18/05/2015 19h14
AS MULHERES POETAS...(60ª POST) Mayara Gouveia,Camila Vardarac, Juliana Bernardo e Marcia Sanches Luz
MAIARA GOUVEIA (1983) poeta paulistana, possui poemas e artigos sobre cinema e literatura publicados em sites da internet, revistas e jornais. Classificou-se em 3º lugar em um festival de música e literatura da USP e foi finalista da 15ª edição do Prêmio Nascente, Publicou o livro Pleno Deserto, em 2009. NO SUMIDOURO Ao redor do quarto migra um cortejo de aves. Não vemos pois estamos fechados.
Ao redor do quarto um barco repousa em um mar sem ondas. Não vemos pois estamos partindo.
Ao redor do quarto baleias abertas e peixes mortos cobrem a angra. Não vemos pois estamos sangrando.
Porque estamos sozinhos não vemos suicidas engolfados nas brânquias tóxicas dos cardumes. Não vemos
a morte solitária dos corais. Não vemos a embarcação vazia permanecer no silêncio das águas. Não vemos:
pois estamos no escuro.
INERME DESENCANTO depois de tudo, a cintura entre os dedos absorvo o silêncio encantado
ela ainda pulsa, não entende, quando calado sorvo todo encantamento
porque a palavra nesse instante é vã, e a resposta no suor desfalecido é, sem dúvida, mais válida
— deixa o corpo descansar sorrindo deixa o silêncio ecoar bebendo a rosa cálida de sabor divino
mas ela, aflita, pousa em mim uma vontade ainda tesa e retesada e até no rosto a vontade repetida reitera.
OUTRA VEZ O CORPO O fruto da bondade não explodiu nesse solo rude. Somos o Corpo e outra vez o corpo. Animal divino que saqueia e fere, cobre de lírios esse ventre estrangulado.
DESENCANTO As mesmices cotidianas desmoronam quando estamos juntos.
Parece que o tempo pára e averigua que cintilamos de volúpia.
Consumidos pela alegria de trazer à tona um prazer legítimo que não se repete em mil eras.
De repente, depois da viagem, voltamos a nos ver entre os limites das paredes:
nossos corpos não vêm mais com paisagens, ou entre nuvens de luz furta-cor e néon.
Já não somos deuses. CAMILA VARDARAC (1987) poeta carioca, é formada em cinema e publicou poemas em sites e revistas eletrônicas como Cronópios, Triplov e Zunái. Já participou de vários festivais literários e esteve presente na Bienal Internacional de Curitiba, em 2013. PIAZZOLA buenos aires hora zero piazzolla, o que faz aí? tá certo, têm algumas estrelas cadentes mas... o palco não combina melhor com os teus sapatos? diga-me, piazzolla quantas unhas são necessárias para arranhar o pescoço de um tango aflito? o teu bandoneon exala fervor e o fervor habita o céu e o inferno cabe nas preces e nas súplicas dos anjos barrocos em chamas piazzolla!? está rasgando tangos com os demônios celestes? está deflorando notas com os pupilos de lúcifer? ao menor indício do teu som libertinos viram seres alados e os providos de asas sucumbem ao centro da terra um brinde aos que te escutam com a alma pelo avesso.
EU NÃO ACREDITO NA BONDADE DOS ANJOS eu não acredito na bondade dos anjos todos parecem bebês de rosemary o colorido dos vitrais não ameniza a melancolia assustadora estampada em seus semblantes
no centro da casa sagrada o homem abre o livro sagrado e recita para si palavras pesadas como o som de mil crucifixos arremessados ao chão
e eu penso nos pecados mais bizarros que rondam o confessionário de vozes alteradas depois aliviadas, por depositarem nos ombros do representante do pai a culpa dos seus atos impensados ou dolorosamente calculados
penso nos joelhos esfolados por baixo das calças puídas dos fiéis fervorosos que não sentem o gosto de ferro na boca nem o gosto do sangue no cálice
e os sinos badalam doze vezes pausadas ensurdecendo meus sonhos sacros fazendo-me abrir todas as noites os olhos quando deveriam estar fechados.
GINSBERG DE BOLSO Quando teu Ginsberg de bolso pulou do oitavo andar para ensinar-te as lições do desapego você por desapego à vida (e não ao livro) pulou também.
Aberto sobre o teu livro aberto tipografia sanguínea escorrendo entre os paralelepípedos lirismos vermelhos surpreendendo os rostos dos passantes que arregalavam os olhos mas tiravam fotos da tua anatomia sincera teu corpo mais corpo do que nunca
Se você pudesse ver de fora não acreditaria na quantidade de sangue que te irrigava as idéias sorriria levando as mãos à boca depois aos ouvidos quando chegasse a ambulância de altíssima sirene.
NA CASA AO LADO... na casa ao lado espiritos inquietos sobem e descem escadas como se o melhor a fazer fosse subir e descer escadas
são 3:47 o sono das 3:00 já foi perdido agora no ponto dos conscientes espero a dormência dos sentidos
calem esses passos como calaram as almas dentro da casa escura amarrem esses pés como fizeram com as vozes na gaiola da mordaça tirem seus valiuns das gavetas e entrem nas sombras dos cobertores
morfeu, acuda esta gente! dardos com soníferos no centro das testas areia movediça ao redor das camas e uma injeção de sonhos mudos na espiral dos meus ouvidos. JULIANA BERNARDO (1989) poeta paulistana, cursou filosofia na USP e já publicou dois livros: Carta Branca (2011) e Vitamina (2013). Colabora com o site Mix Brasil e com as revistas Germina, Zunái, Diversos Afins,Ventos do Sul, Cabeça Ativa e Originais Reprovados. DEFESA DA POETISA palavra de mulher: homem nenhum morreu de parto.
SE OLVIDANDO não é porque as paredes têm ouvidos que meus poemas vão ficar aí pregados se olvidando calados.
– marque-os com orelhas use-os como moleques de recado sei que não são diplomas, mas quem sabe contratos? meta-os no bolso ou trate-os como ataduras pra machucado
mas não os deixe por aí, enforcados.
PRESA NA MEMÓRIA Eu celebro os vestígios, os fragmentos, as ruínas, a completude, que inventamos sendo apenas estilhaços.
Eu celebro o amor,
a impossibilidade.
RUA DOS MEUS AMORES este é o trecho de penumbra que divide a rua dos meus amores
com leões e dragões tateio o escuro
meu amor não precisa dizer verdades bastam-me seus segredos e um endereço que nunca consultarei
fico com os recados do tempo e sigo extraviada, mãos atadas à sombra nenhum dos amores
MÁRCIA SANCHEZ LUZ(19 ) poeta paulistana, formada em literatura inglesa e francesa, é escritora, tradutora e redatora. Participou de várias antologias e publicou os livros “Quero-te ao som do silêncio!” (2010); “Porões Duendes”, “No Verde dos Teus Olhos” (2007). VESTIDO Não é pretinho básico nem couro nem veludo.
É luto.
FAZENDO AS CONTAS... Tiraram-me os discos, meus sonhos jogaram na lata do lixo. Deixaram-me os livros, meus medos guardaram junto aos meus rabiscos. As noites que eu tinha trocaram por dias às vezes escuros como o céu sem lua. E eu me sinto nua: coito prematuro beirando a ironia de uma dor rainha.
SOL DA MEIA NOITE Com você, cada manhã é um novo susto.
LUTO II Há que chorar (da dor até o último fruto) e lembrar cada minuto do precioso tempo em que vivemos juntos. Publicado por Rubens Jardim em 18/05/2015 às 19h14
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