03/09/2013 16h39
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA( 38ª POSTAGEM)
LUÍZA MENDES FURIA(1961) poeta paulista, jornalista e tradutora. Publicou seu primeiro livro ainda menina, com 16 anos: Madrugada e Outros Poemas (1978). Participou de diversas antologias coletivas e tem poemas em diversos jornais e revistas. Outros livros de sua lavra: Inventário da Solidão (1998) e Vênus em Escorpião(2001). POEMA-1 Esculpir conchas tão delicadas e diversas é um segredo do mar e dos moluscos.
Fazer versos como quem esculpe conchas um desafio interminável ininterrupto.
XXI Tua língua é chama e pétala na minha boca
Uma orquídea rósea e fulva se alastra no meu ventre
Selvagem e pura no meu corpo te enraízas. .................................................................... Deus é o Poema que todo dia não lemos
Todo dia avançamos uma página
e outra começa assim que a noite se cala.
Deus canta e um pássaro salmodia.
Ensurdecidos passamos em meio a esta babel de algaravias.
Ele escreve certo por linhas tortas.
O texto está em ti.
INFÂNCIA – 3 Porque tudo na vida é passado rebusco-te nas fotos da infância o vestidinho pregueado alguma trança que se desfez ao vento cariciando seus cabelos frios Porque agora é também ontem habitando esparsas latitudes em contração e espasmo o pensamento delineia a sempre mesma busca Ainda hoje um raio claro povoou teu rosto, fragmentou-se em sombras efêmeros detalhes e em teus olhos se firmou como um sorriso frágil a serenar-se em fugaz arquitetura Revisito tua imagem cotidianamente e assim o meu amor se expande em tessituras de voo e altura Porque o passado é um presente que perdura
PAULA GLENADEL (1964) poeta carioca, é professora de literatura francesa na UFF. Teve poemas publicados em antologias no Brasil e Exterior e textos críticos em jornais e revistas. Publicou três livros: A vida espiralada (1999), Quase uma arte (2005), A fábrica do feminino (2008). CRISÁLIDA Agora já não pedes meus nervos em pasto
agora já te afastas crescida em beleza
agora me contas piadas que aprendes ou inventas
agora pressinto tuas asas
QUASE UMA ARTE grande amor tenho por seus membros ombros pescoço braços pernas o viril mais forte do que tudo a mão que estendo sem cessar parece que pede mas oferece nada ou quase uma arte: joga nos dados o olho por olho o dente por dente
O OUTRO, O MESMO é do outro, ventríloqua a voz que articulo mal
flui de mim, vampirizada uma seiva que não volta
em lugar da epifania entra a aparição
sobe ao palco o outro, o indesejado
nem vivo nem morto vestido com minha pele mesmerizada
AÍLA MARIA LEITE SAMPAIO (1965) poeta cearense, é professora universitária. Desde adolescente participa de movimentos literários. Escreve contos, crônicas, poemas e ensaios, que vem publicando esparsamente em jornais, revistas e blogs. Publicou dois livros de poemas: Desesperadamente Nua (1987) e Amálgama (2001) SEPARAÇÃO Deixo teu corpo como quem deixa a pele e em carne viva se expõe ao sol.
Como o filho que deixa a casa, deixo teu corpo em silêncio sem itinerário e só.
Deixo teu corpo como quem abandona o cais e perde-se mar adentro sem medo de não voltar.
Como quem naufraga, deixo teu corpo e minha alma nele nua a dardejar. Como quem se mutila, deixo teu corpo como quem deixa a vida.
AUSÊNCIAS O que me habita é feito de ausências: a casa perdida nos abismos da memória, o amor feito lembranças do que poderia ter sido, a criança que insiste em rasgar o tecido do tempo em que borda sua história. O que tenho são metades, nunca inteiros. Sou feita assim, dessa argamassa vil dos crédulos que sonham sem medo dos interditos e dos desesperos.
NUNCA MAIS Jaz teu corpo. Nunca mais tua boca fará de mim teu alimento.
És um homem morto.
Nunca mais tuas mãos tocarão meu corpo; nunca mais nossos olhos se beijarão em silêncio.
Só o tempo nos unirá um ao outro quando enterrados estivermos na indiferença, no esquecimento.
EM OUTRO TEMPO Há em mim uma casa desabitada perdida no abandono dos ventos que sopram sem direção há portas que batem silenciosas atrás de um adeus sem data, lágrimas nas paredes retintas e trancas enferrujadas nos portais há hera entranhada nas vigas, nos muros e em minha alma, fechando porteiras, lacrando janelas misturando-se ao musgo que no jardim cresceu. Há em mim um silêncio quase sagrado e a memória de um tempo que não é o meu.
CARMEN MORENO (19 ) poeta e escritora carioca, recebeu prêmios em diversos gêneros literários. É contista, romancista, poeta e dramaturga. Está presente em diversas antologias e participa de recitais desde a década de 80. Publicou De Cama e Cortes (1993) e Lojas de Amores Usados (2010). AMPARO Meu pai e sua cela Cotovelos cravados no mármore: vislumbrava o já visto. Vistas revistando a vida como um inspetor insone. Nos ombros, o norte o não e a culpa. Meu pai: calvície e calvário. Frases verticais: chicotes sobre minhas certezas. Meu pai morava no desamparo. Sorte que a casa amparava sorrisos nas frestas da cal - Nas tréguas do caos. E havia alegrias resistentes nos cantos dos quartos, nas rosas das janelas... E havia o movimento dos irmãos, E as mãos da mulher partindo pedaços de pão Para não perdermos o caminho. E havia a vida, avessa à loucura, sendo urdida para nós, Por minha mãe.
CARÍCIA OU DESAMPARO Pedra ou ponte entre nós, a palavra costura, ou aparta-me do próximo. No papel, deitada sobre a página, deflagra-me o Universo. O meu e o do outro. No livro, a palavra não é ímpeto, como no improviso da fala. No livro, revisada, escolhida, oferece-me apenas o perigo da beleza. Que já é bárbaro! O perigo de me impelir à ousada viagem de ver. Ver-me, ver aquele que me escreve, ver aqueles que são criados por quem me escreve. O perigo de ver os mundos fervilhados nas folhas... E não ser mais a mesma. No livro, a palavra só ameaça porque me convida a sair do lugar - a mover-me. A palavra, estirada na página, só pode me oferecer o risco do vôo. E o risco de toda viagem, por mar, terra ou verbo, é sempre o vôo. Portanto, a palavra burilada do poeta, a verve vertida em sílabas, do escritor, é sempre bem-vinda, mesmo quando ameaça. Sobretudo quando ameaça! É brinquedo, mesmo quando bélica. Plástica, mesmo quando revela a feiúra do mundo. Salvadora, mesmo quando mata. A palavra, pregada nas páginas dos livros, em aparente imobilidade, está viva.
Contudo, proferida, às vezes agrupa-se tão ágil que não há tempo de retocar-lhe o rosto. E a verdade brota, abrupta. E a mentira enfeita-se, convicta. Quando proferida, sua ameaça tem natureza diversa da que deleitamos no leito da página. Falada, a palavra encorpa-se, cálida ou bélica. E é carícia ou desamparo. No entanto, uma vez expelida, segue seu curso reto, irrevogável. E atira, sem revólver, talha sem sangue... mata sem vestígios. Mas também tem o poder de socorrer, com sua saliva salvadora, qualquer um de nós que, na dor, encontre alguém com o dom de usá-la como abraço. Qualquer um de nós que saiba valer-se de sua sonoridade para adoçar a língua e salvar alguém. Para salvar-se.
A palavra quando fala, expulsa da boca um corpo invisível. Quando fala, a palavra é carne, é gesto. Mas quando cala, também é forma viva. Disfarçada de silêncio, no fundo do pensamento, às vezes grita seu medo de exprimir-se, parir-se. Grita seus segredos, seu lixo orgânico e suas benfeitorias. Viva, no caos do pensamento, a palavra inventa o futuro, retoca o passado, e ensaia o presente - para vivê-lo. Mas neste trajeto do falar ao ouvir, pode gerar breu ou brilho, conforme o berço preparado para acolhê-la. Quem ouve é sempre co-autor do que é dito. A tradução de quem ouve, seu universo de significados e imagens, sempre ajuda a escrever paz ou guerra. No entanto, há de chegar o dia em que, libertos de escrúpulos e medos, domados pelo afeto, usaremos bem mais a palavra como beijo
AINDA Dizer urgente do amor Ao amante Antes que se quebre O tempo E os ouvidos – Dissolvidos na terra Não apreciem mais A carícia das sílabas
Antes que as mãos Tímidas de dar Cessem de vez Os movimentos E todos os gestos Virem ossos
Dizer urgente ao amigo O valor do vínculo Que só o amigo costura Só o amigo cozeduras Cozimentos cerziduras Que só o amigo estanca Os sangramentos
Dizer urgente do amor Sem resistências Antes que a língua De súbito se cale E o amor – Preso por reticências Maledicências Medos mágoas Role pelos ralos
Antes que o amor Quedado pela foice Faça da palavra não dita Eterno açoite
DESTINO O morto não mora onde o corpo se expõe No último traje Não cessa ali - sob o assédio dos olhos na caixa fria. Jaz, na derradeira vitrine do rito, Apenas a casca oca (que seus sonhos e medos já não guarda). Inútil pranteá-lo, em flores e confissões, Na masmorra de mármore. Sob a lápide, apenas pele e destroços. Sua dor volátil migrou para o invisível, rumo ao sol.
O morto não mora no ossário, Na urna de cinzas prometida ao mar, Nos tesouros que guardava, No quarto que o aguardava. Não cessa no tiro, no corte, Ou quando, amorosa, a morte o elege No sossego da noite.
O morto não morre.
Publicado por Rubens Jardim em 03/09/2013 às 16h39
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