18/08/2016 14h06
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (79ª POSTAGEM)
NIL KREMER (1980) poeta gaúcha, formada em letras, é atriz, arte educadora e estudante. Já passeou pela dança, teatro, cinema, circo, música. Participou da coletânea Sobre Lagartas e Borboletas e do Projeto Sete Luas . Tem poemas publicados nas revistas Plural, Mallarmargens, Limbo, O Emplasto e DiversosAfins. Publicou o livro Kamikaze(2016) A idade não vem sozinha Vizinha de chagas Pragas que batem e voltam
A idade não dá folga Rouba toga, melindres Perdoa deslizes Dá o troco em doces
A idade é generosa Vem em prosa ou desalinho Como vinho bom Ou sermão de mãe nervosa
Esta menina levada Amarrota a pele E passa a limpo nossa ficha KAMIKAZE Uma mulher traz areia nas mãos vento nas veias e uma ampulheta implacável tatuada na pele uma mulher traz centelhas nas mãos vento nas veias no sótão imagens em super oito de 0 a 10 de uma vida uma mulher traz doces nas mãos vento nas veias no corpo travessuras e fantasias uma mulher traz miragens nas mãos vento na veias um punhado de seitas receitas de cura uma mulher peito prosa camufla vulcões nos olhos artérias feita de fé mesma matéria miséria das santas em procissão QUIROMANCIA Pediu que eu cortasse o baralho falou do peito vago do último estrago feito do moreno que me deitaria os olhos de santos que cruzam depois da primeira dança de heranças pendentes e tequilas comungadas
Ela deflagrou minhas encruzilhadas e previu os abismos sísmicos sinais delatados em cartas cruzadas
Fechou com o enforcado um bocado de pendências alternância de suspiros e cheiro de alecrim
Quanto a mim? continuo girando na contramão da terra Quando penso encontrar eixo a sorte me erra AUTO RETRATO tenho esta espera estampada no rosto um lusco fusco na voz martírio de inquietos fechadura conferida mil vezes praga que não se entrega
sou o que fica a tiririca na grama o acordo necessário o voluntário das palavras a larva dos dias a agonia sabor chocolate que late late e abocanha vazios
sou o cio em carne promessas descumpridas feridas cicatrizadas desvarios MARIA CAROLINA DE BONIS (1982) poeta paulistana, é formada em Letras pela PUC-SP e leciona língua portuguesa e literatura. Passos ao redor do teu canto é seu primeiro livro de poemas e integra a Coleção Patuscada, projeto premiado com o ProAC – Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo. PASSOS AO REDOR DO TEU CANTO Não, caminhava pelo gelo Com medo de reaver escorregadias Espécies de perdas secretas. Só sabia da pedra esverdeada do olhar Que em mim diriam: forneça as provas.
Não, seria essa ou aquela, mas Sei que pareço a mulher de todas as noites em insônia Em cima do palco decifrando um vocabulário estrangeiro As mulheres que sonhavam em outra língua.
Pelo olhar do Imperador As solas secas dos pés rabiscando Os territórios da volta, Voltaríamos para a casa seguros. Voltaríamos para a casa seguros? Haveria volta nessa mesma hora Haveria casa nessa mesma hora.
Enquanto um grupo numa sala vazia Fornece provas sobre O turismo das regiões terrestres Fazem cálculos, desenham mapas O que movimenta as mãos como uma continuidade Do pensamento preferiria os lados orientais De uma certa cultura De panos coloridos para cobrir Nas rendas os tons fortes desenhados.
Dizem outras palavras, eu acho, A mesma mulher me olhará de soslaio Qualquer vista que preencha o vazio Entre a saída e a entrada de alguma passagem Do aeroporto internacional Embriões do mundo.
Dizem, ainda temos a lua, E me demoro a decorar o passado Onde toca a agulha A alma e o bisturi. Nossos passos, Movediços em água, Sangue e areias exiladas, Se insinuam a estar entre dois polos. DOIS, REVERSO Ser não mais o corpo, mas a encenação Dos primeiros toques em desvãos aquáticos Em si a diluir a primeira cena: Correr pelos vegetais Pelas árvores de uma floresta Que não lhe amam E as sombras que caíssem Fossem em si uma direção Para as margens do que fora:
Submersas – de uma coisa saberia Do amor aos extremos Dos fios que se perdem dos fios Que se atam. DECOMPOR A fruta apodrece (não que eu assim quisesse) como vão de escada e escuridão. Vivo onde as moscas contornam minha ausência. Faço de mim escambo com o vento. Estaria a dois passos do que tem sido. Desfaço na estrada e vou fincando em cada poste abandonado em cada curva desvio a voz que em mim fala para decair na tarde verde vegetal e não querer mais nada da vida. Se assim se mostra no que decompõe a essência, deixo ao que o coração abra em tempo do que regressa o sumo maduro a colher o sêmen entrar dentro da ferida das coisas saber de que material são feitas e conter sua substância - expor sua ferida em um trauma aberto lá onde dói a fibra do fino fio corrói-se a essência sem luz. OS LIMITES DA VOLTA Tentávamos demarcar os limites da volta com a ponta dos dedos Necessário retorno do delírio. Não, nunca será como abrir O vento com as mãos, girar a manivela do saber A vestir couraça medieval ao coração. E quando O canto cicatriza as feridas Expõe os fatos do nada Ser um dia sem cumprimentos Da flor que se abre na superfície do tédio. O enigma não se desfaz ao avesso. Como uma Montanha englobo a outra e a outra sucessivamente Para que seja nesse automóvel ao horizonte que atraca Somente a névoa ou o som do rádio que antevê As colheitas dos frutos da boa estação Talvez ouvisse, colheria outras noites de neons, epigramas rosas Segredos das bocas apertadas e não desatadas E nada. Essa estrada vai pelos vales do vazio indefinível Dos conselhos ou até uma vaga euforia na dança sorrateira. Pensei muito, talvez dissolvesse a superfície do pó Pensei muito tudo sendo uma espera para novamente E nunca se demarcar os limites na senda Do horizonte, sempre em frente a fenda Da fruta mordida. Avistava colheitas em madureza. Mulher. Coral. Geografias da memória as rezas do vento. Anotava a história original. Um homem era visto vestido de sonhos Em camisa azul ao meio-dia em plena praça central uma estátua De delírios se abre em real o concreto de nossos pensamentos. ANNA APOLINÁRIO (1986) poeta paraibana, participou de várias antologias nacionais. Foi premiada no VI Festival de Poesia Encenada do Sesc Paraíba, em 2010 . No mesmo ano publicou seu primeiro livro, Solfejo de Eros, Na sequência, vieram Mistrais(2014) e Zarabatana(2016) CORPOESIA Escrevo para derrubar paredes Cegar tua íris Apunhalar as veias
Atear delírios Traduzir-me em sílabas Queimando dentro de ti O QUARTO Lúmen de livros
Arena antiga
As fábulas esfaqueadas pela chuva
Aquoso pacto de corpos
É líquido o amor EPIFANIA Grafito em tua alma Um verso vermelho Serpe sibilina Estilhaço de estrela Tatuo em tua boca Que mordo com rimas A flauta de fogo Da minha poesia SYLVIA QUEIMA Vênus da alcova, Sílfide messalina Viciada em adesivos de nicotina Insone & neurastênica, dopada e deprimida Permita-me lamber sua iconoclastia Mariposa de danças noturnas Fênix feérica, Noiva da Morte Godiva Camélia rubra, jorrando seu perfume que asfixia. Me põe nos lábios o vinho docemente nínfico Teus versos são belos crimes Sinfonia de gozos e guizos Teu punhal de palavras Fogo que dança pelo meu corpo. ELIZANDRA SOUZA(19 ) poeta, jornalista, editora da Agenda Cultural da Periferia, locutora da Rádio Comunitária Heliópolis. Co-organizadora da Antologia Pretextos de Mulheres Negras com Carmen Faustino e textos de 20 poetisas negras. Publicou o livro de poemas Águas da Cabaça(2012) e foi incluida em algumas antologias como Cadernos Negros, Negrafias, entre outras. ESTOU AVISANDO, VAI MUDAR O PLACAR.... Já estou vendo nos varais os testículos dos homens que não sabem se comportar Lembra da Cabeleireira que mataram outro dia? E as pilhas de denuncias não atendidas Que a notícia virou novela e impunidade É mulher morta nos quatro cantos da cidade...
Estou avisando, vai mudar o placar... A manchete de amanhã terá uma mulher de cabeça erguida dizendo: - Matei! E não me arrependo! Quando o apresentador questiona-lá ela simplesmente retocará a maquiagem. Não quer estar feia quando a câmera retornar e focar em seus olhos, em seus lábios...
Estou avisando, vai mudar o placar... Se a justiça é cega, o rasgo na retina pode ser acidental Afinal, jogar um carro na represa deve ser normal... Jogar a carne para os cachorros procedimento casual... Estou avisando, vai mudar o placar... Se existe algo que mulher sabe fazer é vingar Talvez ela não mate com as mãos mais mande matar.. Talvez ela não atire, mas sabe como envenenar... Talvez ela não arranque os olhos, mas sabe como cegar...
Só estou avisando, vai mudar o placar... GAMELEIRA “Seja em qual circunstância for É em legitima defesa O escravo que mata seu senhor” Assim, Gama defendia os seus Advogado por si mesmo Autodidata das leis... No esquecimento das páginas Oficiais de nossa história Luiz Gama -um guerreiro - sem memória De filho liberto a escravo Vendido pelo próprio pai Lutador por um país sem rei Trinta anos antes da mentirosa abolição Pedia dinheiro na rua - contribuição Para a compra das alforrias dos irmãos Insubmissão, herdada de Luiza Mahin Sua majestosa mãe que deixou a Bahia Temida pelos senhores – Malês, Levante!!! Avante, não deixou legado financeiro, Mas eis aqui conselho para Benedito seu herdeiro: “Crê, que o estudo é o melhor entretenimento” “E o livro o melhor amigo” “Desconfie sempre dos poderosos” Gama, Gama, Gama Gameleira de raízes profundas Agarre-se a um dos seus galhos e não se descuida! A diabete matou esse homem, mas não a essência dos seus ideais... “Seja em qual circunstância for É em legitima defesa O escravo que mata seu senhor” Matamos nossos senhores Quando pegamos em canetas O estudo é um tiro certeiro... Modernas cartas de alforrias Vamos nos defender Seja na palavra escrita ou na falada Poesia ou embolada... Beba na gamela da fonte de Luiz Gama. Gameleira de raízes profundas e profanas. ENSAIO SOBRE NÓS Nossas afinidades Tardes de preciosidades suco de cacau com graviola um samba de Cartola ele fumaça, eu incenso ele melodia, eu silêncio Nossas contendas Resolvemos com oferendas Ervas de benzedura Mordida na cintura Lambida no pescoço Esquecemos do almoço Somos estações do ano Periodos de estiagem Épocas de chuva Uma manhã ele me seduz Uma noite ele me ama Entre maracatus e blues... MULHERES CAMPESINAS No meio da noite, mãos de foice Pra lavoura de pragas, mulheres gafanhotos Noticie a invasão, nosso nome é ocupação Para germinar capital estéril, Sangue nosso não regará solo infértil Antes que o planeta seja vento e poeira Guardamos sementes boas nas carapinhas Espalharemos nos milharais nossas bandeiras Mulheres em luta, escrito nas muralhas e nas veias
Publicado por Rubens Jardim em 18/08/2016 às 14h06
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