Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
28/10/2014 13h06
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA(55ª postagem)

LUIZA OLIVEIRA (      ) ,poeta baiana, advogada, atriz, bailarina e socióloga. No teatro, já trabalhou com diretores como Antunes Filho e Naum Alves de Souza. Em 2011 lançou seu primeiro livro de poesias, Afetos Transgressores. O segundo, que deve se chamar Da menina que virou bicho está em fase de negociação com editoras. Luiza vive em São Paulo.

SEM GARANTIAS

pescoço duro

febres amarelas

sem dinheiro no bolso

amarga o dia que chega

 

roleta russa

e os meninos despencam dos morros

mato o jacaré

engulo o leãozinho

 

e sou fuzilado em praça pública

 

AMO...

Amo os loucos em suas santidades petrificadas, submersos em mistérios e alucinações.

Primitivos, inocentes, sem as cabeças amordaçadas.

Desfilam em pontes esgarçadas, sem egos.

Como meros figurantes num mundo

de estrelas obscuras, decadentes.

Em seu vazio ensurdecedor, batem asas salpicadas de louvor.

Mágicos da realidade, metamorfoseiam suas dores obscuras em espasmos solitários, dormem em berços enferrujados da hostilidade e do inconformismo.

 

Amo os inseguros, os deprimidos, os anoréxicos, os medrosos

[perdedores, fracos...

Enfim, os que não se compactuam com o brilho efêmero,

não se deslumbram com as luzes da ribalta, ficam no seu canto,

[em sussurros e meditação... únicos!

Em suas dores! Sem o vômito azedo do social...

Despedidos das luzes da ribalta, se encaminham para a

[cachoeira dos solitários,

em busca do banho da individuação...

Sem persona, sem caricaturas, se espremem na dor,

para irrigar o inusitado do acaso,

buscando intensidades que se cruzam no acontecer.

 

Amo a vida. Na sua androginia e bipolaridade... em todas as

[suas intensidades.

No seu frenesi orgiástico, em seus fluxos insanos e desdita, em sua desesperança e ócio, em sua magia e desencanto,

em suas disfunções, na sua escassez de vitórias e em amargas

[derrotas,

nos seus surtos psicodélicos, em sua desesperança e

[ambiguidade,

com todas as suas nuances e matizes, como ramalhetes de

[flores desfeitos.

Na sua cumplicidade e desafetos, com seus enigmas e embates, amo sobretudo, pela sua finitude e infinita generosidade.

 

VIRA-LATA

Chega

das caretices e dos puxa saquismos

das divindades caídas

dos reinos unidos fragmentados

dessa porra desse computador

 

Ai que saudades

 

das simplicidades sem vistorias

de águas paradas, porém,

livres e libertas

da negra do cachimbo

do sertão agreste

sem veredas

das tabernas

de Máximo Gorki

 

da merda sem parasitas

do homem

do humano

que escarrou e sujou o tempo

embaçou os vidros

com seu hálito fétido

 

medidas inexpressivas

fazem

essa espécie híbrida,

incapaz, sonolenta,

sorrir.

com seus dentes amarelados, cheio de cáries...

 

eu vou pra Tucumã

aliciar meus tormentos

dormir com as cabras

e fuder com os jumentos

 

O LEGADO DE MEU PAI

um canivete

uma calçadeira

e uma caixa de moedas antigas

 

um sonho

 

no boteco,

o seu truco

com amigos em boemias

 

seu brilho no jogo de bilhar

sua integridade

e seus bigodes a la Bievenido Granda

 

seus sapatos engrachados

suas gravatas listradas

e sua amorosidade ímpar

 

simplicidade, humanidade

trejeitos no caminhar

suas costas arcadas

 

pai! pai!

eu estou aqui

 

visto sua camisa e me sinto acolhida

em seu abraço e sua candura

TELMA SCHERER (1979 ) poeta gaúcha, é mestra em literatura e graduada em filosofia. Atua nas áreas de formação de escritores, criação literária e performance com adultos e crianças. Coordenou o Espaço Educativo da 6ª Bienal do Mercosul. Com o grupo Teia de Poesia, realiza saraus e oficinas de literatura. Publicou Desconjunto (2002),Rumor da Casa(2008) e Depois da Água (2014).Vive em Florianópolis.

Onisciente quer dizer: aquele que sabe a ciência

de olhar no escuro.

Escuro de brumas divisórias, escuro da sombra.

Seta que reluz pra dentro.

O gozo de se ver nesse espelhjo turvo.

E ser sem saber, prque é tateando que se conhece

um nascer para saber ter sido. Então clareira.

Onisciente quer dizer; nunca esbarrar com uma porta.

Abri-la.

NÃO SOU CATÓLICA

Minha alma vem de outros ancestrais.

E são tais, os meus companheiros,

que não nos dizemos nada.

Nem ais, nem mágoas,

nem vaidades e nem anseios.

Entendemo-nos.

Bater portas, fazer gritos,

verter brita no fundo dos olhos,

isso não é comigo.

Não sou católica,

mas minha alma é cheia de Palavras.

São elas que brilham

depois da escavação.

Estar certo

não adianta nada.

Escavem o certo e o errado,

mesquinhos aos olhos de Deus.

Deus esquece das mágoas vãs.

Porque Deus é maior que o mundo,

e menor.

Ele sabe de toda a história.

Não precisa contar piadas.

Deus não precisa

levantar a voz.

 

FRANCIS E A FUGA

carrego a pedra de gelo, o paralelepípedo, quase todos os dias.

só não sou sincera em momentos de diversão

quando juntos

difundimos os papeis, partilhamos as publicações,

damos pulos no vácuo. durante o resto do tempo

sou fria como linhas sobre linhas sobre linhas

quase sem espaço em branco.

são absurdos os abusos desses ângulos retos

a levar pelas calçadas muito comportadamente.

francis propõe a fuga pela frase: tudo é ensaio, e às vezes conduzir a nada

é que é um algo.

faço tanto e tento tudo

justo

porque os tornados me coabitam

e não fujo

................................................................................................................

um aperto de hora e meia

pode ser dia inteiro

 

o sol se intermezza

só nos meios

 

só quem se interessa

está inteiro

 

onde tanto dentro se desmorona

ao mínimo vento

ALESSANDRA CANTERO(1980) poeta paulista, (nasceu em São Vicente), é  licenciada em letras pela Universidade Paulista con Máster em Filologia Hispânica pela Universidade de Sevilha, Espanha. Publicou o livro de poesia Deslocamentos Líricos (2012).

sob o peito

sombra

um som

ínfimo

fissurando ao

infinito gelo

dum azul distante

e marinho

depois de um tempo de mar

anzol é âncora

 

ARGAMASSA

pedra

sobre

lado a lado

pedra

entalhe desigual

atrito

ruído

encaixe à força

de conflito

sobre, sob

lado a lado

frente a frente

pedras

queda livre

noit solta

castelo construído

pedras firmes

frágeis como vidro

 

ALZHEIMER

a casa

envelheceu

 

era imensa qdo pequena

 

agora não tem cabimento

 

é toda estreitura

e pó

 

mas foi sim, um dia,

e eu me lembro

 

a casa

com todos dentro

da minha vó

.................................................................................

útil para o desuso

eu

ñ conservo o pote vazio

bonito

do iogurte recém consumido

me recuso a reutilizar

 

eu ñ reciclo o lixo

eu me reduzo

a cultivar sicômoros

 

eu ñ aguardo

eu me recluso em meio a versos livres

sem socialidades

dialogo com o escuro sujo

do mundo

perecível sem consertvantes

inaproveitável para a próxima

e mais perene

geração futura

com a qual ñ contribuo

 

pq me salvo

como rascunho

 ANGELA CASTELO BRANCO (1977) mora em São Paulo, é mestre em Educação e membro do Atelier do Centro- SP (espaço interdisciplinar de formação em arte), atua na formação de educadores e artistas. Publicou 3 livros “Orações” (2008) “Oferenda” (2008) e “O que digo, O que me diz” (2009). Desenvolveu a Bolsa de Criação Literária Funarte em 2011. Foi contemplada pelo Proac 2011 de Publicação de Livros pela Secretaria Estadual de Cultura.

uma palavra em

baixo da

outra

 

página

a

página

 

aos poucos a

parte de cima

distancia-se

da parte de

baixo

 

verticaliza-se

a fala

o pensamento

-ascese-

 

e o sonho corre solto nos braços da horizontalidade

 

4.

Do Inabordável

eu já era

Nos alicerces da casa de batismo

Na maçaneta que destravava os dias

a procura pelo fio

— o desejo de amar o mundo —

5.

Da acídia

na encosta da  mulher

fios desencapados soldam  a ligadura

Destravo a fome e o fogo se instala em carne viva

sou beirada

 

ESFORÇO

Saber o tamanho de um pássaro disponível

andar sob a linha de pesca

deitar os olhos nas larvas que se enrolam

e o que se tem

 

Adequar o vestido para a ocasião de nascer

Nascer agora, sob uma espécie de ventania

Empurrando os mortos para os muros, murmúrios

 

Ócio divino do existir

Estudo as horas que se cercam de círculos

Ando com o pó de flor cingindo as ruas

e sei como duas orelhas se tocam no amor

 

Era por minha conta: raspar os restos de uma fome real e devolver no cio

qualquer prato de abelha quente

 


Publicado por Rubens Jardim em 28/10/2014 às 13h06

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