Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
11/09/2014 21h38
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (53ª POSTAGEM)

MARIA JOSÉ GIGLIO (1933) poeta paulista, publicou em sua trajetória de mais de 50 anos de poesia quase 20 livros. Versos a um Polichinelo (1958) registra a sua estréia. Participou de antologias e foi traduzida para o italiano, espanhol, inglês, francês e até hungaro. Ativista literária, organizou eventos, criou prêmios e fundou a casa do escritor(1982) em São Roque.  Outros livros da autora:  Labirinto(1964), 5 Elegias( 1972), Salmos abstratos(1974) e Não(1986).

OPUS VI

Ouço trovões como tubas

alardeando a chuva

 

Ouço glicínias

glissando

no terraço

 

e a natureza assente

ao drama de si mesma.

 

Ouço o silêncio do mundo.

 

OPUS XVII

Toca a vespa

no vidro fixo da janela

uma fuga impossível.

 

Rascante rumor de patas

na transparência falsa.

 

Escala repetida

sem escape ou pausa.

 

Em surdina

agora inútil

o par de asas.

FLASHE 12

Vazio e forma se equivalem.

Não falo de contornos
de pausas
mas de ausência.

Da paisagem engolfada
na garoa densa.

Do mundo inconsistente
que amarro em signos

quando também estou
em suspense
e para outro visor
inexisto.

IV
Planto três SSS

no limiar deste OUTONO

apesar da terra árida

e o tempo escasso.

 

Estação das cigarras

da carnação dos frutos

do afã dos casulos

sob as folhas ásperas.

 

Intermezzo

que fecha o ciclo, e reinicia.

 

No monturo

dos anos gastos

viceja, sim, rasteira

a melancolia.

MARINA COLASANTI (1937) poeta ítalo-brasileira, jornalista, escritora, roteirista e artista plástica. Recebeu quatro prêmios Jabutii: ­poesia, crônica e literatura infantil. O primeiro livro de poesia é Cada Bicho seu Capricho (1992).Na sequência vieram muitos outros: de contos, crônicas e de poesia infantil. Um dos mais recentes é Passageira em Trânsito (2009).

ANTES QUE

Preciso ler um bom poema antes

de dormir

antes que a noite escorra o

diário inventário das lembranças

antes que o sono cale a boca e olhar, antes

que o prumo caia

horizontal.

Preciso ler um bom poema antes

que seja tarde

que fique escuro

que chegue o frio.

Ler um bom poema

antes que a morte venha

e escreva o seu.

 

SEXTA-FEIRA À NOITE

Sexta-feira à noite

os homens acariciam o clitóris das esposas

com dedos molhados de saliva.

O mesmo gesto com que todos os dias

contam dinheiro papéis documentos

e folheiam nas revistas

a vida dos seus ídolos.

 

Sexta-feira à noite

os homens penetram suas esposas

com tédio e pênis.

O mesmo tédio com que todos os dias

enfiam o carro na garagem

o dedo no nariz

e metem a mão no bolso

para coçar o saco.

 

Sexta-feira à noite

os homens ressonam de borco

enquanto as mulheres no escuro

encaram seu destino

e sonham com o príncipe encantado.

 

PORTA DO ARMÁRIO ABERTA

Abro a porta do armário

como abro um diário,

a minha vida ali

dependurada

meu frusto cotidiano

sem segredos

intimidade exposta

que os botões não defendem

nem se veda nos bolsos,

espelho mais real que todo espelho

entregando à devassa

as medidas do corpo.

 

Armário

tabernáculo do quarto

que abro de manhã

como à janela

para sagrar o ritual do dia.

Sala de Barba Azul

coalhada de pingentes

longas saias e véus

emaranhados sem que sangue goteje.

Corpos decapitados

ausentes minhas mãos

dos murchos braços.

 

Do armário minhas roupas

me perseguem

como baú de herança ou

maldição.

Peles minhas pendentes

em repouso

silenciosas guardiãs

dos meus perfumes

tessituras de mim

mais delicadas

que a luz desbota

que o tempo gasta

que a traça rói

ainda assim durarão nos seus cabides

muito mais do que eu sobre meus ossos.

 

Nenhuma levarei.

Irei despida

deixando atrás de mim

a porta aberta.

 

A PAIXÃO DE SUA VIDA

Amava a morte

Mas não era correspondido

Tomou veneno

Atirou-se de pontes

Aspirou gás

Ela sempre ela o rejeitava

Recusando-lhe o abraço

 

Quando finalmente desistiu da paixão

Entregando-se à vida

A morte, enciumada

Estourou-lhe o peito

 

LILIAN GATTAZ(       ) poeta paulista, é psicanalista e contista. Seu livro  Mar de Dentro foi contemplado com o Proac na categoria revelação de autor inédito. Já teve poemas e contos premiados e já foi publicada na Europa e nos Estados Unidos.

DESISTÊNCIA

na ressaca de si mesmo

navegou até o final

e pulou horizonte abaixo

 

QUIMERA

todo cais

é uma alameda

de concreto vazado

que sempre me leva

para onde nunca vou.

 

DA FUGA DAS PALAVRAS

bem que eu queria te falar

que ainda deita comigo

o gosto acre da tua boca

e que a lembrança dos teus olhos

é o que fecha os meus

mas é bem aí que as palavras fogem

e às vezes

elas fogem para sempre.

 

boa noite,

volto ao encontro da memória.

 

P A U S A

paralisa o toque

ou toca Para  Elisa - ou para mim -

 

toca para mim teu toque doce

e trina em mim teus dedos ritmados

articula meu pneuma acelerado

 e me interpreta :

corpo da tua musicalidade inacabada

 

determina no teu passo meu compasso

que eu me cronometro no teu tempo

e na tua intensidade me penetro

e faço da tua pausa meu silêncio,

 

arranca do meu corpo já tocado

o som que esse meu corpo possa ter

e tem de haver nesse meu corpo arrepiado

o som exato para o teu excitamento

 

faço do meu corpo teu teclado

pra que toques na verdade que ele tem

e se a clareza do marfim te polariza

paralisa esse teu toque simplesmente

ou toca para Elisa - ainda que doa.

 

SU ANGELOTE(1957) poeta pernambucana, cursou Letras na Universidade  Católica de Pernambuco. Já escreveu romances, O Cruzeiro da Morte e Vidas em Conflito. É ativista cultural e contadora de histórias para crianças, levando a leitura para comunidades carentes. Seu livro de poemas ,Erótika(2008) já está em segunda edição.

GOZO
Cama vazia
Nenhuma calmaria
Tu me traia.

HAIKAI 2
O sol brilha
A noite emudece
Minha vida resplandece.

A FLOR DA PELE

Gemidos sem dores
Arfares de gula
Sem falso pudores.

PENSAMENTO IV
De todas as farsas que me transformo
Prefiro a poetisa
Que ama o desconhecido
Acata o impossível
E nunca teme o inevitável.

 


Publicado por Rubens Jardim em 11/09/2014 às 21h38

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