Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
01/07/2015 16h56
AS MULHERES POETAS...(62ª ) Walquiria Raizer, Priscila Lopes,Ryane Leão e Germana Zarettini

 WALQUÍRIA RAIZER (1980) poeta nascida em Rondônia, morou no Acre, no Paraná e reside, desde 2008, no Rio de Janeiro.  É socióloga e especialista em Gestão e Produção Cultural formada pela FGV-Rio. Tem histórico profissional voltado para a política cultural. Defende a poesia como matéria prima de todas as artes. Publicou O segundo ponto das reticências, em 2007.

RETICÊNCIAS

vou escrever qualquer coisa

que não pareça

nada

( ! )

esse tudo

é mesmo

o que

(devasta)

LARANJAS E FANTAS

Eu te avisei!

...disse Mário com cara de Maria...

(como se houvesse menos multa

quando se buzina antes de passar o sinal)

 

Avisou sim é verdade,

mas queria não ser entendido.

Avisou só por desencargo.

E isso não conta.

 

Disse que o ipê floria,

que era amarelo e só.

Disse que era desse jeito todos os anos,

e que não pensava em mudar.

 

Mas o ipê muda Mário,

e sou eu

é que estou te avisando.

 

Há de nascer laranjas nele...

 

Se não nascer eu mesma subo

e prego umas garrafas de fanta.

 

KATAUÊ

O miolo dentro da casca

(pão)

 

O miolo dentro

( da casca)

 

A casca virando

 

O miolo

O miolo

Miolo

 

Poderia

Correr

Sem

Léguas

(cem)

 

Um colar de castanha elétrica

Uma flor amarela

Muru

 

(estou tão acremente despida hoje que o açai perdeu a cor)

 

ACELERAÇÃO

...é como se tudo tivesse

girando

Um giro calmo

(e calculado)

 

Um giro bom

(pro mundo)

 

Mas o mundo

(é grande)

E não precisa de mim

( e de ti)

 

Mas eu, querida

Eu preciso do mundo

E ele está aí

(flertando)

        

PRISCILA C LOPES (1983) poeta brasiliense, reside desde criança em Florianópolis. É formada em relações internacionais. Possui contos, crônicas e poemas publicados em antologias. Realizou duas exposições de poesia no espaço cultural da Assembleia Legislativa de Santa Catarina.Atualmente trabalha na elaboração de um livro de poemas, que, imagina, será publicado em 2016.

APAGÃO

Esse tédio de ficar sem luz

me leva a escrever

coisas tão escuras!

Acendo as idéias para ver

se consigo continuar minha leitura.

 

THE NIGHT CAFE

Contemplo as escadas de van Gogh.

 

Consulto o relógio na parede.

A cinco passos está o meu cliente. Nele

me debruço se me vejo. Nele

habita o clima, o verde

da mesa de sinuca que me convida a ser

só. Um casal ao longe não cabe em mim.

Um bêbado sentado também sou eu.

Por inúmeros motivos me condeno

a manter-me em pé, entre parênteses.

Creio que haja vida após a morte

e que os olhos são os ouvidos

das minhas paredes. Porém,

me detenho no pensamento

que mede o tamanho do meu taco

— e se confio ou não, é mais embaixo

o buraco que procuram minhas mãos.

 

CRI-A-TIVA

Quando eu era criança,

E olhava para o topo das árvores,

Eu não sabia o que era o passarinho.

 

Bastava observar

 

E eu era um passarinho.

 

NÃO SENTI A MORTE CHEGAR

Talvez não tenha batido à porta

Talvez nem houvesse porta

Talvez até, fechada a porta

Pulasse a janela

Determinada

E lentamente subisse as escadas

 

Não me despiu

Não me encarou

Não me fez mover um palmo

 

Não senti a Morte chegar.

 

RYANE LEÃO (1989) poeta cuiabana, vive em são paulo. É autora do projeto  Onde jazz meu coração, criado em 2013 com o objetivo de expandir a voz da literatura feminina-- nas redes sociais e nas ruas através da publicação de poemas e fotografias. Mistura corpo com poesia e cola uns lambes por aí. Sua página no facebook é seguida por milhares de  amigos.

nem os livros

nem os terapeutas

nem os discos

ninguém soube explicar

tudo que se move

aqui dentro

quando você

afunda esses olhos

nos meus.

...............................................................................

não lembro

que horas

o relógio marcava

só sei que foi assim

na plataforma

esperando o metrô

que ela entendeu

que precisava

da solidão

daquela mais dura

mais seca

mais silenciosa

ela precisava

se entender de novo

precisava saber

que somos sim

as nossas falhas

mas não só

e depois de tantas horas

com a cabeça atormentada

ela sentiu o

peito desinchar

pela primeira vez

em meses

e depois de tanto tempo perdida

ela parou de esperar

qualquer coisa de alguém

e finalmente

se encontrou

em si mesma

aí seguiu sozinha

no vagão lotado.

 

SOBRE RECOMEÇOS

é sempre assim

boa parte da gente morre

pra outra parte

começar a se sentir viva

novamente

...................................................................................

saudade é foda

escuto aquele som

do seu riso

mas nunca é você

é sempre memória

 

GERMANA ZANETTINI (1984) poeta gaúcha, é tradutora e jornalista. Já teve poemas colocados em ônibus e trens de Porto Alegre. Foi publicada em antologias e revistas literárias e selecionada em alguns concursos. Neste ano deverá lançar seu primeiro livro Eletrocardiodrama.

no meu fundo

de poço

 

a água vem

até o pescoço

 

pra garantir

que eu volte

sempre

 

de alma lavada

 

LEIA ANTES DE USAR       

não, aqui não há lugares reservados

[de antemão já lhe adianto:

nem adianta olhar para os lados]

 

o ambiente não é climatizado

os assentos não são flutuantes

e máscaras de oxigênio

não cairão

sobre suas cabeças

 

para sua segurança e conveniência

informamos que a vida

não vem equipada

com saídas

de emergência

 

CORTE

a faca em punho

a alma em riste

e uma só jura:

 

nunca mais

voltaria a ser

aquela tola

 

de hoje em diante

choraria apenas

pelas cebolas

 

AO LAURO DO TELEMARKETING

não, eu não quero nenhum cartão

a não ser que você me envie um daqueles antigos

escritos à mão

(já reparou como ninguém manda mais cartão

seja natal, páscoa ou postal?

agora é só e-mail, comentário e post no mural)

 

lauro, a vida já anda tão gasta

não quero nada que me faça

gastar o que não tenho, obrigada

 

não me fale sobre os juros, não quero saber sobre juros

eu quero as juras, lauro, apenas as juras de amor!

ainda que um dia elas possam se quebrar...

se até a bolsa quebra, por que seriam as juras inquebrantáveis?

 

não, lauro, da bolsa de valores nada sei, porém

carrego uns versos

dentro da minha bolsa de couro sintético, pode ser?

 

estive em wall street, é verdade, mas saí sem entender

quase nada daquela parte da cidade

no entanto, lauro, eu sei tudo sobre os hábitos

dos esquilos que habitam o central park

 

confesso: não compreendo os índices financeiros

mas manuseio o índice de um livro como ninguém

(contos são tão melhores do que contas...)

 

lauro, nada que custe os olhos da cara

se compara ao olhar de quem a gente gosta

que é de graça

e essa é a graça da coisa

e hoje em dia tem tanta coisa valendo mais do que gente...

 

se estivesse vivo, acho que marx reescreveria o capital

não me leve a mal, lauro, não sou hipócrita

a gente precisa de dinheiro, eu bem sei

e a vida não tá fácil pra ninguém

 

porém, pra ser bem sincera

essa coisa de consumir

já não me consome mais

e ultimamente não há dinheiro no mundo que pague

o preço da minha paz

 

lauro, tá bem frio aqui do outro lado do fio

é sábado de manhã e eu não durmo há semanas

então, me dá licença que agora vou desligar

e voltar pra minha cama

 


Publicado por Rubens Jardim em 01/07/2015 às 16h56

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