Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
07/08/2014 13h03
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (52ª POSTAGEM)

CLEVANE PESSOA (1947) poeta potiguar, psicóloga e jornalista. Trabalhou na imprensa de Juiz de Fora, nos anos de chumbo da ditadura, mantendo a página Gente, Letras & Artes e a coluna diária Clevane Comenta. Já viveu em Belo Horizonte, São Luiz, São Paulo e Belém. Publicou vários livros de poemas: Asas de Água, Partes de Mim, Olhares teares,saberes e Erotíssima são alguns títulos.

CICLO

A fonte murmurante

O rio rumoroso

A cachoeira barulhenta

Todos errantes,

Participantes de uma orquestra

Cujo regente

Fica invisível à luz dos dias,

Oculto à luz do luar,

Torna-se dourado junto às luas claras...

Mais tarde, serão

Garoa

Neblina

Orvalho pranto:

Sutis presenças

Com lições de umidade,

De humildade,

De humanidade...

 

PREDIÇÃO

 O tempo é mesmo

esse contraste:

escorre entre a morte e a vida,

entre o ancestral e o devir.

Ascendentes e descendentes

Repetem-se

Ou

Transformam-se.

Os traços hereditários

Luzem na escuridão.

Os mutantes

Desafiam leis.

 

As novas crianças nascerão cantando.

 

THEORGASMIA

Desnuda parte do corpo, parte a alma

E oferece a Marte, o espelho de Vênus,

Onde observa a arte dos seios plenos

Bela, curiosa, intimorata e calma...

Em breve, dois deuses nus,

Deu-se o fato, o olfato se aprofunda,

A vulva, a pélvis, as nádegas,

O falo, o talo, a flor profunda.

Deus goza, enquanto, voyeur

De tempos imemoriais,

Interpreta todos os sinais.

E o esperma divino banha o casal,

Agora incapaz de distinguir o Bem do Mal.

 

SOB O SOL, DESPETALA-SE MAIS UM BRASILEIRO...

De frente para o Ministério das Minas e Energia, Eudes do Carmo Pereira da Silva pede uma vaga de emprego aos parlamentares e empresários que ali passavam, saindo da Aneel, na posse do novo Diretor da mesma.

Desempregado

despetalado (de si),

desarticulado(do sistema)

desacreditado (pela família)

o homem está

desesperado

não é mais esperado

para a sopa cotidiana,

para o corpo bem amado,

para o papo animado...

Eudes, prenome de herdeiro real,

submete-se à humilhação de pedir emprego

num cartaz cheio de erros de português.

Não foi bem educado.

Não possui poupança,

esse homem que já foi criança

e acreditou em seu país...

Que nos diz

a expressão desse homem em pé,

pousando para alguém, por uma fração

de segundo, esperançado?

Sua fração de minuto de glória

termina rapidamente.

No calor do veranico, um homem chamado Eudes,

(qual o descendente do imperador,

um dos De Orleans e Bragança),

com esse sobrenome que dá no Brasil

como banana em penca,

“Pereira da Silva”,

de sol tisnado

e totalmente cansado,

talvez com os pés inchados

 de muito caminhar

para lá, para cá,

aperta os olhos marejados

e em Brasília nem tem mar...

Será que nasceu dia de Nossa Senhora do Carmo, num dia 16 de julho?

Será que a mãe fez promessa

para que nascesse, ou quando nasceu?

Esse homem,com cara de honesto, escreve errado

mas tem um desejo certo:

quer trabalhar...

Quando será que vai começar o “desemprego Zero”?

Empregado, o brasileiro

teria fome?

Só se fosse de amor...

A pátriaindamadabrasil,

está cheia

de Eudes do Carmo...

Semi-analfabetos

famintos,

desestruturados,

das famílias separados,

“arrazarados”...

Enquanto isso, em Brasília,

“parlamentares e empresários

saíam da Aneel”.

Fazia sol de verão.

O homem desempregado suava.

Eles também, sob os ternos eternos

e as gravatas

que enforcam... Mas, enforcado

sem gravata alguma,

estava o homem sem emprego,

Eudes do Carmo.

Por ele, me armo

inutilmente embora, de Poesia,

pois os poetas também não são mais ouvidos...

ROSANA PICCOLO (1955) é poeta paulistana, formada em filosofia pela USP e em jornalismo pela Casper Líbero. Atua em publicidade. Estreou em 1999, com o livro de poemas em prosa Ruelas Profanas, seguido por Meio-Fio, Sopro de Vitrines e Refrão de Fuligem. Participou das antologias Paixão por São Paulo e Roteiro da Poesia Brasileira – Anos 90, além de revistas literárias, como Zunái, Mallarmargens, Alguma Poesia, Zona da Palavra, entre outros.

ESCULTURA VIVA

previsível bailarina

torneada pela brisa

 

sapatilhas

dois piões acetinados

giram por qualquer trocado

 

um segundo

e ao encanto retornam

 

tendões de mármore branco

 

ela

ou as águas do lago

 

sem cílios

 

nem cigarros da neblina

 

onde dorme o cisne

MALLEUS ARBORIBUS

Em torno de meia hora. Basta a pétala do fósforo, bolhas na pele.

Tudo começa no cio do archote, basta a árvore. Raízes como artelhos retorcidos, donde partem as chamas, e apressadas, e rumo à coroa de plumas acesas.

Mau pressentimento na dormência da semente, sardas do fogo. Na língua das folhas a praga obscena e um surto de gritos. Irritam-se os dedos volúveis da fumaça. Formam pentes, pentagramas, gatos negros indolentes sobre a queimadura das copas.

Ela tem poderes e poções – é o que dizem. Faz do galho ressequido a vassoura apavorante – ou bonecas alfinetadas. Dizem guardar o livro das sombras, chamuscado por faísca de um halo de punhais. Alumiam demônios, fugitivos da mata vestida em labaredas, como uma bruxa queimada.

CURSO NOTURNO

Derrame de ruazinhas, cheirando à erva perto dos botecos, dá na porta de uma escola. Nela existe um corredor, cego de fumaça, há uma sala de aula. A luz denuncia a goteira no teto. E se acaba sobre a lousa, difícil de se ler.

Tomadas várias queimaram. E a aula de inglês calou músicas. É junho. Faz frio. Sabe-se de quem tomou caderno no meio da orelha. Dos dedos da mão, quebrados, quando esse alguém revidou.

Ruazinhas de perifa, cheirando à cola e cigarro, dão no pátio de uma escola. Nos intervalos, emergem coreografias, sonha-se ser rapper, vocalista de pagode – passam duas meninas grávidas.

É junho. Faz frio. Outra bomba explode. Muitos se encolhem na sala de história. Onde a vidraça é partida, e a porta não fecha, há uma corrente irascível de ar. Sabe-se de alguém que levou bala na garupa de uma Honda, vacilou. Sabe-se do preço de um calibre 22, faz frio.

A chamada se interrompe. É junho, outro apagão. Há quem faça striptease, há quem imite cachorro, há quem suspenda o resto das aulas. Ruazinhas escuras, cheirando a perfume e pó, alunos saem – lembram bem ratazanas, netas da noite, roendo a cara de susto da lua.

PINÇAS DA MORTE

Quando olhei o mundo lá de cima, vi um terrível caranguejo.

As patas luziam como metralhadoras, cresciam

e cresciam e cada uma disparando

6.000 relâmpagos ________ por minuto.

Ardia na carapaça uma estrela de Davi. Deformada, é verdade

(o peso das quelas vermelhas de fogo)

 

Esmagaram duas cidades ________

mulheres lavavam panelas, crianças sujavam os pés na rua________

os velhos colavam o ouvido numa rádio reticente

para se deitar depois

à luz de velas usadas, duas cidades

 

do cedro vi queimada a semente, com a roupa rasgada

partirem anjos tal flocos de neve

os pássaros debandaram ________

 

menos a dor

pombo retraído sem uma das asas

esse ficou

SUZANA VARGAS (1955) poeta gaúcha, autora de literatura infantil e ensaísta, possui 16 livros publicados. Ativista cultural, criou o projeto Rodas de Leitura, pioneiro no Brasil e a Estação das Letras, oficinas de leitura e escrita, que coordena e dirige. É mestre em teoria literária e tem poemas traduzidos na Itália, nos Estados Unidos e na Argentina. Entre seus livros de poemas, destacamos: Sombras Chinesas (1990), Caderno de Outono (1998) e O Amor é Vermelho (2005)

MOMENTO

Santos

todos os mistérios da casa.

 

Entre a chuva e o resto de feijão

na vasilha

escrevo um verso.

 

No minuto a seguir tem o emprego

a cidade, seus ritos,

tem mais:

Uma vontade danada de ficar por aqui.

 

O escritório é uma bateria

de burocracias:

Tem o escriba sério

de capa e guarda-chuva

mais um milhão de livros.

 

...Só que estou interessada

em outras coisas:

acertar o ponto do arroz,

por exemplo

 

e nem uma biblioteca inteira vai me dizer como é.

A CASA

Não só digo adeus

aos teus dois quartos

a sala ampla

a uma rede sonhada na janela

 

Digo adeus aos teus cheiros

a estas baratas

que vez por outra te rondaram.

 

Campainhas, telefones,

brigas e remédios ficarão para trás

além dos sustos.

 

E digo adeus aos fantasmas

que te cercam

Também aos teus arbustos.

 

E quando uma volta na chave

te fizer silêncio

Digo adeus aos teus ruídos

peregrinos

              ecos

 

Movimentos mais amenos

                                       do tempo.

ORTOPÉDICA

Nada como não ter pés

Para valorizar sapatos.

 

Já sei que não é novo:

o provérbio é mais ou menos

chinês,

e mais ou menos

meu

 

Descobri caminhando

BANDAID

Moça debruçada na janela,

como é bonito vê-la através

de tantos carros passeando na avenida,

e tendo ao fundo a luz mortiça

de desbotadas paredes

onde repousam tantos tesouros

do tempo - a velha foto da avó -

um poster da seleção,

 ainda com Garrincha

 

Você se recosta

e equilibra

toda a loucura do universo

num só braço

o outro cruza

em direção às flores mortas

de um vaso alto e antigo,

desejoso de festas.

 

O sobrado se desgasta,

alguns musgos

o guardam.

No alto,

em letras ancestrais, está escrito - HOTEL -

e quase opacas.

Em baixo,

o luminoso

onde se lê - farmácia -

 

Fique aí,

fixe aí, você

que não sei de onde vem,

que não sabe onde está,

de quem desconheço a história

Mas que pertence ao sobrado,

ao Estado,

ao país.

Longos cabelos negros,

os pensamentos tão longos

presos nos carros que passam - Fique -

com seu bisavô na parede,

a tinta rosa mofando seus vitrais.

 

Enquanto logo abaixo

dos pêlos do seu braço,

o luminoso pisca

pisca e pisca,

Ainda dentro deste século.

REGINA MELLO (1959) poeta mineira e artista plástica, vive e trabalha em Belo Horizonte. Com perfil multidisciplinar, realizou 63 exposições individuais e coletivas, nacionais e internacionais. Publicou dois livros/escultura de poesia Livro de Vidro I e II (2004/2005). É autora dos livros de poema Cinquenta (2010), e Passos Partidos. Fundadora e diretora do Museu Nacional da Poesia – MUNAP, desde 2006. Curadora e idealizadora dos projetos: Galeria da Árvore, Sementes de Poesia, Ecolivro Brasil, entre outros.

Tem formigas andando no céu

Estrelas brilhando no chão

Se você pisca não vê

Se você fica não lê

 

São bolhas de sabão ao léu

Vidros quebrados em vão

Pisca e lê

Fica e vê

As formigas agora voam

REICHSTAG

Com um olhar tétrico

Prateado

O mundo e eu

Contemplamos

Um deus todo poderoso

Criado por Christo

..............................................................................

 

Condicionados

a rótulos

bulas

guias

mapas

cadastros

etiquetas

manuais

listas

regras

gráficos

catálogos

leis

instruções...

onde fica nossa liberdade de pensamento?

VITÓRIA DE SAMOTRÁCIA

Desconectada

Parada

Armada

Magoada

 

Desesperada

Privada

Amada

Machucada

 

Disparada

Pesada

Adorada

Mirada

 

Desligada

Pirada

Atirada

Melindrada

 


Publicado por Rubens Jardim em 07/08/2014 às 13h03

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