Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
11/06/2015 11h40
O POETA LUIZ CARLOS MATTOS FARIA 70 ANOS HOJE

 Por essa razão, e para fazer justiça ao seu trabalho poético, resolvi abrir esse espaço para dar a conhecer alguns poemas de sua lavra. O poeta Luiz Carlos Mattos (1945-2000), integrante da Catequese Poética, só publicou dois livros: Ex-Exercícios(1966) e Lapidário Geral (1978), embora tenha contribuído de forma significativa para a divulgação de poemas e poetas. Ele foi responsável, nos anos 70, por um projeto –os cadernos de poesia –que a partir das conquistas obtidas pela imprensa nanica, procurou alternativas para o livro. Os cadernos eram impressos em papel jornal, fartamente ilustrados e traziam encartados um pôster-poema duplo e um caderno extra, dedicado a ensaios, pesquisa e outros temas.
Infelizmente, os cadernos, que foram uma espécie de retomada do trabalho típico da Catequese Poética, movimento iniciado pelo poeta Lindolf Bell, logo após o golpe militar de 64, teve curta duração. Mas nem por isso deixou de ser uma iniciativa importante ao trazer à tona, depois de mais de 10 anos de silêncio, alguns poetas que se firmaram e ainda estão por aí, produzindo. Infelizmente, não é o caso dele mesmo, Luiz Carlos Mattos, morto em 2000, vítima de câncer pulmonar.
Mas seu livro, Lapidário Geral, publicado como um dos cadernos, apresenta-nos um poeta que soube distinguir e construir a sua palavra diante das outras palavras empregadas nas conversações e comunicações cotidianas. E o que caracteriza de forma relevante a linguagem poética é, exatamente, essa apropriação --e essa invenção. Na verdade, ao contrário de todas as outras manifestações artísticas, o poeta vive, como todos nós, emaranhado e imbricado em palavras. Só que é ela, palavra, a sua matéria prima. E a palavra é volátil, frágil e está permanentemente sendo utilizada --e ,o que é pior, sujeitando-nos a todo tipo de mal-entendido. 
Escolhi alguns poemas circunstanciais, extremamente vinculados aos acontecimentos posteriores ao golpe militar-- e que fizeram enorme sucesso em nossas leituras públicas nos anos 60. Mas os leitores também poderão apreciar poemas mais distanciados do palanque e dos salões. Sublinhamos aqui a dimensão lírica do poeta Luiz Carlos Mattos. Após os poemas dele, divulgo trecho de poema escrito logo depois de sua morte.E publico algumas fotos. Informo também, aos amigos leitores, que inclui no livro-antologia LINDOLF BELL - 50 ANOS DE  CATEQUESE POÉTICA, uma boa seleção de poemas do Luiz Carlos.

A PASSEATA
Uma bandeira nova passava pela rua
(pensamos: muito importante era o dia)
Julgarás: renovado
Saía a passeata
Depois veio o cansaço
Aço aço
Construíam a nosso lado
Pensarás: arquiteturas
Passava a passeata
Ata ata
A ata na mesa do congresso
Esso Esso
Pensarás: progresso protesto
Petróleo
Óleo óleo
Olhamos tudo e não pudemos dizer nada.

VAMOS BRINCAR DE HERÓIS?
Vamos brincar de heróis?
Atamos verdades verdes pelas veredas,
Falamos das falhas e das mortalhas.
A canalha rompe, range e age
Na medida de ação da reação:
CASSAÇÃO CALADA
(não convoca-ação)
RUGE
Corre-se risco.
Mas nós não corremos rápido
Talvez pelo hábito de enfrentar,
De tentar e de estar na terra e não no ar
NOSSOS HÁBITOS.
Mas nos habituaremos ( um dia)
Com uma cidade casual que procura
Um álibi para explicar o abismo?
Um ISMO?
Uma solução decrépita ou demente?
Ou dissolvida pela mente?
Não se sabe ao certo.
Aliás, não se sabe nada ao certo.
Ou mais aliás ainda, não está nada certo.
Nem há nada perto,
E há que se nadar muito
Para alcançar qualquer ilha.
Com nosso barco sem quilha
Neste mar acidental,
No acidente entre o ocidente e o oriente.
Mas não há quem nos oriente
Nesse mapa emocional.
Será que vale a pena ser herói (nacional)?

TEMPO AO TEMPO
O que aqui se chama tempo
É um espaço reservado
Às maresias.
(Um trabalho feito pelo avesso)
--O inverso do verso:
O medo das coisas simples.
Vivemos de matéria 
De memória vaga,
Sombras espalhadas
Nos cenários.
A vida vivida no viveiro
Antigo: o cheiro das praias
Distantes.
O que aqui se chama tempo
É um crescimento sem controle
Pensamentos, rastros, retratos,
Flutuam num cáis parado
Onde não se registram os dias.
O que aqui se chama tempo,
É um exercício de tato.
Um trabalho de cerzir a vida,
De colocar o vazio dentro
Do oco, de fazer o nada
Cercado:
Espaço domado.

LAPIDÁRIO DE MARÍLIA
(lira reinventada)
Lira I

mar
Ilhada em mim
Que me desprendo menos terra
Mais maré montante
Monte pleno
Antiarenito contraído
Em minhas dunas contráridas
Salágua:
Meno sal, me represo líquido.

Marvilha, gratistela que alvora luz

Tempo contido, marca inexpressa
Fechada face: meu espelho irreflexo,
Desvendável apenas em meus retratos.
-no entanto, sou voz plena, antessoada:
Profecia do eco
(som que não propaga, mas inventa e elege)

Marvilha, gratistela que alvora luz

Orar o ouro,
D’ouro, menos que brilho,
Mais pela febre,
Pela febriluz.
-marília é luz contida,
Pós reflexa.

Marvilha, gratistela que alvora luz

Sol luz olhos,
Os teus de visionária,
Do limite amplo, plano pleno de tua face
Que d(t)esliza à linha d’água,
À linha longa, à linha curva,à linha langue...
Linhas que se alinham em teus cabelos
E remontam teu corpo em/balsa/amado.
Mas te afastas, pastora que se muralha
Tês oiro escondido(a) e procurado(a).

Marvilha, gratistela que alvora luz.

Que o rio retido retarde a safra
E não amadureça estas sementes.
As peste lenta, lentamente abaterá o gado
-mas tanto guarda a alvorada
Alvoramada, Marília bela,
Que ao teu riso renascerá o dia

Marvilha, gratistela que alvora luz

Antipássaro,
Observo teu pouso entre flores,
Reconheço tuas vestes e te aceno...
Mas, restas ao longe das esplanadas
E apenas insinuas suas formas em luz.
Cego, me basto no tato de teu nome.

Marvilha, gratiestela que alvora luz

Giram tuas consteladas letras
E já se grifam lápides.
-entre a campa e os ciprestes,
Nos enterremos mortos.
-as mesmas palavras que nos circundam
Serão exemplos.

PARA O POETA LUIZ CARLOS MATTOS
(poema de Rubens Jardim)
Estou aqui em tua casa
como se estivesse diante de um espelho.
Não penso. 
Não peso. 
Não peço.
Apareço e desapareço
como simples reflexo
imagem
que o tempo não devolve
e poderá estar
gravada
--perdida ou registrada--
em corações
olhos
e álbuns que desconheço.
É noite na tua casa
e eu procuro em gavetas 
o bairro que se foi,
a praia 
que desapareceu, 
a alma 
que está mais sozinha,
e até o lampião que ficou aceso
e ainda ilumina
a inexistência da casa 
de praia do vô Bento.
Solemar, você sabe, 
não é uma varanda aberta 
aos horizontes do mar.
Também não é uma rede rasgada
nem o remo estilhaçado.
Solemar é um queixume de sal 
nas ondas, um uivo de bóias
trazendo nossos medos
ao alcance de nós mesmos.
Solemar é mais ainda: um mar torto,
um viés de enxergar sempre
e de não chegar nunca...


Publicado por Rubens Jardim em 11/06/2015 às 11h40

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