03/06/2015 18h00
AS MULHERES POETAS...(61ª POST) Clio Francesca Tricarico, Cynthia Lopes, Karina Rabinovitz e Juliana Meira
CLIO FRANCESCA TRICARICO (1962) poeta paulista, fez mestrado e agora faz doutorado em filosofia pela Universidade Federal de São Paulo. Integra o grupo de pesquisa: O pensamento de Edith Stein e traduziu o livro Pessoa Humana e Singularidade em Edith Stein, do professor de filosofia italiano Francesco Alfieri. Já publicou poemas na Antologia del Premio Mondiale di Poesia nos anos 2012,13 e 14. Nasci nessa cidade, nesse bairro A cada dia, mais barulho Menos vizinhos, menos pipas Só a madrugada me salva: Ainda posso ouvir o trem ao longe É meu cheiro no travesseiro...
INCUBUS Me tolhe do meu sonho sem aviso diante do seu poder, me rendo silencioso em mim se infiltra inexorável em torrente caudalosa de homem de verbo de gana de sede de mundo percorre minhas veias em lavas sórdidas me sorve, me devora, possuído
Toma meu rumo, minha fala, minha agonia não sossega se não arranca o último grito não se sacia se não esgota todo o sumo de mulher de terra de canto de gozo de fundo exaurida, perco o passo perco o verso ganho tudo
Alucinada pelo torpor que me mistura entre tons audaciosos e sublimes em rodopios arrastada por seu ímpeto resta apenas o desejo da catarse: ser sua palavra sua carne seu expurgo
Desesperada por não sair do seu domínio me deposita lentamente no meu tempo impregnada do seu ser fogo e vento tudo aquilo que incorpora e não diz
Sinto dentro o que rouba o fiato, a fala excesso que desatina o que não está na palavra... ainda...
Medo.
SEGREDO Não busque o segredo dos anos nas entrelinhas da história.
Ele está no voo dos pássaros quando surfam o vento.
De nada serve interpretar velhos pergaminhos nem desbravar estrelas nem decifrar os mitos.
Cada medo, cada vitória, salvaguarda o seu casulo, semente inefável de anseios.
As rugas, sulcos do tempo, esculpem no rosto nossos desmandos.
Nenhuma delas traduz o fogo que persiste até o desfecho.
Como flechas, atravessamos séculos eternos: fazemos milagres, superamos absurdos...
Mas nem um deus descobrirá a nascente de uma lágrima.
HORS CONCOURS Mas... E depois? Morremos Restará a palavra por dizer Subvertendo princípios, análises, tratados Restará somente a poesia Mostrando a nossa cara deslavada “O frio na barriga”, “o coração na mão” “O arrepio na espinha”, “o grito na garganta” “O aperto no peito” Fórmulas ultrapassadas Tudo em vão, nada nos salvará Imbatível, persistirá apenas uma invenção sem sentido: “Eu te amo”, alguém dirá E os pássaros cantarão na nova aurora Como se o mundo nunca tivesse acabado...
CYNTHIA LOPES (1961) poeta carioca, é formada em arquivologia pela Universidade do Rio de Janeiro. Prestou concurso em 2006 e trabalhou até 2012 no arquivo central do IPHAN. Atualmente está na Biblioteca Amadeu Amaral, no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Publicou o livro de poemas: Poêmia, poesia de pele e desejos(2012). RECORDAÇÃO passa o tempo e com ele, te esqueço.
passa o tempo e com ele me lembro.
passatempo... brinco: lembro e esqueço.
passa o tempo, brisa, vento: amor imenso.
ENSAIO SOBRE A NATUREZA para Du Zuppani há muito de Manoel em tudo afinal, de barro somos feitos
por isso, esse tanto de coisas em Manoel de Barros : a pedra o sapo a rã a árvore o pássaro a flor
para tanto o poema a imagem a natureza o brinquedo dos meninos a linguagem, o verbo
a fotografia e o olho do fotógrafo sua alma nas coisas o desimportante se faz grande em verso e paisagem
porque o ínfimo, o minúsculo, não corrompe nossa natureza.
PERFIL um desenho rápido. em poucos traços, meu retrato.
ESTAÇÃO o amor, esta via de mão única. caminho em sua direção como fosse para o cadafalso, submissa. por quê? talvez reconheça as minhas falhas em ti. o amor esta via de mão dupla, enquanto eu vou, você faz o caminho de volta. um show de desencontros absurdos. um vai e vem sem qualquer sentido. malas prontas pra partida, sem rumo. de certo apenas o incerto sentimento, a certeza do risco, de viver o perigo. malas prontas rumo ao coração partido...
KARINA RABINOVITZ (1977) poeta bahiana, é jornalista, produtora de discos, vídeos e teatro. Tem 5 livros publicados: Mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus! (2014), O livro de água (livro-objeto e exposição, 2013), poesinha pra caixinha [de fósforo] (livro-objeto, 2012), livro do quase invisível (2010) e de tardinha meio azul (2005) VÉSPERAS nasci chorando, não sorrindo, assim. vestida de sangue, não de manga e maresia, assim. no caminho desses anos tenho nascido de novo, muitas vezes. uma mecha branca começou a brotar em minha cabeça, bem acima do terceiro olho e tenho me perguntado se não sou um unicórnio. tenho dúvidas sobre o que sou. e quando se nasce de novo tantas vezes, é mais difícil saber. nascer não é fácil. mas é bom. parto flutuando pra mais um dia não amniótico, entre pastas de dente, medalhas enferrujadas e marujos que me acenam por detrás de janelas entreabertas. a vida, ela explode. cheia de sangue, manga, maresia, nesses dias de choros, risos, riscos. eu nasci amanhã.
DESCASO o destino que me valha! você deixou seu fósforo aceso dentro de minha vida de palha.
DE SE PERDER Costumávamos brincar de esconde-esconde todas as tardinhas; baús antigos, o quarto de Hilda, debaixo dos lençóis, atrás do sol. Esconderijos... Brincamos tanto-tanto de esconde-esconde, que, de repente, depois de um dia cheio de nuvens, não mais nos encontramos. Nunca mais.
CURRÍCULO meu nome eu mesma. meu endereço em mim. meu cadastro de pessoa física este corpo, que dentro é céu e é jardim. meu registro geral não foi registrado e desde meu nascimento, numa quarta-feira de cinzas, nutro certo encantamento, por tudo que não é numerado.
meu telefone anda ocupado, uma família de pássaros fez um ninho bem no fio da minha linha desde então, ali só se aninha o canto de uma mãe que espera. pra falar comigo, só mesmo depois da primavera, quando do nascimento do novo passarinho.
minha formação profissional segue um caminho amador. insisto no amor.
minhas atividades atuais: pensar na vida e uma corrida sem fim à beira-mar... encontrar saídas e encontrar entradas, para essa vontade desmedida de viver, de amar.
por fim, minhas referências pessoais, é melhor que eu não diga ou que você pergunte a ninguém... elas serão sempre mais. mais verdadeiro é que você descubra, na convivência comigo, meu tempero, minha loucura, minha ternura, meu desassossego.
então? é meu, o emprego? JULIANA MEIRA (1981) poeta gaúcha,é advogada e vive em Curitiba. Seus poemas foram publicados pela primeira vez em caixas de fósforo, coleção Fogo do Verbo, em 2008. O primeiro livro, poema dilema, foi publicado em 2009. O segundo, sem título, integra o projeto Instante Estante de incentivo à leitura. Recentemente publicou o livro poema pássaro (2015) todas as palavras com suas mutações contagiam meu corpo
por isso sofro desde a sombra até o osso .................................................... o sapo coaxa. bonito? só a sapa acha. ................................................. pátio da casa inabitada poço vazio esquecido olho d’água
ao relento ventania lhe empresta fala coberto pelo musgo visguento eco por dentro deserto
quem chega perto logo se assombra na vastidão escura é a voz do poço que sussurra ................................................................. o Guaíba indo lindo, limpo, no postal do gringo Publicado por Rubens Jardim em 03/06/2015 às 18h00
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