19/12/2016 20h48
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (85ª POSTAGEM)
RAQUEL GAIO(19 ) poeta carioca, é atriz, bacharel em letras e performer. Em 2011 lançou o livro de poemas O Exercício no Mundo com Luis Alexandre Louzada e Denise Fraga. Foi publicada nas revistas Um Conto, Diversos Afins, Estrelas Vagabundas e Zebra, estas duas últimas pela UFRJ. eu, novamente, preparo o café da manhã enquanto você arranca meus cílios. vou me desfiando falando pra você não correr assim tão depressa sobre o meu deslize. você ignora meus ruídos e arranca uma flor do meu ventre.
(-você não ouve minhas pernas- e seu jejum rapta meu sono)
Tenho nas manhãs em que passo com você, uma imprecisão na medida do café. .................................................................................................................. tem um rinoceronte no meu pátio que me flameja toda noite
não há metáfora que sustente meu quadril dolo encardido que ensurdece os ossos como uma mancha. tenho entre os dedos um crucifixo pagão que me faz sangrar como eu sempre quis. novena que entorpece.
as horas no meu corpo são como escombros, altares perdidos no oceano. .................................................................................................................. como uma faca que abre a manhã tenho os órgãos completos de anoitecimentos. borboletas jantam minha boca espessa e me abrem com pedidos graves.
inauguro leitos e esquinas e guardo no sutiã um discurso escuro. meus seios se esgarçam se esquivando do cheiro que ficou encarnado, mas encontram quinas. então o músculo a noite escorre como grade nas palavras que parecem ter a potências das pedras.
recosturo o mamilo com a mesma faca que abre a manhã e a reinvento flor fome demência e me danço e me acho no dentro de uma borboleta ensopada .................................................................................................................. o odor entre minhas pernas , meu diálogo mais esquizofrênico, denuncia minhas velhas pegadas. uma alcova fertilizando promessas uma altura encardindo meus excessos . o óleo que produzo rasga minha língua e mancha a memória dos meus tornozelos. ando manca pelas redomas de tua igreja, pelas profecias atônitas de uma virgem. o sangue que me jorra me reduz a um beijo pontiagudo. escombros em precipício. carne que não envelhece. teu tempo é grave e minhas pernas querem deter tua fuga. nuvem cigana. alçar voos de serpente lambuzar esse fingido diálogo beber nosso líquido numa catedral sem deuses.
costura de uma noite pagã.
MICHELLE C BUSS (19 ) poeta gaúcha, nascida em Jaguari, interior do Rio Grande do Sul, vive em Porto Alegre desde 2007. É graduada em comunicação social pela PUCRS e atualmente faz o curso de letras na UFRGS. Começou a escrever poemas ainda quando criança. Publicou os livros Mosaicos (2014) e Sal, topázio e mercúrio ( 2015) Há coisas que não cabem em um poema: a suave ondulação que se desenha na superfície da água quando a cigarra gentil se molha. ................................................................................... Percorro ....................................................................... Quando os doze livros forem escritos vinte e duas de minhas vidas serão mortas. E a força titânica que me prende a roda romperá. Eu serei fagulha dourada, leve entre constelações o céu, azul profundo, molhará minhas mãos e pintará meu rosto. Conexões e fluxos. As mãos da tecelã divina voltarão. Silenciarei Serei silêncio Energia cálida que pulsa ascende essência. BALADA DAS DUAS DA MANHÃ entre eu e você já nasci estragada estrela contrária madrepérola de sal havana capitalizada
não importa o que eu faça o que mude ou a música que cante pra você algo sempre falta em mim
cafe moído com açucar demais o certo na hora errada grão de milho extraviado na caatinga muito sono pra pouca noite a verdade que ainda não é verdade coração que não bate amor
não importa o que eu faço o que eu sou
nunca boa o suficiente suficientemente desamada desarmada entre sorrisos bobos amanhecendo longe...
longe não importa JÚLIA DE CARVALHO HANSEN(1984) poeta paulistana, graduou-se em letras pela USP e é mestre em estudos portugueses pela Universidade nova de Lisboa. Seu primeiro livro , Cantos de Estima, (2009) teve duas edições de materiais, tamanhos e tiragens diferentes. Publicou também Alforria Blues ou Poemas do Destino do Mar,(2013 ) e O túnel e o acordeom (2013) Temes a noite onde os nomes não se registram nos radares e as palavras como joelhos afastados pela mão de outro são caixas-pretas boiando no mais marinho dos oceanos.
Um avião cruza os ares em direção a um batizado. É o seu eco que cola as sílabas umas as outras rejuntes de significado, amálgamas do esquecimento.
Se só pensas em assentar as mais corretas, maneiras de permanecer, feito cal, espalhado pelas espáduas trêmulo cimentado teu coração, um canteiro de plantio para as alfaces – soníferas e insípidas – do cotidiano. De ti, só poderei aceitar atrelar-me, como um mexilhão.
Agora sou na tua rocha. E de mim se aproxima outro, que os passageiros não alcançarão. Age antes de querer com todos os olhos de quem nunca tinha tocado bivalves sem enciclopédia ou Discovery Channel feito um miúdo se maravilha, ama as pérolas, sabe bem mastigá-las com os dentes até parti-las.
Como eu, um dia, também contigo, tentei. POEMA DO DESTINO DO MAR Acordei em Lisboa com o barulho de abrirem um lençol molhado no céu e tentavam arrastar as colinas para o rio. Ao meu lado desenhavas as linhas de um mar apavorado mas grande demais para fugir.
Guardo junto a outros. Tudo o que me importa. Há uma caixa ali, do lado esquerdo de quem está comigo, onde estão aos quantos instantes iguais gravados nas milhares de fotografias digitais pelos turistas no mundo agora e eu. Tão madura, tão rude, inconstante cinqüenta mil doçuras que te apavoram cinqüenta mais cinqüenta mil e duas paisagens com uma pessoa em frente ícone, um totem do igual queimado pelo vermelho do sol.
Ou que quer dizer isso? Esse lugar que desaparece com uma chuva-fria os quatro dias dados aos combatentes do entretenimento seus pés que incham, desacostumados a andar e clicam. Para a tia que ainda existe, uma empregada atenta tua mão distraidamente na varanda da minha mão. Como o vento grava em uma roupa um alvo é só um vulto. Que quer dizer isso? Um beijo dado mais tarde. .......................................................................................................... Tenho sido entregue às mais escuras das noites mudas. Que posso eu? No entre desses espinhos? Ando tão baixo quanto as formigas mas se arbusto não sou por que tenho vivido eu coberta de espinhos? Da queda fez-se um ninho maceradas folhas de sombra abrigam o meu corpo. É o esquecimento da terra. Mas por que, por que vesti-me de espinhos? Si soy el temblor, o lugar onde o trovão diz EU é o meu peito alargado. .................................................................................................................. tá, me deixa mas vou te falar uma coisa bem sincera já que o nosso amor vem de outra era a baliza desta é a espera tá bom o vínculo deixa eu te dizer vou ser bem sincera não, não é a primavera eu ligada assim em você é que não existe mais nesta esfera o que eu procure de nós dois nada nada a temer não tema que ainda sobre que ainda falte que ainda haja o que dizer que ainda se elabore o ainda a minha fera é tigrada fingida a minha bala migrada eu atingida sou um espelho que se espelha em cacos de um espelho espelhado migrarei para dentro do espelho e vou renascer em lago eu não consigo te dizer o que estou procurando dizer em ti um alicate uma tesoura um nunca mais por favor não diz nada que me meta objetivamente numa coisa objetiva o objetivo o objeto o obtido o bocejo sim eu estou por todo o lado e por todos os lados eu estou sem você BÁRBARA BENTO(1993) poeta alagoana, é formada em magistério e é bacharel em serviço social pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente publica periodicamente na revista Alagunas e em sua página do facebook que tem por título Doce Intuição de Vênus. Vive em União dos Palmares, terra natal de Jorge de Lima e de Zumbi. O SILÊNCIO O silêncio é a descoberta, O silêncio é um corte, O silêncio é uma ferida aberta É a afta na ponta da língua, É o veneno guardado na cauda, É o passo sorrateiro, É uma garganta inflamada É o afago do incompreensível, É a agonia do doente, É a paz pra muita gente, É a rebeldia na tortura, É um coágulo no corpo, É a inibição da tolice, É a resposta inteligente, É o medo da mesmice, É o ápice da coerência, É a falta de vontade É o alarme pra desgraça É a armada da usura, É quem mais diz quando não fala. PALAVRÃO A palavra é uma dor no nervo ciático, É um tiro de raspão, Que fere, mas não mata A palavra é hepática, Causa pena e comoção, É um pensamento ricocheteado, Que cai na boca do mundo Ora como riso, ora como choro A palavra é dona do próprio nariz E sai agalopada de um coração venenoso Mas no último suspiro é só ela que salva, Ainda bem que os mudos também falam. Palavra é um desejo despercebido, um sentimento desavisado, É um cisto que precisa ser retirado, senão incomoda, que nem cisco em lente de contato. INVERNO Na vida, o risco Na boca o grito No olho, um cisco No quarto, suspiro A noite, chuvisco. CORPO VIOLADO A letra morta A voz, Atroz, Feroz E o gosto embebecido A mosca que voa frenética, A ferida enrijecida O cheiro desavisado Os passos de bota O sangue vivo A carne exposta Bate com força e mata As esperanças As paredes A lâmina em vermelho vivo Como os lábios escarlates E a lingerie violada Tem cera de vela na mesa E no chão a moça morta. Publicado por Rubens Jardim em 19/12/2016 às 20h48
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