30/01/2015 01h34
AS MULHERES POETAS...(57ª POSTAGEM)
ANA RUSCHE (1979) poeta paulistana, formada em letras e direito pela Universidade de São Paulo. É mestre em direito internacional e doutoranda em estudos lingüísticos e literários em Inglês, ambos pela USP. Publicou os livros Rasgada (2005), Sarabanda (2007) e Nós que Adoramos um Documentário (2010). pq se vc tem o coração de osso o meu é de carne e sangue e se vc tem receio de te roubarem um rim azar pq tenho é dois e eu vou cavalgar vou cavalgar nos relinchos sem focinho pq a noite é monstra é ruminante é soturna e está bem longe de acabar
ANORÉXICAS emagrecer extirpar a última gordura, devolver as costelas emprestadas e desintegrar-se em luz.
OS PAPÉIS e assim ficamos como tudo, como sempre esse ever unfinished business sem a coragem dum chefe da máfia pra te aprontar na rua as vias de facto como tudo e como sempre with so much love esse isso tão difícil, a kind of rush um compromisso com algo mais terrível do que o amor o arrastado passar dos dias
O CORPO É UM CORPO o corpo é um campo de batalha se diz faca diz faça se diz toque diz toca esconde encolhe esconde meu campo é um campo de batalha de apanhadores e quando se dirá amanhecer flauta águas-vivas líquens piratas areia quente e cavalos grávidos de mar? : mais que nada se dirá quando um corpo for um corpo um corpo for um corpo um corpo é um corpo um corpo é um corpo BRUNA BEBER (1984) poeta carioca, nascida em Duque de Caxias e morando em São João do Meriti, sempre afastada dos centros do Rio. Desde 2007 vive em São Paulo. Publicou quatro livros de poemas:A fila sem fim dos demônios descontentes (2006), Balés(2009) , Rapapés & apupos (2010) e Rua da Padaria(2013). SAISON EM ENFER mlle verlaine vai com estranhos como vão as crianças
perturbar os médicos para saber o que é um estetoscópio
mlle verlaine me ama infinito como amam as crianças
mas não quer me ver nem pintado de Londres em 1872
quer me ver dormindo doce debaixo da terra.
NEIGHBORHOODS se o mundo não fosse esse aterro de máquinas barbas pilhas
débitos prazos e canetas marca-texto
medos dúvidas e embalagens tetrapak
se o mundo não fosse um aterro de babacas ou se o mundo não fosse um abrangente e resumido aterro de sinônimos
e se essa rua se essa rua fosse tua eu ia me mudar pra lá.
LUDIBRIO vou enterrar cada parte junto ao rasto impreciso dos mínimos sinais
e sobre cada indício construir um cemitério de notícias
qualquer dia apareça de surpresa como um soluço.
AMARO RIO amar uma cidade é como amar uma mulher
os anéis e os nós de suas raízes arrancados a pente
o tamanho do sorriso e os dentes sujos de feijão
o cheiro e os olhos cor de queimada na estrada num dia de calor
e depois da chuva amar as águas cinzas, depois azuis e as águas mudas
as mãos hoje macias as mãos amanhã secas o doce veneno da convivência
é amar sua natureza completa e só por isso conseguir separar o lixo
amar uma cidade é como amar uma mulher
e esperar que ela acorde viva todos os dias.
RYANA GABECH (1985) poeta paulista, morou em Itajaí e vive em Florianópolis. Artista visual, é formada em Artes Plásticas pela Udesc e mestra em literatura pela UFSC, onde desenvolve trabalhos em poéticas sonora e visual. Publicou seu primeiro livro aos 15 anos: Mar e Avelãs (2001). Vieram depois: A data invisível do poema(2006) Trêmulo(livro-CD, 2008) e Álbum Vermelho (2010). AGUARDE Perto da roupa que mofou
uma ausência
pronta para vestir a incerteza
da sua volta
AVISO Não sou esta perna manchada de sensualidade
Não sou essa mulher que quer pegar você
Não sou a mulher que quer ser consumida por ninguém eu não disse que um dia seria
Não sou a bandida que quer roubar aquilo que veio com você justamente com você de outrem
Não sou essa mulher de batom vermelho e seios e nádegas a mostra
Não quero nada que eu não queira com o meu corpo
Não quero que ninguém me queira por nada por me comprar por me pagar, não sou essa mulher não sei se sou mulher não sei se escolhi estar na vitrine não quero ser amostra
Não sou esta que coloca o zíper na garganta pra alguém vir abrir
se eu quero eu abro
Não sou essa mulher que quer a mais do que quer eu apenas ponho os pontos nos “ is” é você quem não leu direito meu último contexto é você que não entendeu nada porque não quis entender, é você quem não viu porque eu estava presente.
E eu lá posso ser julgada se eu escolhi bem aquele caminho que você jamais traçaria, sem culpa?
eu não sou isto eu sou aquilo que você acha que não pode acreditar que sou
e eu falei muitas vezes, e eu assinei muitas vezes o contrato da verdade
quando errei eu também confessei e eu lá tenho culpa que você tem medo de eu
ser
eu?
BOMBA RELÓGIO Clarice, você removeu apenas uma muleta
Eu, joguei todas as minhas pernas em uma janela folheada a ouro no 12º andar
Estou nua na vida sem corrimão, acesso, botão de desliga bluetooth apple
com apenas algumas aspirações deixo a vida me atravessar
ancorei no deserto e tudo me marcou tanto que fiquei com medo de dizer seu nome
troquei o carro pela moto convenci meu coração a desamar por ser um coração muito viciado deixei a minha própria casa fiquei familiarmente conhecida como louca e braba um bicho solto sorridente e perigoso
Há um vago para onde fujo mas é onde absolutamente já estou
Há anos venho tentando remover as marcas de luta no meu braço
E a agressividade dos meus gestos definem o meu escudo esse mesmo que me impedirá para sempre de cruzar o portal da leveza
o vácuo não há remédio para o vazio
o eco não há respostas para as perguntas que as paredes fazem
para onde não sorri? por onde escapar no caos sem estancar a minha força?
Se é pra viver eu tenho que sonhar
Só isso aqui não me basta.
Virei uma bomba relógio e tenho medo do meu silêncio
implodir.
ONÍRICA Eu sonho tanto penso que estou dormindo.
LARA AMARAL (1986) poeta brasiliense, é jornalista. Publicou alguns poemas na coletânea Maria Clara: universos femininos. Inúmeros poemas de sua autoria têm circulado em espaços das redes sociais: Revista Zunái, Musa Rara, Mallarmargens, Ellenismos, Germina, entre outros. Seus textos podem ser encontrados em http://laramaral-teatrodavida.blogspot.com/ SEM FACE Quando parte alguém que te viu de dentro, finda a possibilidade de um amor
[há poucas, quase nenhuma delas.]
Se resolve ir-se para sempre, rui a promessa: um beijo em cada pálpebra
[não estive perto o bastante.]
Conjurei o instante de roçar os cílios... escapam agora entre meus dedos
[seus cachos sem textura.] LETARGIA Amo como quem morre Não de tanta entrega Mas de deixar-se corroer Para restar o silêncio de um corpo E a falta do sentir
Escrevo como quem vive Reencarnando personagens Possivelmente mais tristes Até que eu seja só partícula De algo que não me reconheça
TESSITURA acomodação têxtil somos um o sofá e eu
anca encaixada em um dos braços de apoio
somos o mesmo na direção a fitar até nesse sentir avesso ao tampar-se com a manta
não de dormir, de assistir ao teto ao rodapé
onde pousa fácil a vista na filigrana raspada da parede
amanhã eu emasso e pinto e saio daqui não enquanto ele e eu cobertos
dos dias evitando o empoeiramento
VERSO INTRAGÁVEL Numa hora dessas eu abriria a porta da rua sentaria ao sereno e fumaria um cigarro
no entanto, sofro de outro vício
acendo um poema
mas ele não me traga nem me larga
deixo-o queimar.
Publicado por Rubens Jardim em 30/01/2015 às 01h34
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