TAMBÉM AQUI ESTOU
Também aqui estou, Thiago de Melo.
Cara a cara com a vida
e com as grades do mundo ocidental.
Mundo cristão e civilizado
que há milênios de farsa e de força
comemora o aniversário do homem chamado senhor.
Estou num ônibus parado
que me leva para a minha amada
também cansada do trabalho
pelo aniversário
do menino chamado senhor.
Todos trabalham
(não para a festa larga e geral, Thiago)
mas para festas divididas
fechadas e trancadas
em casas com nomes de lares.
A cidade (sempre apagada)
acende luzes coloridas
mas nada ilumina
além do luxo na vitrina
e do lixo na calçada.
Desce, senhor, dessa cruz
carcomida por cupins de 1900 anos
e conhece a criança do mundo novo.
Crianças com mil brinquedos
fabricado por pais
de outras mil sem nenhum.
Desce, senhor, dessa cruz
hoje pela indústria multiplicada
e levada para a mesa do delegado
e para a cama da prostituta.
(ontem fornicava
e tu, com teus braços abertos
abençoavas
a prostituição do mundo moderno.)
Desce, senhor, desse pedestal da neutralidade
e vê o homem com a fronte molhada
por um trabalho sem ternura.
Ninguém aprende tua lição, Thiago.
Ninguém te conhece, Klail Gibran.
Ninguém te vê, Jesus, fora dessa cruz.
Desce, senhor, ainda este ano
e faze uma nova criança.
Ainda este ano, senhor
de mil novecentos e sessenta e cinco.
Grita, senhor, ainda este ano
a grande notícia
de que os deuses estão mortos
e que todos somos homens.
Revela, senhor, ainda este ano
a farsa que tu és
e o crime que cometes aí crucificado.
Fala, senhor
para um mundo com o nome de civilizado
que tu és o mesmo homem
que hoje morre na forca
cadeira elétrica, câmara de gás.
Que tu és o mesmo homem
que hoje morre de riqueza
sede e fome.
AUTOR: Ademar Cardoso de Souza, livro: No Coice da Noite. Editora Monções 1973.