lábio e a sola a precisão do penhasco: raja os amores o sexo o manto
meu amor, quando é amor é excesso E morre OFÍCIO MÊNÁDICO I Quando pões-te galgo ininterrupto vigilância do corpo erodindo o corpo teu olhar esférico rodeia meu flanco enxaguado dos tempos tu me banhas rodopiando os quadris siameses e te arranho a órbita dos milagres
então o assomo o nunca pensado chego em teu perto e nos fitamos
quem é esse que é outro que me desce absorto sem ciência conduto doutro corpo ao corpo meu meu horto
então o assombro luminescência do deus?
no teu gozo reconheço-me a outra ainda eu SAPHO A Sophia, à Dora “... e perto dos templos derruídos, a respiração do velho Mar...” (Dora Ferreira da Silva, Hídrias)
Cabeça amendoada inclino-me ao seio festejo silêncio e brecha vento abrindo o véu que o guardava pende o tecido em oferenda e eu inclino-a e acendo um riso ensimesmado
o que perturbaria? o colar de ouro o colo cravejado com juras e sinais a serpente aninhada ao pulso o gesto de estar sedutoramente para dentro sentada neste penhasco e tendo a calda do tecido ventando em mim – o mar satisfeito
com lira ao lado a antiga tartaruga de Hermes o gozo fundo de Apolo, Sapho
faixa nos cabelos, prensas fivelas a deixar livre o pendor de tecer sobre os ombros costas delicadas seios um coração dependurado em cada escuta, e é em ti que movo mar amante
dentro de mim entregue refeito apareço a sorrir – e olho-te não vês que olho
e diretamente só olho a ti
(ao redor da estátua Outra mulher sedenta do contato – primeiros olhos de ressaca – fixa taxativa, a negação aos visitantes: o pólen de guardar o tempo, dentro de caixas brancas e ameaças as substâncias incólumes o interdito do tato a macular as estátuas)
o rosto um triângulo os cabelos trigais adocicados e é em mim que me chamo chamando-te mar amante leda mão absolutamente em concha sabe o fim das pernas coleadas em mel, hastes de vime e vinha, urna ritualística do desejo
ser este poço em perfeita calma culminada de estratégia e de perícia címbalo convulsivo, pedraria alva serpente em riste a untar um pulso antes ou depois de cantar antes ou depois que cante canto azul marinho, pinheirais, distância e clara
repousa a natureza a satisfazer-me em sono
repleta de iguarias o olhar marmóreo o busto ao contrapelo do tangível lira cornucópia de um couro exposto e esconso feito para ti e de ti oculto
são sete as cordas da lira e o labirinto no casco que o colcheio do som abriga
invento um rio com apenas este gesto uma inclinação de cabeça, um Tejo este aprumo de puro arder
estrondo mortalmente silencioso dedico-te ou me olho ao busto meu levemente ácido no vento alto desta falésia não saberás?
tem ainda a lira Dioniso seus cachos rugidos escorrendo pela lateral do leste
ergue firme mão direita e circunda a taça a qualquer imagem que voe e agrada sentar-se ali nos despojos de uma cria de pantera, homens e mares junto à mão, a taça à cintura, dentro dela bebendo o pássaro entusiasmado
é esta a pureza das pombas
curvar-se alta para o poço do que impele Baco atrás de ti, Sapho de mim, à frente desmembrada a querela dos triângulos nas noites quentes longas afiadas nus em bosque indistinto e sagradas
a taça de Dioniso o ventre de Sapho a lira de uma noite inquebrantável
protejo, projeto, não saberás se ajeito os olhos no colo do firmamento ou se fito quão longe do mar o repouso agitado de teus membros
não saberás, tenho os olhos claros
e este declive em minha face
enlaça dedicada maneira de entoar a lira com a lira deitada ao lado ROBERTA TOSTES DANIEL (1981) poeta carioca, tem poemas publicados nas revistas eletrônicas Mallarmargens, Zunái, Musa Rara, Diversos Afins, além de blogs e no site do Centro Cultural São Paulo. Incluída nas antologias: Desvio para o Vermelho, Amar, verbo atemporal e História Íntima da Leitura. pão cego da poesia - mastigo o ermo das palavras ANÍMICO ANIMAL Petrificado pelas sensações. Um bicho. Transmuta Dor de si. Calcário, Prende no rosto da rocha Um reino de pesar. Pensa Sob seu magma, sente A poeira nas formas: Sedimentária magia. Requenta um passado De fome. Um nome Sublima a meninice do homem. O anímico animal crava os dentes No sangue da rosa. O peito Como o diabo gosta: Santa candeia de artérias. Um servo: de querer bem ao corpo; Um passo: rumo a tudo que varre; Um sopro: de abismo e de glória. Poente, um deus que venta o rio. Senhor de fogo, de frio, Ferve o eterno. Verve do querer. ………………………………………………………………………….. o medo entrará em nossa casa VIGÉSIMO ANDAR Tenho dias de ficar entorpecida com as montanhas, em parte alguma. Alargada pelas florestas, onde a verticalidade sem pés nem asas pela chacina o alto, sem confidências. ELISA ANDRADE BUZZO(1981) poeta paulistana, é formada em jornalismo pela ECA, com especializações em edição de livros e jornalismo literário. Se lá no sol (2005) foi seu livro de estréia. Em seguida, participou de antologias no Brasil e no exterior. Trabalhou na Radiobrás, revista Cult, edição brasileira do Le Monde diplomatique. Seu último livro, Vário Som, foi finalista do Prêmio Jabuti. nas malocas no cais sodré faltam reboco e corti- nado sobeja amor pombas fofocam a vida por detrás dos vidros das alturas me contam as novidades elogio a beleza de suas penas verdes rubras as patas flexionadas sentinelas tão se- guras de si não jogo tranças nem alpiste como esta grade é baixa vertigens acometem quem se aproxima demais do abismo AMÉRICA É preciso amar rapidamente ler todos os livros interessantes pintar os quadros com urgência transformar toda farinha em pão registrar todos os sentimentos
antes que as cabeças sejam cortadas. CIDADE ÁCIDA palco de horrores e amores solmáforo acusando:
raios peligrosamente UV
(perigo! perigo! peles brancas e azuis)
olhos fechados a luz não queima
atravessa
cidade ácida vem me incendiar CARPE DIEM Guardarei meu dinheiro Comprarei roupas caras Comerei camarão Estalarei meus dentes Mentirei vez ou outra Baterei por prazer Trairei em lençóis brancos
Aceitarei comissão Comerei caviar Ganharei notas verdes jogos, dados vermelhos Pagarei por vestidos cada vez mais vazios
Quantitativamente cumularei arrobas engolirei peixes frágeis com serena feição, discursos inflamados
Esmagarei um pássaro contra minhas mãos duras Cantarei como um bardo falsas canções de amor
Tomarei vitaminas maquiarei rugas, marcas vida desenxabida
lenço sujo a torcer Sujarei camas vazias
Traindo a mim mesmo. Publicado por Rubens Jardim em 07/07/2014 às 20h06
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