07/08/2017 12h50
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (96ª POSTAGEM)
BEATRIZ AZEVEDO(19 ) poeta paulistana, cantora, compositora, estudou dramaturgia e é mestre em literatura pela USP. Possui carreira internacional, com discos lançados no Brasil, Europa e Japão. Assina parcerias com Augusto de Campos e Hilda Hilst .Publicou dois livros de poemas: Peripatéticos(1996) e Idade da Pedra(2002). EU SOU A BEATRIZ eu sou a beatriz sem dentes eu sou a beatriz dândi abundante eu sou a beatriz estridente gigante eu não sou mais a beatriz de Dante
A FLOR AZUL DO SILÊNCIO apaixonar-se por uma puta ter o abismo nos olhos revoltar-se contra a banalidade dos manuais amar os poetas que se odeiam sobretudo aqueles que se insultam mutuamente nas rodas literárias não pertencer a panelinhas cozinhar as tripas da poesia no caldeirão dos bruxos namorar o crepúsculo trair o espelho e o tempo casar-se com o sol colher no asfalto a flor azul do silêncio depois da passagem apocalíptica do caminhão de lixo perder o trem perder a hora perder a conta perder o amigo e a piada mas não perder a esperança nem o humor não perder a paciência nem a suprema soberania do amor
O MAR o poeta nada merece o mar nenhuma palavra desmerece o mar o homem nada não conhece o mar mergulha na água sua cabeça não entende o mar a água do seu corpo não navega o mar o barco a vela não acende o mar ninguém nada reconhece o mar só o mar sabe nadar o homem no mar imenso nada penso o poeta no mar nada no imenso o mundo nada mesmo a mulher nada se oferece ao mar o mar desconhece o mar o homem nada se assemelha ao mar o homem nada nada nada nada nada nada nada nada não alcança o mar
ARANHA FUNÂMBULA aranha funâmbula tece seu arame fio de aço com finíssima argamassa de pétala linha de pluma aranha astronauta flutua e salta estranha entranha de traços aranha pendurada prumo pêndulo rasante sem asa guindaste de ar e nadas enquanto eu construía a casa areia tijolo cimento e sol ela desenhava suas mandalas se apossava dos cantos vãos quinas esquinas me olhava com as patas e desprezava aranha, fala : pra que tanta tralha ? com quase nada a aranha criava sua rede de seda e arte porque sabe – cedo ou tarde – parte-se ROZA MONCAYO ( 1954 ) poeta goiana é também artista plástica. Vive desde os 5 anos em São Paulo. Fez curso de história da arte no MASP, bacharelou-se em letras e ciências sociais pela USP e foi educadora em escolas públicas. Em 1988 foi para Bélgica, ficou um ano, e quando voltou decidiu abandonar o ensino e dedicar-se inteiramente à arte. Seus poemas já foram publicados pela revista CULT, em abril de 2010. Publicou seu primeiro livro de poemas - Labirintos da Alma, em 2014, pela editora Patuá. ORIGEM Estourar os tímpanos e libertar a alma.
Ouvir com o corpo inteiro o grito das entranhas.
Misturar-se aos sons perfurantes do encontro absoluto da baqueta e do couro.
Defrontar-se com o início de tudo, e sentir-se nascendo do berro e da luz que te joga no mundo.
Ritual de iniciação, de resistência ---- o som primordial.
Resistir, resistir desde antes.
SERIA MAIS FELIZ? E se eu rasgasse a carne o ventre os versos? Assumisse de vez o incontrolável o intolerável o inadmissível?
Sonhos jorrando do êxtase a noite virada dia sexo todo dia e os versos? os versos na carne nos ossos no sangue da língua no sabor quente do suor na exaustão do viver assim entre versos e berros estradas escarpadas e ranhuras no céu.
Se eu assumisse este horror seria mais feliz?
NOMEAR Nome.... nome do homem nome das coisas nome ar.
Ar tem nome? Tem nome sim o ar. Respiração: o homem na ação de existir de respirar.
Fôlego para correr ficar para suportar.
Nome do homem para se identificar. Quem sou? Sou... sou João sou Maria não não sei quem sou. O nome só me nomeia não diz afinal quem sou.
Ah! que confusão Quero voltar para o ventre lá, onde latente sou. Onde o nome não existe assim falado concreto na boca de todo mundo. Onde o que sou está livre da dúvida porque ainda não se nomeou.
Deve haver um lugar um lugar só meu sem precisar nomear.
UNÍSSONO Súbita solidão soluça silenciosamente no cio sem solução sem sol ----unção.
CÁSSIA JANEIRO(1964) poeta paulistana, é formada em filosofia e serviço social. Foi professora universitária e consultora da UNESCO. É secretária-geral da União Brasileira dos Escritores (UBE) Ganhou o Prêmio Mundial de Poesia Nósside (2014)e participou de várias antologias. Publicou Poemas de Janeiro(1999) e Tijolos de Veneza(2004) e A Pérola e a Ostra(2007) finalista do prêmio Jabuti em 2008. O QUE SOBROU (Para Antonio Candido) O que sobrou de você neste Apartamento Foram as suas roupas, Que logo vão ser dadas, Os seus livros, Alguns dos quais serão meus, Aqueles que compramos juntos, As lembranças. O que sobrou foram seus retratos e, Quando vi uma foto sua, sorridente e saudável, Lembrei-me de que não me preparei Para a sua vinda, Mas pude me preparar para a sua ida. Mas quando você foi, Ah, meu Deus! O que sobrou? O que sobrou Fui eu.
FLOR DE CAMINHO Há de nascer uma flor de lótus No meio Do caminho.
Há de nascer uma flor de lótus Permanente Para que a gente suporte, Para que a gente se importe Com o que está à nossa frente.
Há de nascer uma flor de lótus Permanente Para que a gente suporte, Para que a gente se importe Com o que está escondido, Longe do nosso umbigo, Calado numa noite quente.
Há de nascer uma flor de lótus que nos lembre: O caminho do meio não é O meio do caminho.
ABANDONO Elas esbarram em nós Com seus chocolates, balas, truques E limpam nossos para-brisas nos faróis. Sua infância escorre como aquela Água suja que vejo no vidro. Uma moeda qualquer É a medida do seu valor. São crianças sem dúvidas poéticas Ou filosóficas. Não há Hamlets entre elas. Não estão entre o ser e o não ser. Não são.
PÉS Sob meus pés, Nada – E esse nada me Sustém GABRIELA SILVA(1978 ) poeta paulistana, deixou São Paulo há muito tempo e vive em Porto Alegre. Formada em letras, é mestre e doutora em teoria da literatura na PUCRS. Professora universitária já ministrou oficinas de criação literária e foi uma das coordenadoras da Breviário cursos, em Porto Alegre. Publicou seu primeiro livro de poemas Ainda é Céu em 2015. A MÁQUINA QUE SOMOS Somos essa máquina de carne, amorzinho, pernas e braços articulados.
Ossos de bom material. Viscosos, certos líquidos nos lubrificam, às vezes nos inundam.
Somos essa máquina de reproduzir o mundo, ou de povoá-lo.
Nossas almas, se enguiçarem, mandamos a Deus: o criador.
Carcaças, ferimos a memória, dos que fingem não saber que somos arremedos de qualquer coisa.
Somos essa máquina de torpor, de ânsia, amor, tédio, ódio.
Todas as nossas peças se encaixam em comovente perfeição.
E por coração chamamos essa bomba monocórdica que nos confunde e mantém.
DESVÃOS Perdemo-nos entre os vãos úmidos de nossos dedos.
Escapamos pela nossas pernas longas quase velozes.
Cegamo-nos em nossos olhos exaustos do mundo.
Encontramo-nos no nosso riso em vias confusas, arcaicas.
Atravessamos nossos corpos tão paredes entre nós mesmos.
É MENTIRA QUE FOMOS FEITOS PARA AMAR Ainda é céu
Que já são horas de sonhar! disseram-me.
Que já é tempo de despertar sussurraram-me.
Por ventura perdi-me olhando o céu.
De nuvens sob um fundo azul passei às estrelas.
Por descuido Distraí-me Do inferno.
Ninguém me disse: Ainda é céu pra se alcançar.
Mas eu sei que sem despertar não perco o caminho até lá.
OUROBOROS Se eu te perguntar agora o que amaste em mim que poderias me dizer?
“Amei o que de ti podia ter em tempos de guerra e fome. Amei cada palavra dita todos os regalos: noite e dia. Amei o que em ti completava o ausente em mim mesmo.”
Então incomodada com os tempos verbais, perguntei por que não me amas mais?
“Por que me completaste e não sou mais enigma. Por que não és mais o silêncio da palavra esquecida. Por que te tornaste eu quando eu queria ser tu”
Já virando o rosto perguntei com medo e podes me amar ainda?
“Amarei o que em ti eu sou: nós. Amarei o que posso ter tudo e nada ao mesmo tempo Amo o que em ti é mais vivo: eu.” Publicado por Rubens Jardim em 07/08/2017 às 12h50
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