![]() 08/05/2016 16h18
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (75ª POSTAGEM)
ZILA MAMEDE(1928-1985) poeta paraibana, formou-se em biblioteconomia, trabalhou no Instituto Nacional do Livro, em Brasília.Foi diretora da biblioteca da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde viveu a maior parte de sua vida e onde o mar a levou para sempre. Publicou : Rosa de Pedra (1953), Salinas (1958), O Arado (1959), Exercício da Palavra (1975), A Herança (1984) e Navegos (Poesia reunida 1953-1978). A PONTE Salto esculpido sobre o vão do espaço em chão de pedra e de aço onde não permaneço - passo. SONETO DA TUA VINDA ANTECIPADA Chegaste antecipado de mistérios tendo na face, amorfo, o meu segredo. Na argila do teu beijo adolescente trazes canções molhadas de esperanças
sobrepairando lábios e hemisférios onde se oculta, informe, o teu degredo. Te vejo aproximado e intransparente, te sinto inatingido de lembranças.
Por onde andaste, ó ave de granito, plantando os pensamentos? Onde a veste a seduzir-te chamas, branco e espaços?
Meus olhos te investiram de infinito guardando, intato, o amor que não trouxeste na tarde prematura dos teus braços. RUA(TRAIRI) Nos cubos desse sal que me encarcera (Pedras, silêncios, picaretas, luas, anoitecidos braços na paisagem) a duna antiga faz-se pavimento.
Meu chão se muda em novos alicerces, sob as pedreiras rasgam-se meus passos;
e a velha grama (pasto de lirismos) afoga-se nos sulcos das enxadas,
nas ânsias do caminho vertical. Ao sono das areias abandonam- se nesta rua vívidos fantasmas
De seus rios meninos que descalços apascentavam lamas e enxurradas. Meu chão de agora: a rua está calçada. BILHAR a Ludi e Oswaldo Lamartine Na medida exata em que a noite corre não fico: me ausento como quem morre
Entre lousa e livro - único disfarce que concedo ao tempo = mudo-me a face
que, no entanto, vária, inábil, reprimida, perde-se no encontro tátil da vida
Bola sete em rude pano de bilhar marco meu sem rumo jogo-de-amar. HELENA PARENTE CUNHA (1930 ) poeta baiana, é pós-doutorada em letras e fez carreira acadêmica como professora universitária da UFRJ. É também ficcionista, pesquisadora, ensaísta e crítica literária. Seu livro de estréia, Corpo do gozo (1960) foi premiado no Concurso de Poesia da Secretaria de Educação e Cultura da Guanabara, em 1965. Tem mais de 25 livros publicados entre poemas, contos e ensaios. QUEM quem me habita provisória nesta paisagem súbita onde sou?
quem chora pranto antigo nos meus olhos contemporâneos desta viagem?
quem fui quando passei aqui tão longe de onde sou agora? BLOQUEIO onde sopra agora o vento que levava o que eu dizia?
onde se perderam os nomes que tantas coisas tiveram?
onde ficaram as coisas chamadas em minha voz?
e minha voz como assim subtraída?
gosto de pedra na saliva em minha língua
as palavras me emparedam onde houvera minha boca GEOMETRIA paralela ao espelho avanço nos pontos e nas linhas que me traçam
as côncavas mãos onde me elipso
no riso horizontal meu rosto vertical ao pranto PERTO Daqui desta janela ocidental da minha rua das laranjeiras entre os cabelos assustados dos dois coqueiros frente ao meu prédio daqui junto ao convite maternal das mangueiras daqui deste instante brasileiro que se move aberto pela minha janela carioca daqui da minha verde verdade tropical eu vejo sim eu vejo daqui a limpidez dos cedros e a serenidade inequívoca dos pinheiros plantados no outro lado do dia. MARIA CONSUELO CUNHA CAMPOS (19 ) poeta matogrossense, nasceu em Porto Quebracho, MS, mas reside, desde os 8 meses, no Rio de Janeiro. É ensaista, contista e doutora em letras pela PUC-RJ. e professora de literatura brasileira da UERJ, nos cursos de graduação e pós-graduação .Publicou :Mineiridade(1980) (Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal) e Inácio de Loyola, o poema de Deus(1986). FACHADA PARA BALANÇO Por fora, uma boa mão de tinta. Por dentro, um aviso prévio às ilusões, perdidas No atrito do tempo com o ralo Quotidiano. Eis a casa interior, Esta habitação do hábito De novo pronta para o convivio E para tudo.
Chatos Como vitoriosos medíocfres Seres clichês Todos eles estão convidados, Súbito convíveis Sem mais hiperglicemia ou enxaqueca... Ah, as fachadas, Com que a casa acorda Para o mesmo incolor nosso de cada dia! FECHADA PARA BALANÇO Persianas e venezianas, brasilianas Fechadas Bem trancadas todas, dentro de mim, Que apuro débitos (muitos) & créditos (poucos) neste viejo almacén de secos ou de molhados em que se transformou meu quarto interior de guardados, onde jaz, sem remorsos, a utopia não realizada e as mil investidas contra moinhos de aço escovado high tech design assinado como se fossem apenas de vento... FICHADA PARA BALANÇO Até a próxima ditadura Certamente civil, Sorridente, cordial, Ou até alguma razzia Contra os opositores da globalização neoliberal Ou- quem sabe?- mesma alguma simples blitz local Contra os despossuídos de poder De sempre... (Só a ironia- esta bóia inflável- me salva do naufrágio cotidiano!) LAURA NOGUEIRA( ) poeta paraense, dedicou-se desde os 15 anos a escrever e reescrever a obra Porque Uma Flor é Grito Matéria, ganhadora, em 2012, do Prêmio Literário Vespasiano Ramos, promovido pela Academia Paraense de Letras, no gênero poesia. Formou-se em letras pela Universidade Federal do Pará e é professora de língua portuguesa. Participou das plaquetes 30 poetas,30 poemas (2015)e Belém 400 Anos(2016). AUTO-RETRATO DE VAN GOGH Há uma tempestade de luz sobre o rosto, luz escura de agonia. O amarelo como um golpe, um susto e um surto. Seria tua veia na fímbria da roupa o grito vermelho? Estaria tua orelha esvaída na borda da camisa, aba do chapéu, barba? Tua face bordada pelo sangue na tela sangrada de sombras. Na tua boca o silêncio de cabelos brancos. A estridente cabeça observa com olhos de turbulência. NOITE ESTRELADA DE VAN GOGH Na noite estrelada, o acorde da angustiada guitarra. O laranja ressoa Na pele nasce violino estridente. Da mão, o fogo redemoinha. O gesto vermelho pare as chamas, e uma voz negra. Uma voz noturnamente azul De absurdos silêncios e lembranças. FEITOS Atraí com o bico do lápis um pássaro que sonhei. Atirei-me ao precipício do poema com a pedra do sonho amarrada ao pescoço. MELANCÓLICO Ao amigo Marcos Palheta Meu amigo é melancólico. Os melancólicos também são pessoas interessantes, nos disse. Cava com o olhar, na parede um mapa de filosofias. Olha para nós como para o fundo de um poço. Os olhos são poços com águas negras de melancolia.
Meu amigo vive um constante mergulhar. Às vezes some numa frase. Emerge depois como voltasse do mar, E o mar fosse assombro.
Meu amigo retorna como quem volta ao distante. Galga o sabor de vinhos antigos. Quer ter um odre de poesia na adega de sua velhice. É de temperamento plácido como a lagoa, a estrada sem viajantes, Sol neutro na água. Vê música no poema e sorri, riso por vezes debulhado da angústia.
Publicado por Rubens Jardim em 08/05/2016 às 16h18
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