22/12/2015 12h56
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (69ª POSTAGEM)
ANA ESTAREGUI(1987) poeta paulista, nasceu em Sorocaba, e vive em São Paulo desde 2005. É formada em artes visuais. Participou da Antologia Portapoema e produziu alguns livros independentes: Para desprender dores (2011) e Poemas de sofá - achados ordinários de uma caipira (2012). Publicou Chá de Jasmim (2014), premiado pelo ProAC em 2013, na categoria poesia. GEOLOGIA essas minhas linhas da mão me dizem que nasci sem sorte pro amor a linha do coração: uma trilha entrecortada descontínua atravessada andarilha seguem até o meio da palma, aos buracos aos tropeços, ainda que sem pedra no caminho do médio ao indicador como se o abismo fosse apenas um vão entre os dedos
POEMAS DE KITNET (lifestyle) na quitinete de 45 metros tenho todas as solidões que envolvem poeiras e buracos desocupados roseira sem flor e rosas avulsas ganhadas no dia da mulher
tem o filtro de barro que não enche sozinho os copos os lírios que nascem e morrem cristalizados em fotografias digitais na velocidade do congelador criar crostas brancas e o teto refletir a rua em formas móveis e geométricas toda noite toda noite tem as janelas dos vizinhos classe média tingindo o escuro com as cores luz do plasma e dos cristais líquidos
os garfos a mais as facas a mais as taças de vinho que esperam os talheres que sobram sou só eu, não preciso de mais que um copo um garfo uma faca um prato e um horizonte entrecortado de prédios desbotados.
UMA PALAVRA PODE SALVAR UMA MANHÃ em algum lugar leio a palavra monóxido. e durante a manhã fico pensando nela como se fosse sólida fico amando ela e ela me deixa bem (talvez me ame) gosto de saber que existe essa palavra: monóxido pra mim ela é inteira feita de titânio e pesa tanto que nem cimento e mesmo sendo gasosa assenta as páginas brancas das coisas que nem foram escritas ainda
NOJO da janela do ônibus enxergo debaixo do pontilhão uma família de mendigos dormindo num monte de colchões finos e sujos misturados a papelão e jornal e sobre o chão porco de fuligem tóxica. os cinco dormem com cobertores novos de motivos infantis ultra coloridos. de relance na contraluz do túnel a imagem é tão bonita: um amontoado de pelúcia artificial com motivos meio nelson leirner meio leda catunda sobre as inúmeras variações de cinza de poeira fumaça fuligem pó. por causa dessas e outras é que às vezes sinto nojo da estética. VANESSA MOLNAR (19 ) escritora paulista, transita entre a poesia e a prosa. É historiadora e publicou em 2008 o livro Crônicas de uma tara gentil, prêmio PAC 2007.Participa ativamente das oficinas literárias na região do ABC, especialmente na Escola Livre de Literatura, em Santo André. Colabora em sites e revistas e mantém o blog O Mundo da Maga. MULHER Quando vai aprender que seu sexo é Terra? Encosta o ouvido em seu ventre de Ariadne e escuta a ausência do tempo febril que perfura seu labirinto fechado o eco que rasga o vazio dos teus ossos o silêncio desse Dionísio que te fecunda.
PUTA Sou um martelo, uma lâmina uma corda Instrumento suicida Puta e santa Cadela líquida Agulha de cristal.
Sou uma granada, uma chaga uma morta Instrumento para a descida Puta e santa Sangue e líquen Pedra enterrada no quintal.
Sou uma flor, um poema uma açucena Instrumento para a subida Puta e santa Punhal e carabina e trago dentro da vagina pássaros de sal.
DENTRO Há uma produção noturna de orvalhos inspirada pela impossibilidade da palavra que se encontra costurada na garganta de um cavaleiro marfim.
E essa imagem me cavalga sobe rápida em minhas roxas coxas aniquila minhas vértebras me suja
e me sinto nua feito um feto protegido dentro da barriga do juízo final
e me torno muda como uma criança encontrada viva em uma fotografia de Auschwitz.
BATISMO Com o sêmen do passado eu resgato nossos órgãos divididos entre a Chuva e o Cerrado e me banho de novo na incomunicabilidade de uma tarde esguia. E deixo que me atinja com sua saliva lasciva e que tinja minha vulva com um vermelho marfim E para enxugar os pecados do meu dolorido corpo permito que você seja parido no mais fundo de mim e te batizo de novo e proclamo o fim dos sonhos e te conto que se o mundo não fosse tão líquido nós não seríamos assim. CARLA NOBRE ( 19 ) poeta amapaense, é graduada em letras e especialista em língua portuguesa. Professora da rede estadual, é fundadora da associação literária e teatral Abeporá dsas Palavras, onde desenvolve trabalho voltado para a difusão da literatura produzida na Amazônia. Publicou os livros: Sobre o Adeus e o encelado de Saturno (2007) O amor é urgente e Exageros e delicadezas(2013) Deixo contigo O mistério escuro dos corais
Levo comigo o desejo De que teu barco Permaneça ancorado
Em meu cais
SONETO DA PALAVRA NUA Quero para minha poesia Todas as palavras nojentas As obscuras, as ambíguas Uma linguagem piolhenta
Não me envergonho das minhas escolhas Minha palavra é minha pepita Catarro, mentira, dor, sangue Suvaco, urubus, bruxaria, bauxita
Todas as palavras são bem vindas E com elas as penas, a moela, as tripas E todos os seus sentimentos e suas histórias
Das mais tristes às mais lindas Fico com o verbo parir E toda a sua memória
CANSEI DE SER SEREIA Meu peito é mole, sim Minha boca é carnuda E eu gosto Meu jogo é aberto E eu posso
Minha vontade Bole no mundo
Não sou de esconder as estrias Não tenho medo da celulite
Eu sou Fada Dama da noite Afrodite
Não me venha com papo furado De tia ou madrinha
Minha bunda é caída, Sim, senhor! E não é por isso que eu vou Tapar o sol com a peneira O que eu não tolero É asneira
Eu sou uma mulher inteira Plena de desejo
Não tenho medo de olhar, De arranhar, de gritar... Só não me venha com modelos Que eu não sou de apelar
Eu ando no mundo Com o salto que eu quiser
Eu me jogo do trampolim me atiro sem para quedas fumo tomo gim
Se for preciso mando até a merda
Cansei de ser sereia Viúva negra Bela adormecida Chapeuzinho vermelho Com medo do lobo Eu? Medo? Eu quero é comer o lobo!!!!
Principalmente se ele for mau Lindo E beijar devagar E gostoso...
Eu quero é ser Aranha caranguejeira Quero ser de ostentar Quero ser Mulher Pronta para arrasar.
NÃO TE DEI O MAR Não te dei o mar Porque sou feita de rio Te ofereci minha agua doce Mergulhões Sol quente batendo n’agua Te ofereci meu coração líquido Espalhado em tuas mãos
Não te dei o mar Porque sou feita de rio Te ofereci minhas sementes boiando Minha guerra de peixes e cobras Amazonas que seguem amando
Não te dei o mar Porque sou feita de rio Te ofereci minha boca Te convidei a naufragar No meu vento Na força das minhas marés
Não te dei o mar Mas minha agua barrenta Seguirá sempre molhando teus pés
CLARISSA MACEDO(1988) poeta baiana, é mestre em literatura e diversidade cultural e doutoranda em literatura e cultura pela UFBA. Está presente em diversas coletâneas. É autora de O trem vermelho que partiu das cinzas (2014) e com os originais “Na Pata Do Cavalo Há Sete Abismos” conquistou o prêmio nacional de poesia da Academia de Letras da Bahia(2013) DANIEL Para Gabriel Ferreira Vem descendo da torre como quem desce ao Jardim.
O semblante em asas.
Caminha forte, assombrado de luz, coberto de si.
Na cova, onde pasmado contempla jubas alegres, toca o fogo que aparece: anjo comensal da Graça.
Nessa Fé, toda em redemoinho, já não se sabe quem é anjo, leão, homem ou nada. Todos voam na cova em aurora, todos passarinhos.
FENDA Há tempo o menino ficou lá fora. Espera, espreita a barra da porta, mas já não pode passar.
Todos os longos anos de preparo – escola, dentista, boxe – e a busca pelos jogos de montar, pelo seio roído da mãe que já foi.
Uma vida de busca e solidão, a passagem do peito fechada:
só o túmulo aberto da infância.
EXERCÍCIO Cerrar os olhos para que a última lágrima cresça.
Cerrar os olhos para que o mundo seja memória.
Abrir os olhos para que, afinal, tudo se perca.
AQUELA QUE NÃO QUIS SER... Nunca a mulher eleita a mãe, a caseira. Jamais a primogênita aceita.
Nunca a preferida assumida ou a bela primeira legitimada.
Sempre a repartida, a preterida. Dentre todas inteiras, a fragmentada.
Nela só a astúcia cruel, molemente enraizada.
Só que a vida deu de adoecer nela se putrefar deu de sucumbir, se escrever desabrochar
e desabafando, a jogou bem no meio do mar.
Publicado por Rubens Jardim em 22/12/2015 às 12h56
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